Fatores econômicos, sociais e conjunturais vêm influenciando sobremaneira o comportamento do setor sucroenergético e de suas indústrias e cadeias produtivas, desde 1970, com a criação do Proálcool, trazendo mais incentivos econômicos pelo Estado a partir de 1976, ocasionando o crescimento desse setor, que detém, atualmente, a posição de maior produtora e exportadora global de açúcar e de etanol, representando 26% da produção e um PIB estimado em US$ 40 bilhões (2% do PIB Nacional).
E, apesar de uma força em geração de empregos e fomentador econômico, houve períodos que fizeram as empresas oscilarem entre crescer, se endividar, crescer e se endividar, sucessivamente, lastreados por períodos de hiperinflação e colapso do preço do petróleo, fim de subsídios ao setor e da intervenção estatal, pelo período de abertura comercial, pela liberação de preços do etanol, pela entrada no mercado de veículos full flex, pela crise global, pelo choque de custos e, posteriormente, pela retomada de investimentos.
No gráfico em destaque, verificam-se três épocas distintas de fusões e aquisições da indústria sucroenergética brasileira. Identificadas como:
1a. onda, a consolidação e a centralização das economias agroindustriais;
2a. onda, o boom de crescimento, quando ocorreram entradas de novos agentes empreendedores, sendo uma fase do maior choque cultural entre as empresas novas e empresas tradicionais; e a
3a. onda, a crise do setor, que acabou provocando a saída de alguns desses agentes empreendedores, que não souberam interpretar a cultura empresarial do setor sucroenergético, “tão” grande e “tão” singular e complexo.
Entre 2007 e 2022, foram mais de 130 processos de aquisições minoritárias, majoritárias, joint-ventures e aquisições. Atualmente, o Brasil possui 422 indústrias de produção de açúcar, etanol e etanol de milho, dentre elas um grupo de 124, das quais 48 estão paradas e 76 em operação, em processo de recuperação judicial (103) e falidas (21).
Melhores preços de matéria-prima e produtos industrializados, aliados ao fato de uma boa parte de agroindústrias canavieiras estarem mais estruturadas, vêm provocando uma nova onda de fusões e aquisições. O que me faz pensar em três situações mais claras a se destacar: a queda das tradicionais sem gestão; a quebra dos projetos greenfields de donos que não souberam entender o setor; e a fase de crescimento das capitalizadas.
Lembro-me do meu primeiro mentor no setor sucroenergético, que se tornou um grande amigo, dotado de uma sabedoria peculiar e muita confiança demandada pelo seu líder maior, empresário gigante do setor sucroenergético, que conferiu a ele a responsabilidade de ser o “emissário” a assumir as usinas compradas. E ele, em sua sábia simplicidade, dizia: “A tarefa mais difícil que tenho encontrado nessa missão é a de comunicar ao usineiro que a usina não é mais dele”, lembrando situações inusitadas, como ter que ir até a sede da usina solicitar ao proprietário antigo que devolvesse o motor de popa de seu barco, ou móveis, objetos ou qualquer ativo que havia sido vendido no “pacote”.
Esse tipo de situação já é coisa do passado. Atualmente, as maiores fusões e aquisições vêm ocorrendo junto a empresas que não souberam gerir adequadamente, ou não souberam entender a complexidade de conduzir uma usina/destilaria, ou que, por arrogância de terem vindo de outros setores econômicos, desconsideraram e não valorizaram os fundamentos básicos da gestão de uma empresa sucroenergética, como valores, transparência, confiabilidade, segurança, ética e, sobretudo, as relações sustentáveis por décadas.
Muitas ocorrências de choque de culturas entre “quem compra e quem é comprado” vêm delineando um novo momento do setor sucroenergético. Situações de oportunidade em crescimento; de “espreitar” o desempenho do vizinho em Recuperação Judicial e adquirir sua empresa, sabendo aguardar o melhor momento; de se fortalecer, juntando em joint-ventures, e vários outros modelos. Sendo que não nos cabe indicar e evidenciar qual ou quais personagens são esses, mas sim o dever de procurar trazer algumas soluções sobre como saber conduzir esse processo de choque cultural entre tantas usinas vendidas e compradas.
Geralmente, uma empresa é adquirida pelos motivos ativo (valor do negócio) e qualidade do time. Porém, é necessário observar seus dois motivos de compra, pois a maioria das empresas foca no ativo e se esquece das pessoas, o que gera perda de valor. É fundamental a adequada gestão de pessoas a partir do processo de fusão e aquisição, para que o artifício de integração seja bem-sucedido, pois, entre vendidas e compradas, o resultado inicial é o choque cultural, que, quando mal administrado, tende a provocar o fracasso da fusão ou aquisição.
O choque cultural é a dificuldade mais preocupante, pois muitas fusões ou aquisições iniciam com preocupações no planejamento e no investimento de recursos em áreas como finanças, TI ou marketing, se esquecendo de fazer gerenciamento das culturas envolvidas; e alguns colaboradores passam a adotar comportamentos territoriais e enxergam a integração como uma verdadeira ameaça, ou até uma fonte de distração para o “real trabalho” que, na concepção deles, é o maior objetivo a realizar.
Nessa fase, a organização deve definir claramente a Visão, a Missão e os Valores, com significado para tudo isso; atentar para a imagem de suas lideranças; ter regras e identidade, rituais para fortalecer a nova cultura, feedbacks constantes e pesquisa do clima organizacional; registrar os princípios da nova cultura, identificando diferenças rapidamente e fazendo abordagem sistêmica, migrando todos para a nova cultura e mensurando seus resultados.
A empresa, por si, deve atuar de modo que:
1) seja feito um diagnóstico do momento atual e orientados os esforços da integração cultural;
2) seja elaborado um plano estratégico de integração cultural, alinhado com o plano estratégico de negócios da empresa, com recomendações e programas concretos, além de comportamentos desejados, os quais, ao serem compartilhados e vividos na nova companhia, irão apoiar a execução da estratégia e resultarão no alcance das metas de negócio;
3) que a comunicação seja feita com total transparência, e, assim que o processo de fusão for concretizado, é primordial que todos saibam os verdadeiros objetivos de mudança, de crescimento e de toda a estratégia de recepção do time da empresa comprada, valorizando colaboradores, inseridos no contexto do negócio, gerando maior adesão interna, maior confiança, motivação e entregas mais eficientes - os objetivos, as perspectivas, as expectativas geradas e as oportunidades originárias pelo processo de fusão e aquisição devem ser passados com otimismo e motivação, destacando oportunidades de aprendizados e crescimento profissional.
Entendendo as diferentes culturas, é mais fácil identificar e perceber o melhor de cada cultura para formar a essência da que permanecerá, observando que, na essência, essas mudanças não sejam tão grandes ou agressivas quanto se especula. Assim, tão logo essas duas etapas sejam iniciadas, deve-se definir a nova cultura, sendo estabelecida e disseminada para toda a empresa, com estímulos claros de adequação e entendimento, pois, quanto mais rápido os colaboradores forem informados sobre os objetivos e a cultura da nova organização, mais rápido o retorno ao mercado, como uma empresa mais fortalecida e pronta para se tornar referência e alcançar vantagem competitiva.
E, finalmente, as lideranças deverão comunicar e celebrar a mudança, com clareza de que o resultado da fusão das duas empresas é muito maior do que essas empresas separadas, destacando o objetivo de crescimento e de oportunidades, fortalecendo a cultura organizacional, fazendo-se sentir a “atmosfera” de engajamento no trabalho por um motivo inovador com um grande potencial de sucesso.