Presidente da Cetesb
Op-AA-11
País-chave do mundo em desenvolvimento, que participa do regime internacional de combate às mudanças climáticas, o Brasil, juntamente com a Índia e a China, são players estratégicos nas negociações sobre o futuro regime, em particular do período pós-2012.
Isto se deve às significativas emissões dos Gases de Efeito Estufa - GEE, decorrentes, principalmente, do desmatamento, e pelo domínio de tecnologias de suas matrizes energéticas, onde mais de 40% estão representadas por componentes renováveis, como a hidreletricidade e a biomassa, com destaque para o etanol.
Apesar de enquadrado como parte não-pertencente ao Anexo I da Convenção do Clima e, portanto, submetendo-se apenas às obrigações comuns, previstas no seu artigo 4º, o Brasil tem sido instado, com China e Índia, a terem de assumir, no médio termo, metas mais específicas de redução de emissões de GEE. Essa pressão para que o país entre no rol das nações com obrigações específicas de mitigação tem raízes, particularmente, na garantia da efetividade ambiental do regime climático e na necessidade de reengajamento neste regime, do maior emissor mundial de GEE, os Estados Unidos.
A pressão para que o Brasil, que já é o 5º maior emissor mundial, assuma uma participação mais efetiva nos esforços de mitigação, esbarra na questão da conservação da Floresta Amazônica, cada vez mais objeto de atenção, na esfera internacional. Estudos científicos mostram crescente reconhecimento da relevância da floresta como importante regulador do clima e da dinâmica do ciclo hidrológico do planeta, revelando-se fator essencial para a contenção das mudanças climáticas globais.
Por outro lado, cientistas revelam a fragilidade da floresta diante do aquecimento global, apontando a real ameaça de savanização da Amazônia. Diante desses fatos, o desmatamento teria efeito duplamente perverso: ao passo que reduz a capacidade da floresta de absorver o carbono, afetando sua dinâmica climática e hidrológica, também gera emissões de GEE, contribuindo para o agravamento do efeito estufa, o qual, por sua vez, acaba por ser mais um fator de ameaça à floresta.
Na esfera internacional em geral, a falta de eficácia do Governo para lidar com a conservação da Amazônia, registrada no pequeno progresso no controle do desmatamento, tem sido vista como o tendão de Aquiles do Brasil em suas relações internacionais. Na esfera das negociações mundiais sobre as mudanças climáticas, a falta de controle sobre o desmatamento acaba por se tornar o principal argumento capaz de fragilizar a atuação do país.
O desgaste nas negociações internacionais sobre o regime climático só não é maior, devido à experiência nacional positiva na geração de energia renovável. Tal característica resulta do grande desenvolvimento do parque gerador de energia hidrelétrica, desde a década de 50, e de políticas públicas, adotadas a partir do final da década de 70, visando a redução do consumo de petróleo e dos custos correspondentes à importação do produto, responsáveis, à época, por quase metade das compras externas totais do país.
Nessa linha, a implantação do programa de produção de álcool combustível, o Proálcool, na década de 70, como estratégia energética do Governo, face ao aumento dos preços do petróleo, é considerada, ainda, um dos principais programas brasileiros de promoção de fontes renováveis de energia. Por meio desta iniciativa, o álcool foi introduzido como combustível na frota de veículos leves, tanto na forma hidratada (atualmente usada nos carros flex-fuel), quanto em mistura de 20-25% à gasolina.
A constatação de que o grande vilão das emissões antrópicas de GEE, particularmente dentre as partes do Anexo I, é o setor de transportes, tem chamado a atenção para os biocombustíveis, como alternativa factível. Nesse contexto, a experiência e o know-how brasileiro com o etanol têm feito a diferença e anunciam novos cenários, até mesmo políticos.
A produção acelerada do etanol nos Estados Unidos, além de permitir a redução de sua imensa dependência de petróleo importado, poderia funcionar como um vetor estratégico de reaproximação de determinados países da América do Sul, como o Brasil. Entretanto, é importante lembrar que uma eventual parceria estratégica entre o Brasil e os Estados Unidos, os maiores produtores mundiais de etanol, na criação de um mercado mundial para o biocombustível, não poderá ser vista como esvaziamento da discussão sobre responsabilidades e emissões, históricas, atuais e futuras, no âmbito do regime internacional sobre Pós Kyoto, no preciso momento em que a divulgação do relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas – IPCC, conclama à institucionalização desse regime, na criação de uma Organização Mundial sobre o Clima.
É preciso ter atenção, avaliar riscos e oportunidades, e não tropeçar no próprio entusiasmo. Espera-se que, até 2011, a área plantada de cana-de-açúcar no Brasil aumente em torno de 60%, para 8 milhões de hectares, e que, em conseqüência, seja necessário operar 100 novas usinas. Imprescindível que a exploração do mercado exportador de biocombustíveis, que se anuncia, deva vir acompanhado de medidas adequadas na expansão do setor, em particular do sucroalcooleiro, para que o licenciamento ambiental de novas áreas de plantio e de novas usinas não se torne, a curto prazo, uma nova moeda de pressão, em virtude de seus impactos socioambientais.
Enfim, espera-se que o Brasil, definitivamente, assuma a sua vocação de potência ambiental e agrícola e, com a lição de casa bem feita, defenda seus próprios interesses na agenda internacional, com base no princípio da responsabilidade comum diferenciada, participando da liderança do processo de equacionamento sustentável das complexas questões globais.