Discutir o clima não é tarefa simples, e prever seus impactos em um dos setores agrícolas mais importantes do país – o sucroenergético – torna-se ainda mais desafiador. Ao abordar as questões climáticas, é fundamental reconhecer as limitações inerentes às previsões e projeções que, apesar de oferecerem tendências e retratarem as condições macroclimáticas, não capturam todas as nuances do ambiente. O clima é um aliado essencial para a produção agrícola, influenciando diretamente os resultados das safras, afetando tanto a produtividade final (TCH) quanto a produção de açúcar (ATR).
A produtividade resulta da complexa interação entre o ambiente e a planta, sendo o clima responsável por, no mínimo, 50% da produção em campo. Esse fator ganha ainda mais relevância quando se considera que a maioria dos canaviais brasileiros é cultivada em regime de sequeiro – ou seja, depende exclusivamente da água das chuvas. Ao discutirmos o regime hídrico no Brasil, enfrentamos um cenário de alta variabilidade, decorrente das condições climáticas de um país de dimensões continentais e influenciado por fatores em escalas macro, meso e micro.
Nos últimos anos, a agricultura, especialmente nas regiões produtoras de cana-de-açúcar (Centro-Sul e Nordeste), tem enfrentado desafios crescentes. Chuvas irregulares, antecipação do período seco, veranicos prolongados e atípicos, além de eventos extremos – como chuvas intensas, enchentes, geadas e granizo – têm-se tornado mais frequentes e difíceis de prever.
Esses fenômenos impactaram significativamente a produção, como observado no período de 2020 a 2021, quando uma forte La Niña alterou significativamente o cenário da safra. Em 2024, o Centro-Sul enfrentou elevados déficits hídricos devido à combinação de tempo seco, altas temperaturas e incêndios nos canaviais, enquanto regiões produtoras do Nordeste também lidaram com períodos prolongados de seca. Mesmo sob regime irrigado, as alterações climáticas elevam os custos de produção, exigindo maiores investimentos em irrigação. Esses fatos reforçam a importância de se monitorar as condições climáticas para assegurar o futuro e o sucesso do cultivo da cana-de-açúcar.
Para a safra 2025/26, a perspectiva para as canas colhidas no início da safra é de possíveis quebras de produtividade, decorrentes do extenso déficit hídrico a que foram expostas em 2024. Em contrapartida, a retomada das chuvas no final de outubro e o volume abundante observado nos meses anteriores podem favorecer a recuperação dos canaviais de meio e fim de safra. A expectativa recai sobre os próximos meses e seus impactos no canavial. Embora existam limitações na assertividade das previsões de longo prazo, contamos com ferramentas que indicam possíveis tendências.
O fenômeno El Niño Oscilação Sul, que influencia a distribuição de chuvas no Nordeste e, ocasionalmente, no Centro-Sul, é um exemplo. Esse fenômeno refere-se à variação da temperatura da superfície do mar (SST) no Oceano Pacífico Equatorial, cuja variação pode alterar os padrões de chuva globalmente.
No Brasil, a fase quente (El Niño) geralmente aumenta as chuvas no Sul e reduz os volumes no Nordeste, acompanhada de ondas de calor. Já a fase fria (La Niña) tem o efeito inverso, com chuvas intensas no Nordeste e risco maior de geadas no Centro-Sul. Para que esses fenômenos sejam classificados, é necessário que persistam por, no mínimo, cinco trimestres móveis, com anomalias superiores a 0,5ºC (El Niño) ou inferiores a -0,5ºC (La Niña).
Monitoramos constantemente esses prognósticos devido ao seu impacto na cana-de-açúcar. Analisando o consolidado do último trimestre (novembro a janeiro), observa-se uma condição de neutralidade, embora uma tendência de anomalias negativas tenha surgido desde dezembro, gerando preocupações quanto a um possível retorno da La Niña.
Mesmo com águas mais frias no Pacífico Equatorial, os modelos de diversos institutos internacionais indicam que essa condição não se prolongará, sinalizando um outono e inverno com neutralidade – isto é, sem influência significativa das fases do El Niño Oscilação Sul. Neutralidade, entretanto, não equivale a normalidade, mas indica a ausência de uma forte atuação do Pacífico Equatorial no clima durante esse período.
Além desse fenômeno, variações de temperatura no Oceano Índico, Atlântico Sul e Atlântico Equatorial também exercem influências significativas, interagindo entre si e afetando o clima brasileiro. Os modelos de projeção climática a médio e longo prazo incorporam essas interações para estimar as variações dos principais parâmetros, como temperatura e chuva, nos próximos trimestres. Essas projeções demonstram variações em relação à média histórica, identificam anomalias e sugerem escalas de intensidade, embora a precisão diminua com o aumento do horizonte temporal.
Os modelos da União Europeia (ECMWF/Copernicus) para os trimestres de março a maio indicam chuvas dentro da normal climatológica na região central e noroeste de São Paulo, no Triângulo Mineiro e em Goiás. Em contrapartida, áreas ao sul de São Paulo, no norte do Paraná e no sul do Mato Grosso do Sul podem apresentar anomalias negativas leves, acumulando volumes inferiores à média, para algumas regiões o trimestre de maio a julho pode ser desafiador e apresentar chuvas abaixo da média. Para o Nordeste, os modelos apontam chuvas abaixo da média no período de março a maio, assim como para maio a julho. Algumas regiões podem apresentar tendência à normalidade.
Quanto à temperatura média do ar, observa-se uma tendência de variação positiva desde 2023. As projeções do ECMWF sugerem que essa anomalia se manterá, com os próximos meses marcados por temperaturas acima da média. Esse cenário tem-se tornado recorrente, influenciado tanto pela variabilidade climática quanto pelas mudanças climáticas.
Portanto, o clima se apresenta cada vez mais desafiador. Mesmo com uma tendência à normalidade no volume de chuvas em muitas regiões produtoras, o cenário permanece em alerta devido às temperaturas elevadas, aos desafios fisiológicos para a cultura da cana-de-açúcar e à distribuição irregular das precipitações. Diante disso, é fundamental que os produtores adotem estratégias eficazes de manejo antiestresse e que as discussões sobre adaptação às variações climáticas se tornem parte integrante do cotidiano dos profissionais do agro.