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Eduardo Leão de Sousa

Diretor-Executivo da Unica

Op-AA-21

O setor sucroenergético e as oportunidades e desafios do mercado de carbono

Colaboração: Luiz Fernando do Amaral, Assessor de Meio Ambiente da Unica

O presente artigo reflete visões do autor e consolida parte das discussões mantidas no painel "O setor sucroalcooleiro e as oportunidades e desafios do mercado de carbono", que contou com três especialistas no tema: Gylvan Meira, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, Divaldo Rezende, Diretor da Cantor CO2e Brasil, empresa prestadora de serviços estratégicos financeiros para mercados de energia e meio ambiente, e Luiza Hirata, Analista de Sustentabilidade da SustainCapital, empresa de investimentos, dedicada ao desenvolvimento de negócios nas áreas de Finanças Ambientais e Sustentabilidade.

O instrumento de mercado conhecido como Mecanismo de Desenvolvimento Limpo - MDL, é a ferramenta mais conhecida, tanto por empresários quanto pelo público em geral, para a promoção de tecnologias limpas nos países em desenvolvimento. No Brasil, o setor sucroenergético foi inovador na utilização desse instrumento e possui grande responsabilidade pelo seu desenvolvimento no país.

Porém, apesar de se constituir uma iniciativa engenhosa e inovadora como forma de mitigar os efeitos do aquecimento global, a realidade é que o MDL ainda não tem recompensado plenamente iniciativas empresariais que reduzem as emissões de gases de efeito estufa. Assim, procuraremos com este artigo: apontar algumas restrições no uso do MDL, indicar outras potenciais oportunidades para o setor sucroenergético e sugerir um debate sobre o futuro dos mecanismos de mercado como ferramenta no combate às mudanças climáticas no Brasil e no mundo.

O MDL foi o mecanismo encontrado no âmbito do Protocolo de Kyoto para promover reduções de gases de efeito estufa de maneira economicamente mais eficiente em escala global. Trata-se de um sistema de compensações que autoriza empresas dos países desenvolvidos a cumprirem suas metas de redução de emissões, assumidas naquele Protocolo, através do incentivo ao investimento em tecnologias de baixa intensidade de carbono nos países em desenvolvimento.

 

O MDL gera unidades de redução certificada de emissões (RCE) – os “créditos de carbono” – que podem ser compradas por empresas de países industrializados para cumprir seus compromissos de redução de emissão. O Brasil é o terceiro país em número de projetos MDL, depois da China e da Índia. Cerca de 50% desses projetos estão relacionados à produção de energia renovável, principalmente projetos de hidroelétricas e de geração de bioeletricidade a partir da queima do bagaço de cana, em caldeiras de alta eficiência.

A cogeração é o principal vetor de obtenção de créditos de carbono no setor sucroenergético. Dentro do âmbito do MDL, cerca de 500 mil toneladas de CO2 equivalentes em créditos de carbono (RCEs), são geradas por ano pelas usinas brasileiras através da cogeração.
Esse valor deve triplicar caso todos os projetos em processo de validação sejam aprovados.

Assim, a indústria da cana-de-açúcar é um dos principais setores no Brasil utilizando o MDL como uma ferramenta financeira para investimentos em tecnologias de baixo carbono. Os gráficos em destaque apresentam, respectivamente, a distribuição dos projetos de MDL no Brasil e aqueles focados em energia renovável.

Entretanto, as possibilidades de utilização de créditos de carbono na indústria da cana-de-açúcar não se limitam à cogeração. Trata-se, portanto, de um instrumento importante e inovador para gerar incentivos de mercado à redução de emissões. A realidade, porém, é que os resultados oriundos desse mecanismo têm ficado muito aquém do esperado, não tendo sido capaz de induzir a uma redução significativa de emissões em escala global.

De fato, considerando os créditos efetivamente emitidos, o MDL tem ajudado a reduzir somente 280 milhões de toneladas de CO2e por ano, o que representa cerca de 0,6% das emissões anuais globais, incluindo emissões associadas ao uso do solo. No caso do setor sucroenergético, por exemplo, chama a atenção que a produção e o consumo do etanol, o principal produto dessa indústria e com o maior potencial de mitigação, não são atualmente elegíveis.

Dentre as principais dificuldades do MDL, destacam-se:

a. Adicionalidade e linha de base: Adicionalidade significa que a redução de emissões promovida por um projeto MDL deve ser adicional ao que ocorreria na ausência dessa iniciativa (linha de base). Como a linha de base pode mudar, setores inovadores podem ser prejudicados por “tomarem a liderança”, já que suas ações não seriam mais adicionais. Além disso, países com legislação ambiental avançada também são prejudicados. Ações que estejam regulamentadas pela legislação nacional não são consideradas adicionais.

Esses problemas explicam, em parte, por que o Brasil, uma economia de relativa baixa intensidade em carbono com uma avançada legislação ambiental, esteja atrás da China e Índia em número de projetos MDL.


b. Elaboração de novos projetos e metodologias: A elaboração de novas metodologias de MDL e dos chamados Documentos de Concepção de Projeto - DCPs, são processos complicados, longos e caros. Na prática, isso acaba inviabilizando projetos de pequena escala, principalmente se não houver metodologia previamente aprovada.

Além disso, em vários projetos, há dificuldades em se determinar a propriedade do crédito, pois é difícil estabelecer os limites do projeto (onde ele começa e onde termina). Por exemplo, em um eventual projeto para uso de biocombustíveis, quem receberia os créditos: produtor, consumidor, distribuidor?


c. Procedimentos de aprovação e monitoramento: As dificuldades burocráticas desses procedimentos geram custos elevados e incertezas quanto ao período e ao sucesso na obtenção dos créditos. Os princípios do MDL estipulam que os créditos de carbono devem ser necessários para viabilizar financeiramente o projeto. O problema é que, dadas as dificuldades mencionadas, as receitas associadas aos potenciais créditos de carbono dificilmente podem ser consideradas no planejamento financeiro do projeto.

d. Volatilidade dos mercados de carbono: Finalmente, os mercados de carbono são muito voláteis, o que dificulta o planejamento financeiro. Há também uma falta de liquidez para os créditos gerados por projetos de MDL. O objetivo principal do comércio regulado de carbono é promover reduções com menores custos marginais, em outras palavras, onde as reduções adicionais são mais baratas.

Entretanto, a maioria dos mercados regulados (notadamente o mercado europeu) limita a comercialização de créditos oriundos de projetos MDL, o que deprecia seu preço. É difícil imaginar, pelo menos no curto prazo, que um acordo seja alcançado para minimizar tais dificuldades. Entretanto, é preciso apontar que o MDL, apesar de sua importância, não é o único mecanismo que pode beneficiar projetos e setores inovadores que promovam tecnologias de baixas emissões. Há outros.

Um deles é o mercado voluntário. Ele segue a mesma lógica do MDL, mas, em certa medida, simplifica algumas de suas complexidades. Como não existem regras claramente definidas por um agente regulador, como no caso do MDL, quem determina as exigências e provas de redução de emissões é o comprador.


Porém, a credibilidade das reduções alcançadas impacta diretamente a aceitação do mercado e o preço dos créditos gerados. Assim, processos transparentes, metodologias amplamente aceitas e verificações por terceiras partes são extremamente importantes. Algumas das ações dificilmente contempladas pelo MDL, como projetos florestais, tão raros no mercado regulado, podem ser mais facilmente aceitas no mercado voluntário. Além disso, a existência de projetos e ações ambientalmente responsáveis, que promovam tecnologias limpas e reduções de emissões, tem sido positivamente recebida pelos mercados financeiros, podendo impactar significativamente preços das ações de uma empresa. No caso de companhias e grupos não listados, fundos de private equity também têm se interessado cada vez mais por empresas com iniciativas robustas nessa área.

Trata-se, portanto, de importantes e promissores exemplos de oportunidades financeiras, ainda pouco exploradas, para setores inovadores como o sucroenergético. Em conclusão, a origem da grande maioria das dificuldades metodológicas do MDL encontra-se no fato de que, para calcular as reduções de emissões, ele se baseia em uma linha de base hipotética e variável ao longo do tempo.


Talvez, devêssemos voltar a considerar as origens do comércio de carbono, que é a troca de licença de emissões (cap and trade). Nesse caso, a linha de base é pré-estabelecida. Esse fato reduz enormemente as dificuldades de definição de adicionalidade, reduzindo custos e incertezas no processo de comprovação das reduções alcançadas.

É possível imaginar a criação de um sistema nacional de troca de licença de emissões, possibilitando que ele se integre com outros sistemas internacionais, mesmo que isso ocorra fora do âmbito do Protocolo de Kyoto – ou de qualquer futuro instrumento da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (United Nations Framework Convention on Climate Change – UNFCCC). É claro que haveria ganhadores e perdedores.

O setor sucroenergético seria, sem dúvida, um dos potenciais beneficiados. Porém, além de ser uma maneira economicamente mais eficiente para combater as mudanças climáticas, tal modelo traria também vantagens competitivas importantes para diversos setores brasileiros, principalmente quando começam a surgir discussões internacionais sobre possíveis barreiras comerciais a produtos de países que não adotem modelos semelhantes.