Me chame no WhatsApp Agora!

Afonso Henriques Moreira Santos

Professor de Eficiência Energética na UF-Itajuba

Op-AA-35

Oportunidades para os biocombustíveis e o gás natural

O que é cogeração? A cogeração pode ser entendida, de forma simplificada, como a produção combinada de calor  e eletricidade. Entende-se daí que ela se adapta a situações onde haja demanda para esses dois produtos. Por esse motivo é que, quase genericamente, se pensa em cogeração no ambiente industrial, notadamente aqueles com demanda intensa de aquecimento.

A vantagem da cogeração, em relação à produção separada de calor e eletricidade é o rendimento energético global que se alcança. Enquanto na cogeração se tem um rendimento de 60 a 64%, a produção individualizada, em âmbito industrial, poderá alcançar 55%.

As primeiras plantas de cogeração no País atendiam exclusivamente às exigências de consumo locais.  Somente a partir da década de 80, se inicia a interligação e a venda de excedentes de produção de energia elétrica. É fácil, hoje, pensar em exportar eletricidade, dada a razoável extensão das redes de distribuição/transmissão, e as condições regulatórias existentes, mas, na nossa cultura, não se vislumbra, ainda, de maneira genérica, exportar o calor excedente. Daí a tradição de se fazer plantas que atendam à demanda térmica, sendo a produção elétrica uma consequência desta.

A potência elétrica instalada, segundo a Aneel, em plantas de cogeração é algo em torno de 5.000 MW, com a quase totalidade em ambiente industrial. Avalia-se que, nesse mesmo ambiente, haja um potencial factível de mais 7.000 MW, não considerando expansões industriais. Essa capacidade instalada se localiza, sobretudo, na indústria sucroalcooleira, nas plantas de papel e celulose, nas siderúrgicas e na indústria do petróleo.

Observa-se, aqui, uma forte concentração em plantas que utilizam biocombustíveis, como é o caso das duas primeiras,  com forte contribuição à sustentabilidade, pela combinação de eficiência energética e combustível renovável. Pode-se considerar, também, neste grupo, parte da energia cogerada em siderurgia, posta a origem vegetal do carvão utilizado.

Merece destaque a recente planta de cogeração instalada na Dow Química em Aratu, onde a ERB foi contratada para atender a cerca de 70% da demanda térmica, em processo de cogeração, utilizando lenha. O que é notável, aqui, é o uso de um combustível não associado ao processo industrial.

Todavia, no país da biomassa, onde sol, água, solo e tecnologia se encontram para alcançar as mais altas produtividades de biomassa lenhosa, o uso comercial desta ainda é restrito. A América do Norte acaba de bater um recorde de exportação de pellets para a Europa e o Japão (quase quatro milhões de toneladas em um ano), mas, por aqui, por várias razões (carência de infraestrutura, legislação ambiental e tributária, entre outros), o mercado não evolui. Até mesmo o esperado projeto da Suzano  no Maranhão está à espera de melhores condições de mercado.

O que há de novo para a cogeração? Seguramente, há um espaço para a cogeração urbana. É necessário lembrar projetos pioneiros, como a cogeração a gás natural no Shopping Ilha do Governador, que passou por grandes dissabores técnicos. Mas tem que se destacar  a evolução tecnológica, notadamente na automação.

Projetos recentes, como a cogeração no Centro Empresarial Rocha Verá, em São Paulo, são a prova inconteste dessa evolução. Com uma potência de oito megawatts e climatizando uma área de 120.000 metros quadrados, a planta opera autonomamente, em um terceiro piso do subsolo do conjunto, utilizando a própria água de chuva para a condensação.

Mas a cogeração a gás natural tem sempre associada a comparação pejorativa  com plantas a biocombustível. Não se pode esquecer da eficiência implícita nas plantas de cogeração, que, se comparada a uma planta de ciclo combinado (alta eficiência), também a gás, é quase dez por cento mais eficiente. E mais: está ao lado da carga, reduzindo em mais dez por cento as perdas no transporte.

Além do mais, o setor elétrico brasileiro ficou dependente da geração térmica a combustível fóssil, como ficou evidente nesses últimos tempos. Então, que se tenha a melhor geração térmica, que é a cogeração embebida em sistemas urbanos. Esta trará, também, uma  melhoria sensível da segurança elétrica em regiões onde a vulnerabilidade é elevada, face ao modo de vida metropolitano.

Mas o potencial de cogeração urbana não se restringe ao suprimento exclusivo de condomínios. Embora ainda inédito no País, os chamados distritos de calor, onde existe um serviço de distribuição, por logradouros públicos, de fluido térmico, para aquecimento ou resfriamento, podem se tornar em breve um grande mercado.

Para se ter uma ideia do potencial, considerando cinquenta por cento de substituição da climatização predial na região da Avenida Paulista, se poderia alcançar uma potência elétrica gerada em torno de duzentos megawatts. Em outras palavras, poderia se reduzir a quase zero a importação de energia elétrica para essa região, com as respectivas vantagens desse feito (redução de perdas, melhoria operacional, aumento da confiabilidade).

Os entraves para a expansão da cogeração urbana passam, fundamentalmente, pela disponibilidade  de gás natural. O Brasil vive a bizarra situação de não ter uma oferta de rede e molécula de gás, por não haver mercado. Mas não há mercado, pois não há a oferta.  Hoje, a única forma vista pelos produtores de gás, para a sua monetização, é a instalação de uma grande térmica na boca do poço. Tem-se que quebrar  esse ciclo vicioso.  

Dizer que o País não tem gás, por isso não tem demanda, não procede, haja vista a realidade japonesa. Tem-se que desenvolver uma política de intensificação do uso do gás, no médio prazo, e esta, por sua vez, incentivará a expansão da rede e da produção.

Resumindo: Falta uma política energética modernizante, na qual a cogeração tenha um papel fundamental, pela alta eficiência do processo. A cogeração em processos industriais ainda representa um grande mercado a ser explorado, mas a cogeração urbana, associada à climatização distrital, deve ser vista como uma via necessária para o atendimento às novas exigências metropolitanas. O biocombustível, em suas diferentes roupagens (cana, lenha, biogás), tem que retomar o seu papel na expansão do parque gerador, por seu caráter ambiental e de segurança energética, e, sempre que possível,  ser usado em processos de cogeração.

A quem, enfim, cabe pilotar essa retomada da cogeração? Diria que cabe a todos “puxar” esse carro, mas cabe, antes de tudo, ao governo soltar os freios.

--------------
Participação Especial:
Fábio José Horta Nogueira, Diretor da iX Consultoria