Professor do Instituto de Economia da Unicamp
Op-AA-10
Muito tem sido escrito, dito e discutido sobre as possibilidades de expansão da agroindústria canavieira do Brasil. Até os mais ponderados ou menos pessimistas dos analistas parecem concordar que, no curto e médio prazos, estão abertas oportunidades de expansão dos seus negócios, principalmente em decorrência da ampliação da exportação de álcool.
Outros apontam a possibilidade de elevação da exportação de açúcar, em função das possíveis alterações nos regimes açucareiros dos países desenvolvidos. Isto pode vir a ser muito bom para a economia brasileira, ampliando nossas receitas em dólar e o mercado interno dos produtos e serviços, que formam o complexo agroindustrial canavieiro do Brasil, com a criação de empregos, etc.
O que nem sempre é devidamente explicitado, dada a euforia que tem predominado nas muitas projeções e análises disponíveis, é que a estrutura de produção de nossa indústria sucroalcooleira necessita de profundas mudanças, ou seja, de transformações. Ao que tudo indica, aquelas mesmas possibilidades de ampliação de mercado, principalmente o externo, exigirão que alguns aspectos daquela estrutura enfrentem desafios que estão postos para o aproveitamento de tais possibilidades.
Os aspectos negativos de tal estrutura concentram-se em três dimensões: a da concentração fundiária, a dos aspectos relacionados ao uso de força-de-trabalho e a dos impactos ambientais. Quanto à concentração fundiária, é amplamente sabido que as usinas e destilarias são empreendimentos empresariais que congregam tanto a produção de cana, como sua transformação (que na teoria econômica recebe o nome de “integração vertical”), sendo que em São Paulo ela atinge a média anual de 75% da cana moída.
Outra faceta é que uma boa parte da produção ocorre com base na prática do arrendamento de áreas por parte dos proprietários e/ou produtores maiores e/ou capitalizados/tecnificados. Parece não ser necessário apontar que tais características implicam a exclusão e redução de fornecedores/produtores autônomos, o que perpetua a apropriação concentrada da renda gerada pelo agronegócio da cana.
É urgente estimular formas mais democráticas de expansão, evitando-se a aquisição de terras pelas usinas/destilarias e seus proprietários, assim como estimulando-se alternativas, que viabilizem uma exploração (lucrativa), a ser feita pelos proprietários/produtores menores e/ou menos capitalizados.
Quanto ao uso da força-de-trabalho, tem-se que a maior parte dele concentra-se na lavoura canavieira e se trata de uma ocupação temporária, viabilizada por um deslocamento inter-regional de brasileiros desprovidos de outras oportunidades de ganho perene no ano. Infelizmente, ainda tem sido muito comum o desrespeito à legislação neste procedimento, ocorrendo uma intermediação (terceirização) espúria, que foi revigorada nos últimos anos, o que é reconhecido pelos empresários mais conscientes.
Dado o pífio crescimento da economia brasileira nas últimas décadas, especialmente no âmbito das atividades urbano-industriais, tem sido reforçada a característica de pagamento por produção, o que se constitui em uma super-exploração da força-de-trabalho utilizada na colheita de cana queimada, não se podendo descartar a possibilidade de que isto foi a causa de recentes mortes em canaviais paulistas, o que tem demandado uma ação de prevenção e de fiscalização, por parte do Ministério Público do Trabalho, inclusive no tocante às condições dos alojamentos.
A propósito, alguns usineiros já se manifestaram contra esta perversa forma de ocupação de mão-de-obra, o que nos remete à última dimensão. Os impactos ambientais constituem-se em uma dimensão mais delicada e complexa e estão relacionados tanto com a lavoura, como com o seu processamento. Depois de muitos anos, a prática de fertiirrigação tem sido contestada, obrigando a Cetesb a buscar regulamentá-la. A proibição de lançamento de vinhaça nas águas superficiais foi um dos fatores que estimulou aquela prática, mas ela tem provocado contaminação de lençóis freáticos.
É necessário impedir que isto ocorra nas áreas de expansão, cabendo conservar seus mananciais. Nas áreas de ocupação antiga, cabe recuperá-los, implantando-se matas ciliares, como forma de impedir o assoreamento dos cursos de água. Por sua vez, a recente pressão para mudanças na legislação, concernente ao porcentual de reservas de matas nas propriedades, pode vir a ser outro problema. Finalmente, não mais se justifica a queima prévia de cana para a colheita.
Isto se constitui em um desperdício de material energético, assim como tem impacto urbano negativo em termos, principalmente, de saúde humana, devido ao agravamento da poluição urbana, justamente no período do inverno, em que ocorrem frequentes inversões térmicas. Isto já está devidamente comprovado em pesquisas feitas por médicos pneumologistas. Convém explicitar algo que pode escapar a alguns: a dimensão atual do agronegócio da cana no Brasil é tal, que dificilmente alguns de seus problemas encontrarão solução “interna”, ou seja, no seu próprio âmbito.
Este parece ser o caso do elo entre as duas últimas dimensões: o possível fim da utilização de trabalhadores temporários no corte de cana queimada pode implicar na busca de alternativas de ocupação ou mesmo de sobrevivência para aqueles que disso dependem, total ou parcialmente. A manutenção e ampliação desse perverso elo tornarão as coisas mais difíceis no futuro.
Enfim, trata-se de mudar o que herdamos do passado, mas que em boa medida ainda marca a estrutura de produção de nossa agroindústria canavieira. Somente assim se justificará sua esperada expansão e somente assim ela poderá contribuir para que o Brasil tenha, realmente, um desenvolvimento sustentável.