O avanço do setor sucroenergético deveria ser encarado como essencial no desenvolvimento do Brasil. O potencial energético a ele associado poderia se traduzir em relevante contribuição à matriz energética nacional. Nada obstante, conjunturas políticas governamentais dos últimos 5 anos foram poucas sensatas, inviabilizando novos projetos de geração de excedentes de energia elétrica no segmento sucroenergético. Os projetos correlatos acabaram não saindo do papel.
Sem embargo, novas tendências regulatórias parecem proporcionar alento ao setor, que considerou positivos os resultados do último leilão de energia. A energia da biomassa que, por imposição da modicidade tarifária, concorria com a energia eólica passou a concorrer seletivamente com a de gás natural e carvão. O preço do MWh atingiu, aproximadamente, R$ 280,00. Preços dessa ordem acenam para uma participação mais efetiva da biomassa na composição da matriz energética nacional.
As novas regulamentações se mostram mais adequadas que as anteriormente adotadas, porém uma solução categórica ainda não se materializou. A equiparação da energia da biomassa à do gás natural e à do carvão desconsidera indicadores qualificativos de energia limpa, renovável e distribuída. A bioeletricidade, por esses predicados, deveria ser considerada de extrema relevância na matriz energética brasileira. Esse novo cenário ainda não viabiliza os projetos que consideram exclusivamente a queima do bagaço, pois a grande maioria das usinas se constituem de parques industriais estabelecidos, que já exploram parte do potencial de geração de excedentes de energia elétrica.
Novos projetos focados na modernização dos equipamentos de geração a vapor e energia elétrica (retrofit), com utilização exclusiva do bagaço como fonte primária, apesar de gerarem quantidades significativas de energia, não atingem escala que os tornem viáveis. Entretanto esses projetos podem atingir escala que os tornem viáveis se houver complementação do bagaço com outras fontes primárias. A mecanização da colheita da cana-de-açúcar disponibiliza considerável quantidade de biomassa, através da palha.
Nesse sentido, recolher a palha e direcioná-la para a queima nas caldeiras, como fonte primária complementar, torna-se estratégico, pois certamente resulta em acréscimo da capacidade de geração das plantas anteriormente concebidas. Essa nova estratégia – utilização da palha – derivará em sistemas de geração de vapor e conversão de energia, com equipamentos de maior porte, dentro de um fator de escala que contribuirá para tornar o projeto, como um todo, viável.
Algumas experiências, já em escala industrial, mostram o recolhimento da palha como atividade factível de ser direcionada para geração de excedentes de energia elétrica. Estima-se, de forma preliminar, a possibilidade de aproveitamento de cerca de 70 kg de palha (base seca) por tonelada de cana colhida.
Observa-se que a palha somente é recolhida decorrido um período de 10 dias após colheita (base seca). Nessas condições, além de não ocorrer a presença de cloro, componente altamente danoso à caldeira, que se faz presente na palha verde, o PCI da palha é cerca de 80% maior que o do bagaço.
Para efeito de análise preliminar, avalia-se uma planta industrial com capacidade de moagem de 700 t de cana por hora, que, no contexto atual, gera, ao todo, cerca de 300 t de vapor por hora, das quais 200 t na pressão de 66 bar, e o restante na pressão de 22 bar. A geração total de excedentes de energia elétrica é da ordem de 86 GWh, e as sobras de bagaço são estimadas em 137.000 t/safra. Um projeto para essa planta que contemple exclusivamente a queima do bagaço preconizaria a instalação de uma caldeira nova com capacidade de 150 t de vapor por hora/66 bar, bem como dois novos turbogeradores, um de contrapressão (15 MW) e outro de condensação (16 MW).
Os excedentes de energia elétrica passariam de 86 para 185 GWh. Nessa planta, em que a moenda já é acionada por motores elétricos, o investimento total seria de aproximadamente R$ 130,00 MM, e a receita adicional decorrente da venda de energia (R$ 280,00/MWh) seria de R$ 27,50 MM. Numa segunda análise, considerando o recolhimento de 40 t de palha por hora, após secagem no campo por um período de 10 dias, os resultados do projeto se incrementam consideravelmente. O gráfico ilustra o comportamento da produção de vapor da planta em função do recolhimento de palha.
Observa-se que a complementação do bagaço com o recolhimento de 40 t de palha por hora eleva a capacidade da caldeira, anteriormente prevista, de 150 para 320 t de vapor por hora/66 bar. O gráfico também mostra que a variação da pressão de 66 para 100 bar resulta em pequeno decréscimo da produção de vapor (aproximadamente 2%). Assim, o sistema de geração de vapor e conversão de energia, além da caldeira com capacidade de 320 t de vapor por hora/66 bar, envolveria a instalação de dois novos turbogeradores, um de contrapressão (15 MW) e outro de condensação (56 MW).
A geração de excedentes de energia elétrica passa de 86 para 349 GWh. O investimento total na planta considerada, cuja moenda já é acionada por motores elétricos e incluindo os custos de SE Elevadora de 138 kV, é estimado em R$ 185,00 MM, e a receita adicional decorrente da venda de energia (R$ 280,00/MWh) seria de R$ 74,00 MM.
Caso o sistema venha a operar a pressão de 100 bar ao invés de 66 bar, o investimento aumentaria para o valor de R$ 215,00 MM, e a receita prevista passaria de R$ 74,00 MM para R$ 80,00 MM. Em síntese:
Numa safra cuja moagem total atingisse 600.000 mil t de cana, o recolhimento médio de 70 kg de palha por t de cana moída teria potencial para uma geração de energia elétrica da ordem de 42.000.000 MWh, o que equivale a um fluxo de energia, no período de safra, da ordem de 9 GW, cerca de 65% da hidroelétrica de Itaipu. Esses dados evidenciam os benefícios associados ao fator de escala que se faz presente nos projetos que incluem a palha como fonte primária adicional ao bagaço. Também ressaltam que há grande potencial associado ao recolhimento da palha, a ser explorado pelo setor sucroenergético.
Evidentemente, os números apresentados têm ainda caráter preliminar. Foram calculados de forma conservadora, pressupondo eficiência de 85% para a caldeira nova e de 80% para a turbina de condensação. Observa-se que ganhos significativos poderiam advir da implementação de novas tecnologias, ainda em fase incipiente na agroindústria da cana-de-açúcar, porém com larga aplicação em outros segmentos industriais e no exterior, como caldeiras de leito fluidizado e plantas de condensação, operando com ciclo de Rankine regenerativo.
As tecnologias associadas à utilização da palha como combustível complementar do bagaço são de pleno domínio dos fabricantes nacionais de equipamentos. Os projetos desenvolvidos dentro desses novos conceitos contribuirão para acrescer a disponibilidade de energia limpa, renovável e distribuída, cuja inserção em nossa matriz energética, além de estratégica, é bastante desejável e necessária.