Presidente da Maubisa, São Paulo
Op-AA-19
Crises fazem parte do mundo dos negócios e da vida em geral. É consenso que nos momentos críticos os mais aptos avançam, deixando os outros na poeira. Estamos agora no bojo de uma crise gigantesca, cujo impacto é comparável somente a de 1929, embora todos concordem que no mundo de hoje há muito mais instrumentos de defesa econômica do que nos anos 30.
Mesmo assim, a crise de 2008 alastra-se para 2009 e, com certeza, produzirá efeitos em 2010. É preciso fazer a leitura correta dos dados econômicos para não tomar decisões equivocadas. Em situações confusas como a atual, é grande o risco de tomar o caminho errado e ficar para trás. Este ano, repetindo o que aconteceu nos últimos seis ou sete anos, teremos um recorde de produção de cana, de açúcar e de álcool, mas em 2010, devido a uma estabilização conjuntural da área plantada de cana, chegaremos ao fim do ciclo de recordes produtivos no setor sucroalcooleiro.
Eis aí o primeiro e grande benefício dessa crise mundial. Quem sabe o setor aprenda que é melhor raciocinar em torno de rendimentos e não de volumes. De que adianta bater recordes de produção, se no final das contas os recordistas veem-se em apuros para pagar fornecedores? É difícil ler na chuva ou no vento, mas vale a pena refletir um pouco sobre tempestades passadas.
Em 1999, o setor sucroalcooleiro sofreu uma crise setorial, provocada pela superprodução de cana e derivados. Muitas usinas apertaram-se, gerando oportunidades que, em tempos normais, não eram visíveis ou pareceriam inviáveis. Lembro de um episódio que me envolveu diretamente, quase à minha revelia, em Sertãozinho, tal o poder das crises, sejam locais ou globais.
Naquele momento de sufoco para muitas usinas superestocadas, um banco assumiu a liderança da fusão da Usina São Geraldo com a Usina Santa Elisa. Com esse lance ocorrido nos primórdios do processo de globalização do mercado do etanol, o Bradesco tornou-se usineiro, mas não conseguiu levar adiante seu ambicioso plano de aprofundar a concentração no setor sucroalcooleiro do nordeste paulista.
Nos anos seguintes, enquanto a dinâmica do mercado produzia novas incorporações no setor, inclusive com a entrada de investidores estrangeiros, o Bradesco abriu mão de sua participação acionária na Santa Elisa, voltando a ficar exclusivamente na prestação de serviços bancários. Poucas parcerias banco-usina teriam sido tão produtivas quanto esta.
O que me anima a ir um pouco adiante: se há uma década, durante uma crise setorial, houve uma boa oportunidade de negócio para um banco e duas usinas, muito maior é a chance de surgirem boas jogadas durante a atual turbulência econômico-financeira. Antes da crise financeira mundial, estava em andamento um processo de atração de investimentos externos em novos projetos de produção de etanol, principalmente no Centro-Oeste brasileiro.
Com a crise, houve um refluxo desses capitais, que deixaram alguns investidores nacionais sem recursos para concluir projetos no tempo previsto. Aí está uma das oportunidades para o setor financeiro, seja como agente financeiro, seja como investidor de capital. Os bancos podem ainda contribuir para que grandes ou médios grupos sucroalcooleiros superem dificuldades transitórias de capital de giro.
Algumas usinas foram colhidas pela crise em plena expansão. Diversos projetos foram protelados, mas os fundamentos do setor sucroalcooleiro não deixaram de ser positivos. O açúcar vai bem no mercado internacional, o câmbio está favorável e o consumo de etanol no mercado interno está em quase dois bilhões de litros por mês, o que quase não deixa sobras para exportações.
Na realidade, a crise chegou antes de 2008 para o setor canavieiro, que vinha apostando mais na expansão produtiva do que na rentabilidade. A convivência com o vermelho nos últimos anos talvez ensine, definitivamente, aos fabricantes de açúcar e álcool qual a verdadeira medida da eficiência econômica. A crise vai ajudar o setor a zerar as contas, trocando o vermelho para o azul.
Além de ter contratos nacionais e internacionais de vendas, todos os grupos produtores de açúcar e álcool possuem ativos para garantir empréstimos ou justificar aportes de capital de terceiros. Se o setor financeiro não tiver coragem de investir no setor mais antigo da economia e que é, também, ao mesmo tempo, um dos mais promissores à luz do Protocolo de Kyoto, é o caso de se pensar que existe alguma coisa errada. Se o erro não estiver no setor sucroalcooleiro, talvez esteja no setor financeiro.
As exigências bancárias transcendem qualquer racionalidade. A postura defensiva dos grupos capitalizados, especialmente dos bancos, vem acelerando de forma preocupante a deterioração da conjuntura econômica, haja vista o que acontece no mercado de trabalho. De 200 mil novas carteiras assinadas por mês no Brasil, antes da eclosão da crise, tivemos 650 mil desligamentos, somente em dezembro passado. Se no mercado legal ficou assim, como não estarão as coisas no setor informal de mão-de-obra?
Nesse e em outros casos, é melhor prevenir do que remediar, diz o consenso. Com a ressalva de que é mais caro consertar do que fazer a manutenção no tempo certo. Infelizmente, depois do episódio exemplar em que a Inglaterra assumiu a liderança das ações governamentais, socorrendo os bancos atingidos pelo tsunami financeiro, o mundo limitou-se a contabilizar os prejuízos.
É preciso arregaçar as mangas antes que fique tarde demais. De braços cruzados, não iremos longe. A eleição de Barack Obama para a presidência dos EUA em 4 de novembro e sua posse em 20 de janeiro foram os melhores sinais de que é possível recolocar a casa em ordem. Passado o momento da perplexidade, chegou a hora da ação.
Não resta dúvida de que a agroindústria canavieira está dando uma resposta positiva à essa crise de origem especulativa e que entrou no Brasil por meio das instituições financeiras. O setor sucroalcooleiro mobiliza 300 diferentes segmentos da economia brasileira. O setor só alcançou tal dimensão, porque nunca teve medo de encarar desafios.
Vale lembrar que muitos usineiros são temerários na sua ousadia. Sem voltar muito no tempo, lembro a aventura do Proálcool, a primeira resposta brasileira ao encarecimento do petróleo, nos anos 70. Todo mundo investiu naquela empreitada que bem ou mal transformou o etanol de cana no combustível renovável mais competitivo do mundo.
Olhando para trás, vemos que o Proálcool foi um sucesso nacional pontilhado de reveses localizados. Um dos segmentos que mais sofreu foi o de bens de capital, atingido por uma crise que não se restringiu à indústria sucroalcooleira. Por coincidência, coube a mim ser um dos protagonistas da fusão da Dedini com a Zanini, as duas maiores fornecedoras de equipamentos para a agroindústria canavieira.
A criação da DZ foi um dos episódios mais dramáticos da história econômica de Sertãozinho - de Piracicaba, nem tanto, mas o importante, no caso, é que soubemos fazer a fusão para sair da crise e, anos depois, soubemos fazer a cisão, reconstruindo as bases de uma competição exemplar no mercado de equipamentos para a fabricação de açúcar e álcool. Para finalizar, eu diria que não é hora de se encolher. Não mesmo.