O Brasil está na vanguarda da transição energética com o programa “Combustível do Futuro”, uma iniciativa que visa enfrentar os desafios da mudança climática e acelerar o desenvolvimento de biocombustíveis. O país, com sua vasta experiência na produção de etanol a partir da cana-de-açúcar, agora se posiciona estrategicamente para liderar o movimento global em direção a um futuro mais sustentável.
O uso de biocombustíveis não só reduz as emissões de carbono no transporte, mas também impulsiona a economia, gera empregos e fortalece a segurança energética. Esse momento marca um divisor de águas, ao posicionar o Brasil como um dos principais atores no cenário internacional de combustíveis limpos e renováveis.
A expansão dos biocombustíveis e a diversificação industrial:
O fortalecimento do setor de biocombustíveis exige a criação de um ambiente favorável para expandir a participação desses produtos no mercado energético brasileiro. Novos produtos como biogás, biometano, etanol de segunda geração, combustíveis sustentáveis para aviação e navegação abrem horizontes para ganhos de escala e eficiência. Para isso, é fundamental que haja um aumento nos investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D).
Mesmo dentro das tecnologias de primeira geração, ainda existem inúmeras oportunidades de inovação. Embora a diversificação de matérias-primas, como o milho, e a produção de co-produtos de alto valor agregado, como bioinsumos e leveduras, sejam fundamentais, as tecnologias de primeira geração estão passando por uma revolução impulsionada pela biotecnologia e pela digitalização.
Biotecnologia: a chave para inovações na seleção de leveduras:
A biotecnologia está no centro das inovações que prometem transformar a indústria bioenergética. A aplicação de técnicas avançadas de seleção de leveduras é um exemplo claro disso. Leveduras geneticamente modificadas para suportar melhor os estresses do processo de produção de etanol são desenvolvidas utilizando mutagênese induzida, fusão de esferoplastos, cruzamentos entre cepas e engenharia genética. Essas inovações têm resultado em fermentações mais estáveis e maiores rendimentos, mesmo em condições adversas.
Novas leveduras, capazes de produzir compostos como ácido succínico, têm demonstrado potencial para reduzir contaminações bacterianas. Além disso, o uso da engenharia genética para desativar genes responsáveis por inibidores vegetais aumenta significativamente a competitividade das leveduras em relação aos contaminantes. A capacidade de dominar e manter leveduras até o final da safra é um grande passo rumo à excelência operacional.
Digitalização: o motor da eficiência operacional:
A digitalização na indústria não é apenas uma tendência, mas uma necessidade. Dados são gerados em grande volume e velocidade, e o desafio está em como coletar, processar e utilizá-los de maneira eficiente. Sensores avançados e sistemas inteligentes são essenciais para o controle e otimização de processos, fornecendo uma base sólida para a tomada de decisões rápidas e assertivas. A digitalização tem o potencial de reduzir perdas e garantir a qualidade dos produtos, elevando o padrão de eficiência das usinas.
Uma das ferramentas mais promissoras dentro desse cenário é a tecnologia de espectroscopia no infravermelho próximo (NIR), que permite medições não invasivas em tempo real. Essa tecnologia traz uma nova perspectiva para o controle de qualidade e otimização dos processos industriais.
NIR: transformando as operações industriais:
A implementação da tecnologia NIR nas usinas de açúcar e etanol é um marco para a indústria. O NIR permite análises em tempo real da composição química de amostras, tornando os processos mais ágeis e precisos. No entanto, para garantir que o sistema NIR funcione com máxima eficácia, é essencial seguir três pilares: calibração, validação e monitoramento contínuo.
A calibração é o primeiro passo crucial, pois envolve a criação de modelos precisos baseados em um conjunto de amostras representativas, analisadas por métodos de referência confiáveis. Uma vez calibrado, o sistema precisa ser validado para assegurar que os modelos sejam robustos e suas previsões sejam precisas, utilizando parâmetros como erro médio quadrático (RMSE) e coeficiente de correlação (R²). O monitoramento contínuo é necessário para ajustar os modelos a variações que possam ocorrer com o tempo, garantindo que as predições permaneçam confiáveis.
Aplicações do NIR na usina: do campo ao produto final
Uma aplicação prática do NIR que tem revolucionado a produção é o monitoramento da esteira de cana. Tradicionalmente, o aumento da moagem nas usinas reduzia a frequência das amostragens, gerando lacunas no controle de qualidade. Com a instalação do NIR na moenda, é possível analisar 100% das cargas de cana de forma automática e não invasiva. Além disso, a integração com sensores via satélite permite rastrear a origem da cana e enviar os dados em tempo real para o laboratório. Isso assegura uma maior representatividade das amostras e um controle preciso da qualidade do ATR, tornando o NIR uma ferramenta valiosa para análises online.
Na produção de açúcar, o NIR também desempenha um papel crucial. Implementado tanto no laboratório quanto na linha de produção, o sistema monitora continuamente parâmetros como a cor do açúcar, garantindo que os desvios sejam detectados e corrigidos de imediato. Essa automação traz maior eficiência ao processo, eliminando a dependência exclusiva de análises laboratoriais e permitindo ajustes em tempo real, o que reflete diretamente na qualidade do produto final.
NIR e IA no monitoramento de fermentações:
No contexto das fermentações alcoólicas, o NIR tem demonstrado ser uma ferramenta poderosa, principalmente em conjunto com a inteligência artificial (IA). O projeto financiado pela FINEP e liderado pela Fermentec explora a aplicação do NIR no monitoramento em tempo real das fermentações, com foco na redução de vinhaça e aumento da produtividade.
Simulações indicam que o controle adequado da alimentação pode reduzir a temperatura da fermentação e otimizar a produção de etanol. Além disso, o uso de redes neurais artificiais tem-se mostrado eficaz para prever o término da fermentação com até 99% de acurácia. Reduzir uma hora no tempo de fermentação pode resultar em até 10% de aumento na produtividade das plantas, reforçando a importância da integração entre NIR e IA no contexto da Usina 4.0.
O papel das pessoas na revolução tecnológica:
Embora as tecnologias NIR e IA estejam transformando o setor, o verdadeiro diferencial ainda reside nas pessoas. A tecnologia, por mais avançada que seja, precisa ser operada por equipes capacitadas e comprometidas. O sucesso de qualquer inovação depende da habilidade e dedicação dos profissionais envolvidos. Capacitar os colaboradores para entender, operar e otimizar essas ferramentas é essencial para transformar o potencial tecnológico em resultados concretos.
O futuro da indústria bioenergética está nas mãos de quem tem a coragem de inovar. O setor já provou sua capacidade de adaptação e liderança e agora, com o apoio de tecnologias inovadoras e o talento humano, tem o potencial de atingir novos patamares de excelência operacional e sustentabilidade.