Veículos híbridos flex são o caminho natural para o Brasil na transição energética. Essa afirmação pode ser ancorada em quatro principais fatores: o País é o segundo maior produtor de biocombustíveis do mundo, produzir baterias de carros elétricos tem elevado impacto ambiental, híbridos são mais eficientes em consumo e a infraestrutura de “recarga” está pronta. Esses fatores, somados, fazem com que eles tenham emissões de carbono menores do que os puramente elétricos de porte similar, mesmo numa matriz elétrica considerada “limpa” como a do Brasil.
De 2017 a 2021, a produção média de etanol no Brasil foi de 31,9 bilhões de litros anuais (anidro mais hidratado), valor 32% maior do que a produção de gasolina A no País. A força do etanol está refletida na maior frota de carros flex fuel do mundo. A indústria brasileira sucroalcooleira tem fundamental importância na geração de emprego, renda, tecnologia e na redução das emissões de gases de efeito estufa. Não é algo que se possa desprezar.
A análise comparativa do ciclo de vida de um veículo híbrido movido a etanol brasileiro com um puramente elétrico, do berço à roda, demonstra que um carro com rendimento de 12 km/L com etanol já emite menos gases de efeito estufa do que um carro elétrico cuja bateria dure 200.000 km no Brasil. As emissões dos elétricos ocorrem em maior monta na fabricação da bateria e na recarga deles na rede elétrica, conforme a figura em destaque.
Uma bateria de 60 kWh de capacidade pesa perto de 400 kg, contendo dezenas de quilogramas de lítio, níquel, cobalto, cobre, alumínio, entre outras substâncias. A mineração e a transformação desses metais exigem muito do meio ambiente nas emissões de carbono e na geração de rejeitos (vale lembrar que o Brasil teve experiências traumáticas recentes, em Mariana e Brumadinho). E, quanto maior a bateria de um veículo elétrico, maiores os impactos ambientais associados.
Adicionalmente, ao se “plugar” um veículo elétrico na tomada para recarga, tem-se as emissões indiretas de carbono, associadas à produção de energia elétrica e às perdas que ocorrem na transmissão, distribuição e recarga. Embora se observe um crescimento significativo das fontes eólica e solar no Brasil, nos últimos anos, o despacho de usinas termoelétricas movidas a carvão, óleo e gás tem igualmente aumentado. Na margem, se, para cada carro elétrico que entra na rede, for necessário despachar uma fonte fóssil, o cenário fica ainda pior para o veículo elétrico do que o apresentado na figura em destaque.
Como contraponto, é comum que se argumente: “se eu utilizar energia solar pra recarregar meu carro elétrico, esse problema está resolvido”. De fato, utilizar painéis fotovoltaicos é uma saída, mas não diminui o problema do tamanho e da poluição das baterias. Além disso, a fabricação dos painéis solares e periféricos associados vai exigir energia e emitir carbono. Então, a conta não é tão simples.
Vale lembrar que o etanol é também indiretamente “recarregado pelo sol”. As plantas, em processos bioquímicos incríveis, captam sol e armazenam carbono da atmosfera através da fotossíntese. É esse carbono armazenado que mais tarde vira etanol (e bioeletricidade gerada pela queima do bagaço). Em última análise, ao encher o tanque do carro com etanol, se está fazendo a recarga indireta dele com energia solar.
Pode-se dizer que o etanol é também uma espécie de “bateria”, cuja recarga completa do tanque não leva mais de 5 minutos, com a vantagem de ser facilmente armazenável.
Comparativamente, uma bateria de lítio de 400 kg gera uma autonomia máxima de 380 km para um veículo elétrico. Com 40 kg de etanol, ou seja, 10% da massa de uma bateria de lítio, é possível rodar, no mínimo, a mesma quilometragem que o carro elétrico. Um veículo híbrido de alta eficiência movido a etanol pode facilmente rodar 700 km com 40 kg de combustível. Maior autonomia, facilidade de reabastecimento e menor peso sendo transportado.
Veículos híbridos possuem baterias pequenas, até dez vezes menores, em massa, do que os puramente elétricos mais tradicionais. Os mercados norte-americano, europeu e asiático já usufruem de veículos híbridos que fazem mais do que 25 km/L com gasolina. O ganho de rendimento compensa as emissões de carbono associadas à bateria que o híbrido carrega. Um veículo assim rodando com etanol garantiria economia aos motoristas e emissões de carbono ainda menores.
Como vantagem adicional, os híbridos flex não exigiriam investimentos maciços em infraestrutura de recarga, uma vez que a rede de abastecimento já existe. Construir pontos de recarga e aumentar a oferta de energia elétrica fatalmente aumentarão as emissões de carbono.
A transição “à brasileira”
A transição energética exige aumento da eficiência no uso da energia e fontes alternativas ao fóssil. Veículos híbridos movidos a biocombustíveis contemplam as duas coisas, com menor pegada de carbono em comparação ao ciclo de vida dos veículos puramente elétricos, confirmada por dados científicos.
Não parece plausível que o Brasil adote uma eletrificação da frota nos mesmos moldes da Ásia ou Europa, dadas a vocação e a disponibilidade para a produção de biocombustíveis. O caminho natural para o País é aproveitar a sinergia dos bioenergéticos com a eficiência dos sistemas elétricos, a um custo incrivelmente acessível e com infraestrutura pronta.
Com etanol de primeira e segunda geração, integração do milho-safrinha, biometano veicular e veículos híbridos de alta eficiência, o Brasil já seria capaz de se tornar autossuficiente em combustíveis do ciclo Otto, com baixíssima pegada de carbono. Há ainda biocombustíveis sintéticos e células de hidrogênio que utilizam biocombustíveis, que estão em fase de desenvolvimento, que podem ampliar a gama de rotas tecnológicas nesse sentido.
O Brasil já possui uma indústria competitiva de biocombustíveis, geradora de empregos, renda, desenvolvimento científico e tecnológico. Tudo feito com total respeito ao meio ambiente.
Um país que já é destaque em transição energética não pode renunciar àquilo que tem de melhor. Que venham logo os híbridos flex.