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Walter Batista Junior

Meteorologia agrícola e Assessor técnico da AGERH – Agência Estadual de Recursos Hídricos do Espírito Santo

OpAA84

O agronegócio é o mais impactado pelas mudanças climáticas e a adaptação é o caminho
Segundo estudo publicado em outubro de 2021, pela Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, em que foram analisados 88.125 artigos, mais de 99% da literatura científica publicada entre 2012 e 2020 reconhece a influência da ação humana na atual crise climática. Desse total, apenas 28 artigos questionavam a influência da ação humana nos fenômenos climáticos contemporâneos, atribuindo-os a “ciclos naturais”.
 
Embora a maioria dos brasileiros reconheça a existência das mudanças climáticas e sua origem antropogênica, há uma divisão significativa quanto à gravidade de seus efeitos. Um estudo da Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV RI) revelou que 44% dos entrevistados expressam ceticismo em relação à severidade da crise climática. Para o estudo, essa descrença não está necessariamente ligada a fatores políticos ou ideológicos, mas sim ao grau de individualismo dos cidadãos, medido pela desconfiança na capacidade do Estado em oferecer soluções para problemas coletivos. 

No Brasil, o setor econômico mais cético em relação às mudanças climáticas costuma ser o agronegócio, especialmente nos segmentos ligados à pecuária, ao cultivo de café, soja, milho e cana-de-açúcar. 

Algumas razões para esse ceticismo incluem:
1. Impactos econômicos das regulamentações ambientais: Muitos produtores veem políticas climáticas como um risco à competitividade e lucratividade, devido a possíveis restrições no uso da terra, taxação de carbono e exigências de desmatamento zero;

2. Pressão externa e conflitos comerciais: A pressão de mercados internacionais por sustentabilidade gera resistência em parte do setor, que vê essas exigências como barreiras protecionistas disfarçadas de preocupações ambientais;

3. Influência de setores conservadores: Algumas lideranças do agronegócio adotam discursos minimizando a relação entre mudanças climáticas e atividades humanas, priorizando a visão de que fatores naturais são os principais responsáveis pelas variações climáticas.

Apesar disso, há também empresários e organizações do agronegócio que reconhecem os impactos das mudanças climáticas na produção agrícola e investem em práticas mais sustentáveis, como agricultura regenerativa e redução do desmatamento.

Com participação de 22% do Produto Interno Bruto - PIB, em 2024, o agronegócio brasileiro é um dos pilares de nossa economia, empregando, de forma direta ou indireta, mais de 30 milhões de pessoas no país e respondendo por aproximadamente 50% das exportações brasileiras.

Por mais que algumas vozes digam o contrário, o agronegócio brasileiro é o setor mais intimamente ligado à temática das mudanças climáticas seja através de sua contribuição com o aumento das emissões de gases de efeito estufa, causadas principalmente pela mudança do uso de terra, desmatamentos, queimadas e pelo escoamento rodoviário de seus produtos, seja por sua profunda susceptibilidade aos impactos dos eventos extremos climáticos (tempestades, secas, ondas de calor) e?ou pela crescente diminuição da disponibilidade de recursos hídricos.

Um recente estudo lançado pela Aliança Brasileira pela Cultura Oceânica, coordenado pela Unifesp – Universidade Federal de São Paulo, pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e pela Unesco, com apoio da Fundação Grupo Boticário, revela que houve um aumento de 250% no número de desastres climáticos no Brasil no período de 2020 a 2023, em comparação com a década de 1990. Segundo dados deste estudo, se durante a década de 1990 foram registrados 725 eventos por ano, nos períodos de 2000 a 2009 foram 1.892 registros, e de 2010 a 2019 foram 2.254 registros. A partir de 2020, a média chegou ao patamar de 4.077 registros anuais. 

Nos 32 anos analisados pelos pesquisadores, foram registrados 64.280 desastres climáticos em 5.117 municípios brasileiros, representando 92% dos municípios do país. As principais ocorrências foram secas (50% dos registros), seguidas por inundações, enxurradas e enchentes (27%) e tempestades (19%). 

Muito em função da ocorrência simultânea de eventos extremos climáticos, no ano de 2024 a participação do agronegócio no PIB teve uma queda de 3,2% em relação a 2023. De acordo com a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), o agronegócio sofreu um prejuízo de R$ 6,67 bilhões, sendo que as principais perdas foram de R$ 5,41 bilhões no Rio Grande do Sul, em função das enchentes, e R$ 1,1 bilhão na região Norte, em função das secas.

Como observado anteriormente, há uma tendência de aumento no número e intensidade de desastres climáticos, os quais, se nada for feito, aumentarão os prejuízos estruturais e econômicos, para o agronegócio brasileiro. A seguir, são sugeridas algumas estratégias técnicas, que podem ajudar no processo de adaptação, entre elas:
• Diversificar sistemas de produção: em vez de focar a produção apenas em um tipo (lavoura ou pecuária ou floresta), os sistemas integrados combinam esses tipos em uma de quatro possibilidades: lavoura e pecuária (iLP), lavoura e floresta (iLF), pecuária e floresta (iPF) ou as três opções juntas (iLPF);
• Cultivares mais resistentes: plantas mais tolerantes a secas e?ou altas temperaturas e pragas;
• Criação de animais adaptados ao calor e à umidade: aumentar a população de animais com melhores índices de produtividade, quando submetidos a estresses hídricos e de temperatura;
• Práticas de conservação do solo: recuperação de pastagens degradadas, rotação de culturas, plantio direto, cobertura do solo;
• Práticas de conservação de água: práticas que favoreçam a infiltração das águas de chuva no solo, como as barraginhas e caixas secas;
• Gestão eficiente da água: irrigação por gotejamento, uso de sensores e drones para otimizar o uso de água e fertilizantes;
• Avaliações de risco e sistemas de alerta preventivo: analisar a vulnerabilidade de regiões e sistemas produtivos, antecipando as respostas aos eventos climáticos.

Em um mundo com rápido crescimento populacional, podendo chegar a mais de 9 bilhões de pessoas em 2050, a garantia de manutenção das cadeias produtivas e de logística é fundamental para manter essa população saudável. Mas, para que isso seja possível, o meio ambiente precisa ser preservado. 

Essa não é uma visão romântica ou ideológica, e sim estratégica: sem a disponibilidade de água e solo, o agronegócio brasileiro deixa de ser competitivo e, caso não proteja florestas e mananciais hídricos, perderemos os serviços ambientais que esses ecossistemas nos fornecem de graça.

Este não é o momento de negar o óbvio: as mudanças climáticas são uma realidade, e seus impactos já estão sendo bem sentidos. A ação humana neste processo é clara e há urgência em recorrer mais uma vez ao trinômio “Pesquisa, Ensino e Extensão”, visto que foram a Embrapa, as Ematers e as Universidades públicas que ajudaram o agronegócio brasileiro a se tornar vanguarda mundial na produção de alimento, vestimentas e energia.