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Antonio Vicente Golfeto

Diretor Técnico do Instituto de Economia da ACI-RP

Op-AA-42

O governo, as instituições e o povo

Os gregos chamam a dor de algis. Analgésico, assim, é o medicamento que tira dor. Ela pode ser de agonia – que prenuncia a morte –, mas pode ser dor de vida. É a dor do parto. Nós distinguimos –  até com relativa facilidade – as duas dores, tanto a de vida quanto a de morte. Mas, como de país e de nação, elas também existem. E carecem de ser decifradas.

Na numerologia – que os gregos chamam de “aritmologia” –, elas seriam um algarismo, um número, uma cifra. E, como toda cifra, carece – para ser entendida – de ser decifrada. Decifrar, assim – em termo literais –, é entender o que os números escondem. O que há por trás deles. Os judeus chamam esse exercício intelectual de cabala. Que pode ser agrupada em dois blocos.

São eles: a cabala das palavras – porque as palavras têm alma –  e a cabala dos números. Pedro, numa conversa com Jesus, indagou-lhe: “mestre, quantas vezes devo perdoar meu irmão. Até sete vezes?” E Jesus lhe respondeu: “não lhe digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete”. Então – como consequência –, temos que perdoar nosso irmão quatrocentos e noventa vezes? Afinal, o que são setenta vezes sete – ensina-nos a aritmética – senão quatrocentos e noventa? Nada disso.

Na cabala judaica dos números, setenta vezes sete quer dizer sempre. Retomando o assunto. O Brasil está padecendo, há algum tempo, de fortes dores. Que nós identificamos como dores que indicam a vida e não dores que prenunciam a morte. Ou melhor: essas dores prenunciam a vida, mas podem também – passado o tempo – levar à morte. Acontece que a nação brasileira está grávida de uma nova era.

E, se não der à luz essa nova era, o funeral de nossos sonhos poderá levar – e fatalmente levará – ao funeral do próprio futuro dos nacionais. E da nação, automaticamente. É que o Brasil padece de um capitalismo de Estado que – convenhamos – já deu o que tinha que dar. Está no passado – na nossa história –, mas insiste em se manter no presente. O tempo desse regime já passou.

E o País está grávido de um capitalismo de mercado. Assim como a espécie humana espera nove meses, e os elefantes esperam qualquer coisa como dois anos, um país – perguntamos – espera quanto tempo? Uma década? Estamos esperando os novos tempos – o advento do capitalismo de mercado – há mais de dez anos. Os sonhos de desenvolvimento integral – nesses tempos embutido – já estão correndo sério risco de morrer antes de nascerem e de se transformarem em realidade.

O que está – afinal de contas – acontecendo? Precisamos de um parteiro que, como um estadista, faça o País adentrar rapidamente à nova era. É a era do capitalismo de mercado a que nos referimos. O capitalismo de Estado começou a ser construído no início do século XIX – ainda sob o governo de dom João VI –, no tempo do Brasil colônia.

Nesse regime – que se estica até os dias de hoje –, preponderam as empresas estatais e as repartições públicas, como dominaram ao longo de toda história do Brasil, pontificando principalmente no Estado Novo de Getúlio Vargas e no regime militar, de 1964 a 1985. O setor privado situa-se bem abaixo do setor estatal na hierarquia do respeito nacional.

Como nós vemos também que o contribuinte – uma das três faces do cidadão – é, na verdade, servo do contribuído. Isso tudo da mesma maneira como vemos que a nação se submete ao poder estatal. Nós também vemos que as empresas estatais – território do poder público – situam-se acima do setor privado em relação à sociedade. No capitalismo de mercado, a empresa privada – de todos os tamanhos, da micro às grandes – ocupará o espaço e o lugar, atualmente, ocupados indevidamente pelas repartições públicas.

Pode-se ver essa preferência da sociedade por meio do ideal da juventude. Ela quer sempre encostar o corpo numa repartipação estatal, num emprego público, exatamente para poder ter os privilégios que – inseridos na constituição – formam o elenco de itens chamados impropriamente de direitos adquiridos, porque impedem a implantação de uma verdadeira democracia.

Afinal, democracia é eliminação de privilégios em virtude da implantação da igualdade de direitos e de deveres. É sempre bom lembrar que não pode haver direitos adquiridos contra a nação. Estadista nunca é aquele que vê mais. Estadista é sempre aquele que vê antes. E antes é tudo aquilo que – até os dias de hoje – nós não conseguimos produzir. Além de ver antes – e colocar seu povo no rumo do futuro, que começa sempre no presente –, o estadista é o parteiro que faz o novo regime nascer.

E não morrer por falta de cesariana. Falamos muito de democracia e pouco de República. A primeira – a democracia – é implantada na medida em que, cirurgicamente, são extintos os privilégios que são incorporados em nosso ordenamento jurídico, a começar pela tradição lusitana. Esses privilégios estão, portanto, em nosso DNA e fazem parte de nossa cultura.

O País precisa – com o estadista que ainda não chegou – construir o futuro democrático mirando a igualdade, a começar pela de oportunidades. Já a República – que, a bem da verdade, dela nós não falamos até por medo – é, ao mesmo tempo, coisa pública e coisa publicada. Ela lembra transparência, janela pela qual se pode ver se estamos tendo um setor estatal ou um setor público.

Público é do povo. Que o setor estatal não é. Ele é do funcionalismo civil e militar – aquele, filho deste –, que faz do Estado algo que apenas consulta seus interesses, jamais os interesses coletivos. O setor estatal brasileiro forma um aglomerado burocrático, completamente divorciado dos interesses da nação. Mercado é o local onde neurônios são transformados em dinheiro. E é esse regime – capitalismo de mercado – que o País precisa começar a construir. E urgentemente. Mercado é feira.

Alias, nós comemoramos o mercado – a feira –  todos os dias, não é mesmo? Hoje, por exemplo, não é sexta-feira? Só os povos de língua portuguesa (Angola, Brasil, Portugal, Moçambique) homenageiam o mercado todos os dias. No dia em que adentrarmos nesse regime – quando o País estiver palmilhando o regime que permite, na competição, instaurar-se a verdadeira meritrocacia –, ninguém segurará o Brasil e muito menos o seu povo.

Gaston Bachelard – escritor francês – tem um notável livro chamado O direito de sonhar. Que, recomendo, seja lido pensando no nosso país. Que nosso povo seja iluminado a fim de que tenhamos um estadista para ser o parteiro que faça nascer esse novo tempo, ou que consigamos construir instituições que são as regras do jogo. Elas possibilitam que o País caminhe, independentemente dos dirigentes que escolheu.

Simón Bolívar e San Martin, já no início da colonização do continente ibero-americano – por influência francesa chamado de latino-americano –, indicavam a necessidade de o país produzir líderes e instituições. Simón Bolívar – daí a origem dos caudilhos – entendia que o continente precisava de líderes fortes. Morreu decepcionado, exclamando, já no fim da vida: “passei minha vida semeando no mar”.  A tarefa – está provado – não é para uma única pessoa.

Já San Martin – mais lúcido – dizia que, quanto mais sólidas fossem as instituições, menos o continente, uma nação de repúblicas, precisaria de homens providenciais, de líderes fortes. Como foi o que fizeram os Estados Unidos da América do Norte, onde as instituições são decisivas. Enquanto não construirmos instituições, vamos dependendo de homens providenciais. Será Dilma ou o sucessor dela – em 2018 –, se a nação não perecer antes.