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Heloisa Borges Bastos Esteves

Diretora de Estudos do Petróleo, Gás e Biocombustíveis da EPE

Op-AA-67

A produção da bioeletricidade a partir do bagaço da cana
O aproveitamento da energia do bagaço da cana-de-açúcar não é novo no Brasil. De fato, ele coincide com a implantação das primeiras usinas de cana-de-açúcar no território brasileiro. Esse insumo residual, que se destinava, originalmente, ao autoconsumo, com o tempo e a evolução da eficiência energética e conhecimento tecnológico, passou a gerar um excedente de energia exportado para o Sistema Interligado Nacional (SIN), o que expandiu a sua importância na matriz energética nacional, fazendo com que a bioeletricidade fosse gerada a partir da cana-de-açúcar.

Com isso, foi observado, no Brasil, um aumento significativo da oferta de bioeletricidade e da eficiência da autoprodução nos últimos 30 anos, fazendo com que, hoje, ela seja a quarta fonte mais importante da matriz elétrica brasileira.
 
A bioeletricidade possui algumas características que a tornam extremamente competitiva no ambiente nacional. Primeiramente, porque a geração térmica é importante para suprir as intermitências das fontes renováveis, e a bioeletricidade tem um custo marginal de produção de energia muito baixo e período de safra complementar ao regime hidrológico (ou seja: a energia da biomassa é produzida justamente em períodos de escassez hidroelétrica).

Ainda, além de ter menor variabilidade de geração (é sazonal, mas não intermitente), essa fonte de energia está situada mais próxima ao consumo e ao centro de carga (o que reduz os custos de transmissão). Além disso, a bioeletricidade reduz as emissões de CO2 (em 2019, a bioeletricidade de cana-de-açúcar contribuiu para a mitigação de 2,8 MtCO2eq).

A composição da matriz energética brasileira, em 2019, apresentou uma parcela expressiva de fontes renováveis, que corresponderam a 82,3% da oferta interna de energia elétrica e 40,9% da produção interna de energia primária, sendo os produtos da cana-de-açúcar responsáveis por 16,2% dessa produção. A participação da energia exportada da cana na matriz elétrica nacional foi de 3,6%, e as usinas sucroenergéticas injetaram no SIN 2,6 GW médios, nesse mesmo ano.
 
Esse resultado é, sem dúvida, fruto de um histórico de políticas públicas de incentivos às fontes renováveis. Mas cumpre também destacar que a reestruturação do setor elétrico nacional, em 2004, com a diversificação da geração elétrica, a adoção de um mercado competitivo descentralizado e a busca pelo uso mais racional da energia (com redução dos impactos ambientais), ampliou a participação da biomassa de cana. 

No ambiente competitivo dos leilões e com a finalidade de estimular e aumentar a competitividade das fontes derivadas da biomassa na matriz elétrica brasileira, o Governo Federal promoveu a criação de mecanismos regulatórios e políticas de incentivo, como os leilões específicos. Assim, em 2008, foi realizado o primeiro leilão de energia de reserva (LER 2008), voltado exclusivamente à biomassa. Foram contratados mais de 590 MW médios, máximo valor registrado, com início de operação programado para os anos de 2009 e 2012. Outro importante impulsionador do crescimento foi o BNDES, através de linhas de financiamentos específicas para a bioeletricidade, cujos desembolsos ultrapassaram R$ 2,5 bilhões entre 2011 e 2019.

Ao longo dos últimos anos, a bioeletricidade tem mantido sua participação relevante na matriz elétrica nacional. Foi observada, nesse período, a migração de parte de sua comercialização do ambiente de contratação regulado (ACR) para o ambiente de contratação livre (ACL) e a liquidação de energia no mercado spot (PLD) com a finalização dos contratos. Cerca de 220 unidades comercializam energia e, aproximadamente, 40% delas o fazem através de leilões.

A energia total contratada no mercado regulado (ACR) atingirá aproximadamente 1 GW médio ao fim de 2025, além do extra certame de 515 MW médios. Incluso no montante contratado no ACR, há a energia do Proinfa, de 278 MW médios, valor que deverá manter-se até 2026.
 
Além das modernizações previstas no setor elétrico, desde o final de 2019, está em vigor a Política Nacional de Biocombustíveis - RenovaBio (Lei nº 13.576/2017), que vai, dentre seus objetivos, fomentar a maior produção e uso de biocombustíveis através de rotas tecnológicas que propiciem menor pegada de carbono em seu ciclo de vida e poderá intensificar o uso dos produtos da cana para fins energéticos, sejam eles as palhas e pontas ou o biogás, além do bagaço. Quanto maior o aproveitamento de resíduos, uma maior quantidade de CBIO pode ser gerada, trazendo recursos adicionais para unidade produtora.
 
O setor sucroenergético tem se eficientizado consideravelmente ao longo dos anos, com a evolução do fator de exportação da bioeletricidade da cana, que relaciona a quantidade de energia exportada para o SIN por tonelada de cana processada na usina. Ele saiu de 8 kW/tc na década de 1980 para 13 kWh/tc, em 2007, atingindo 34 kWh/tc, em 2019 (e o fator médio para as usinas vencedoras dos leilões é de 70 kWh/tc).

Quando olhamos para o futuro, a bioeletricidade já é uma realidade nas projeções energéticas do País. O Plano Decenal de Expansão de Energia 2030 (PDE 2030) apresenta duas projeções para a exportação de bioeletricidade de cana-de-açúcar, considerando o fator das usinas vencedoras de leilões de energia (potencial técnico) e o baseado no histórico. No final do horizonte decenal, esses valores atingem 6,5 GW médios e 4,2 GW médios, respectivamente.

O PDE 2030 estima que a participação dos produtos da cana na matriz energética nacional seja de 17% ao fim do período, mesmo patamar observado em 2019. Contudo a projeção da oferta interna prevê um aumento de 26%, alcançando cerca de 370 Mtep em 2030. Isso significa um acréscimo de, aproximadamente, 20% na oferta de energia de produtos da cana, evidenciando o crescimento cada vez mais expressivo dessa fonte. Considerando o surgimento de novas tecnologias, com elevada eficiência e menores impactos ambientais em seu uso, inclusive cooperando para a mitigação do aquecimento global, a biomassa tem sido aventada como uma das opções mais promissoras para o futuro energético sustentável.

Olhando para o futuro, as perspectivas são extremamente positivas. O ano de 2020 comprovou a resiliência do setor sucroenergético. Mesmo diante do enorme desafio imposto pela pandemia da Covid-19, o setor mostrou, de maneira geral, resultados positivos, o que foi potencializado pelo fato de que as unidades produtivas já vinham se eficientizado ao longo dos anos e buscado o aumento de sinergia entre seus ativos: etanol, açúcar e bioeletricidade. 

O Brasil se destaca mundialmente pela ampla participação de fontes renováveis em sua matriz energética, pelas suas condições edafoclimáticas favoráveis, extensa disponibilidade de terra e estímulos governamentais. Mas parte do sucesso e manutenção da liderança brasileira no cenário internacional nesse quesito passa, sem sombra de dúvida, pelo avanço, cada vez maior, da produção de bioeletricidade a partir da cana-de-açúcar.