Presidente do Sindaçúcar-AL
Op-AA-33
O setor sucroenergético nacional está enfrentando um dos mais delicados momentos desde a introdução, no País, de um programa governamental para produção e consumo de um combustível renovável – álcool combustível, como alternativa ao combustível fóssil, gasolina –, quer seja pelo seu uso soberano como combustível, quer seja pela sua contribuição como aditivo para melhoria das especificações do combustível fóssil.
Já se foram mais de três décadas dessa decisão, e ainda não se encontrou um porto seguro para os produtores e os investidores privados nessa atividade, quando se vislumbra um horizonte de longo prazo e uma rentabilidade usual a ser auferida em regime de livre mercado.
Excluindo-se o período em que o estímulo para a implantação desse extraordinário parque produtivo para produção de álcool combustível, aliada à política de sua disseminação no território nacional, recebia atenção como política pública estável do governo federal e teve seu término completo no ano de 1999, vem se enfrentando uma alternância de ações governamentais pontuais para cada momento econômico do setor, dissociada, portanto, de uma política pública duradoura, que englobe uma regulação adequada com vistas ao abastecimento interno, à política aleatória de fixação dos preços e às assimétricas medidas de apoio financeiro à produção estatal da gasolina, nem sempre correspondido com ações equânimes para a produção privada.
Essa assimetria de políticas públicas destinadas à gasolina e, agora, ao etanol teve momentos de atenuação por fatores unicamente ligados ao expressivo fluxo de capitais externos ao País e ao setor sucroenergético, verificados até meados de 2008, suportados por certa correspondência entre o preço fixado para a gasolina, que projeta o limite de prática do preço para o etanol, o qual permitiu, até 2005, uma esforçada cobertura de custos de produção do etanol.
A partir de então, o sistema privado de produção de cana-de-açúcar destinado à produção de etanol começou a enfrentar uma escalada acelerada de custos de produção, notadamente na aquisição de insumos e na cobertura de custos sociais que se potencializou com a interrupção do fluxo de capitais externos a partir de 2008, esvaziando o fluxo de caixa das empresas e impondo um aumento de juros na sua captação, incompatibilizados com a margem de remuneração vigente.
A herança desse processo de esvaziamento econômico-financeiro pode, nitidamente, ser percebido na redução significativa, por limitação de recursos, das atividades regulares de renovação dos canaviais, na implementação de processos de inovação tecnológica agrícola e industrial e na redução da capacidade de pagamento para obrigações fiscais e financeiras diuturnas.
Tudo isso se acumulando nesse quinquênio de restrições econômicas e financeiras projeta essa atividade para um horizonte de incertezas quanto à sua rentabilidade, quando considerado o universo de produtores genuínos de cana-de-açúcar e transformadores em produção final de açúcar, etanol e energia elétrica e representantes da maioria expressiva da produção nacional, envolvendo quase quatro centenas de unidades industriais e mais de 60 mil produtores independentes de cana-de-açúcar distribuídos em quase todos os estados da federação.
Fica impossível, portanto, desenvolver essa atividade com estabilidade na oferta e com a justa rentabilidade que permita o seu sustento e crescente desenvolvimento, enfrentando, ainda, as naturais variações climáticas e seus reflexos da atividade agrícola e a imposição de um teto exógeno da fixação da remuneração do etanol quando relacionado com a fixação de preços para a gasolina, descasado dos seus preços internacionais, mas submissos à política de controle inflacionário.
Esse modelo em vigor limita ao setor privado de produção alternativa de combustível de submeter-se às regras do livre mercado, cuja aplicação pelo governo federal ao setor foi decidida desde 2000.
Por essas razões, considero que o setor sucroenergético e o governo federal precisam, urgentemente, reencontrar as premissas, os fundamentos e as ações que permitiram um crescimento invejável de produção da última década.
Aí surge o delicado momento mencionado no início de como e em que bases pode haver uma retomada no crescimento desse setor. É necessário um adequado dimensionamento do mercado a ser suprido, no qual a política pública regulatória não venha pressionar descompensadamente a política fiscal restritiva nacional.
Considerando que o setor está encolhendo, dada a realidade vigente, a análise e a fixação de premissas para a retomada do seu crescimento devem levar em consideração o seguinte:
• O extraordinário crescimento de 10% ao ano que o setor apresentou entre 2000 e 2008 não se verificou com base na poupança doméstica das empresas oriunda da margem de contribuição na comercialização final de seus produtos, mas em face de um fluxo externo abundante de recursos na expectativa de apoio ao setor anunciada e de um anseio de que o mundo desenvolvido, sobretudo os Estados Unidos da América, adotariam o etanol em larga escala como combustível alternativo;
• A partir de 2009, com a escassez desses recursos externos em decorrência da crise financeira internacional, associada ao revés climático que se instalou nas duas safras seguintes, verificamos um crescimento médio de 3% ao ano e, a partir de 2011, um decréscimo na produção, cenário em que ficou patente a necessidade imperiosa de acumulação de margem na comercialização de etanol e um esforço adicional na reposição de canaviais deteriorados por sucessivas safras sem o adequado tratamento agrícola, gerando-se, em consequência, uma capacidade ociosa de industrialização;
• Dessa forma, a retomada do crescimento em relação ao patamar atual deve priorizar, inicialmente, a oferta de cana para ocupar essa capacidade já instalada;
• Antes desse esforço de retomada de fluxo financeiro, deve-se implantar, adequadamente, um ambiente econômico que permita a geração de poupança doméstica ou a capacidade de pagamento para essas novas alocações;
• Enquanto não for possível restaurar o processo gerencial de aumento da produtividade e aumento da rentabilidade na produção e na comercialização do etanol, instaurar um mecanismo fiscal/tributário em que a rentabilidade do etanol não seja aviltada quando o governo optar por não remunerar a gasolina em bases mercadológicas;
• Levando em conta que, em regime de livre mercado, podem ocorrer conjunturas de menor preço, faz-se necessário estabelecer mecanismo fiscal regulatório, no qual fique assegurado que a menor remuneração mercadológica do etanol não seja associada a uma perda de mercado pela adoção de mecanismos de estímulos competitivos fiscais para a gasolina;
• Identificar no regime de oferta de etanol por contratos a forma de garantia de oferta para a demanda;
• Assumir, em definitivo, que a formação de estoques reguladores de etanol deve fazer parte de uma política fiscal governamental, caso contrário, ficando sobre o ônus dos agentes privados, esses estoques não serão formados adequadamente, pois se refletem como oneradores para as empresas;
• É importante lembrar, sempre, que a receita externa auferida pela exportação de açúcar funciona como contribuição não governamental para parte da cobertura do ônus na produção e comercialização do etanol.
Por fim, estabelecer um ritmo mais cadenciado para a retomada desse crescimento possibilitará um possível posicionamento empresarial no que respeita a conquista de melhorias de produtividade, inclusive com redução de custos e consequente melhoria da competitividade, além de exigir um esforço fiscal mais coerente com a realidade atual de escassez de fluxos externos de financiamento.