Reinventar significa inventar novamente. Eis o desafio proposto por esta edição da nossa Revista Opiniões: voltar a inventar o setor sucroenergético. Que desafio! Desnecessário repetir as dificuldades enfrentadas pelo setor que nos trouxeram ao presente cenário.
Elas já são por demais conhecidas de todos os que atuam no segmento, em toda a cadeia produtiva – das unidades produtoras aos demais participantes nas áreas de indústria, agricultura e serviços de modo geral, passando por entidades de classe e, finalmente, chegando às três esferas da administração pública (federal, estadual e municipal), abrangendo os poderes executivo e legislativo.
No passado recente, vários esforços foram feitos com vistas à recuperação da atividade econômica do setor, incluindo manifestações populares, gestões junto a órgãos públicos e agentes financeiros, ações de publicidade, dentre outras, mas alento mesmo só surgiu a partir do rearranjo de preços da gasolina e da virada na relação entre consumo (crescente) e estoques (decrescentes) de açúcar no mercado internacional, o que tem permitido certa recuperação de preços dessa commodity.
No entanto, surgem agora novas dúvidas em relação ao futuro: até quando, por exemplo, será possível sustentar preços da gasolina em patamares mais elevados em um cenário, ainda imprevisível, de preços muito baixos do petróleo nos mercados internacionais? Quais serão os impactos das diretrizes da Organização Mundial da Saúde – OMS, quanto aos impactos (alegadamente) maléficos do consumo de açúcar no organismo humano? Qual será o efeito de uma possível desaceleração da economia chinesa em relação ao consumo de açúcar naquele país? O petróleo barato e abundante poderá afetar negativamente os esforços globais em busca de fontes de energia menos poluentes, ambientalmente sustentáveis e, principalmente, renováveis? Teremos condições, no Brasil, de equalizar todas as questões relativas à geração e exportação comercial de energia elétrica a partir da biomassa e que envolvem aspectos técnicos e financeiros, tais como os valores de MW/h a serem comercializados nos leilões, as fontes de financiamento dos empreendimentos, o custeio de linhas de transmissão principais e secundárias?
Como se pode notar, o setor está (e sempre esteve) sujeito a externalidades que, por definição, fogem ao controle das usinas e da cadeia produtiva como um todo. Se esses fatores fogem ao nosso controle direto, como podemos mitigar seus efeitos? Como podemos trazer rentabilidade às operações sucroenergéticas e, consequentemente, às demais operações abrangidas por essa importantíssima atividade econômica como cadeia produtiva? São muitas as respostas, e poucas as certezas.
Estou absolutamente convencido de que esse segmento, como um todo – e entenda-se a expressão “como um todo” como a cadeia produtiva do setor –, precisa articular-se e exercer seu legítimo direito de pressão e de negociações com os governos – especial e principalmente o Governo Federal, em busca de um mínimo de planejamento de curto, médio e longo prazo, especialmente no tocante à produção de etanol e de energia elétrica. Cabe, sim, ao Governo Federal definir um planejamento, em comum acordo com as unidades produtoras, para estabelecer metas claras e estáveis de produção e consumo.
Não é mais possível vivermos em um ambiente econômico no qual, da noite para o dia, deixamos de ser, nas palavras do ex-presidente Lula, uma “Arábia Saudita verde” para sermos o país do pré-sal, porque isso parecia ser mais adequado ao futuro do Brasil – ao menos na opinião dos detentores do poder. Como ficaram os empresários que, acreditando no cenário de expansão do etanol, investiram bilhões em projetos greenfield e ampliações, para atender a uma suposta demanda de etanol dinamitada pela manutenção artificial e equivocada de preços da gasolina?
O setor precisa, também, continuar a investir em informação ao consumidor. É preciso evitar o canto da sereia do petróleo barato, que visa à destruição de fontes concorrentes de energia, e manter a visão estratégica de utilização de combustíveis limpos e renováveis, para que se possam mitigar os efeitos de aquecimento global causados pelos combustíveis fósseis. As mudanças climáticas estão absolutamente visíveis e presentes em todo o planeta; porém precisamos ter a compreensão de que, diante de alternativas mais baratas, o ser humano, na grande maioria dos países, tende a ignorar as questões ambientais e migrar para o produto mais barato para si próprio.
É necessário confrontar as informações da OMS quanto ao consumo de açúcar, e demonstrar as contrapartidas – até porque o problema, no fundo, seria o de excesso de consumo, e não o consumo em si, já que o açúcar é fonte primordial de energia para o metabolismo humano. Do lado interno, é preciso atacar, ainda mais, as questões inerentes ao controle de custos de produção – desde a atividade agrícola, passando pela industrial e, de forma intensiva, nas áreas administrativas.
Nossa cadeia produtiva simplesmente não tem mais condições de absorção de certos custos administrativos e operacionais, que requerem ações corretivas imediatas e constantes. Sei que esse é um ponto nevrálgico, um canal de dente exposto, mas é um fato que precisa ser levado em conta, e não apenas nas usinas, mas na cadeia produtiva como um todo. Basta observar a estrutura de gestão das usinas que têm gerado lucros e valor – e elas existem! A reinvenção do setor passa pela reavaliação de custos em todas as esferas – inclusive nas áreas técnicas, tanto na indústria, quanto na parte agrícola.
Um excesso de decisões equivocadas, provocadas muitas vezes por modismos, contribui para corroer os parcos resultados obtidos nas operações da cadeia produtiva e, em particular, nas usinas. É preciso mergulhar fundo nas técnicas de gestão e controladoria, para estancarem-se os desperdícios que vão, lenta e inexoravelmente, matando as empresas. Ao que tudo indica, talvez sequer seja necessário, de fato, reinventar esse setor.
Precisamos, quem sabe, apenas extrair dele o que de bom ele tem a nos oferecer como nação, empresas e indivíduos, que têm responsabilidades quanto ao planeta que iremos entregar às próximas gerações – nossos filhos e netos. Acredito piamente que os caminhos para buscarmos isso passam por duas vias: maior participação institucional – para aumentar demanda e mercados – e uma profunda reavaliação da gestão do negócio e seus processos – ao longo de toda a cadeia produtiva. Evidentemente, o cenário é adverso e desafiador. Mas é das adversidades que surgem os aperfeiçoamentos e a evolução, que nos levarão a um próximo ciclo virtuoso do setor.