Diretor de Agronegócios do Itaú BBA
Op-AA-42
A proposição deste artigo é discorrer sob o tema “É hora de renascer”. Prefiro dizer que já passou da hora de renascer, mas, como diz o dito popular, antes tarde do que nunca. Apesar de, até o momento em que escrevo este artigo, nenhum sinal concreto de que as coisas irão mudar tenha aparecido, a torcida continua, e a esperança é sempre a última que morre. Conforme tenho dito há tempos, não há nada mais frustrante do que períodos prolongados de situações perde-perde, que, quase sempre, são fruto da prepotência, incompetência e falta total de visão de longo prazo.
Normalmente, paga-se um preço altíssimo por isso. Não tenho dúvidas de que, no que se refere a políticas públicas para combustíveis líquidos e energia elétrica de biomassa, temos passado por um período longo de trevas, o que, aliado a questões climáticas, questões relacionadas a mecanização e suas consequências, questões relacionadas a baixa velocidade de inovação proporcionada pela tecnologia e, por último, deficientes práticas de gestão ainda presentes em um número significativo de empresas do setor, criou uma situação de caos, com reflexos enormes na sustentabilidade econômico-financeira do setor e que pode comprometer, de forma irreversível, a sua sobrevivência no médio e longo prazo.
A seguir, através da análise em dois blocos, sendo um público e outro privado, tento comprovar a minha tese do perde-perde e tento sugerir ações para sair desse caminho nefasto.
Governo, Finanças Públicas, Contas Externas e Petrobras:
1. A redução paulatina da CIDE, desde maio de 2008, teve um impacto fiscal importante, além de cometer uma enorme injustiça com o combustível renovável ao não reconhecer suas externalidades positivas em relação ao combustível fóssil. Tratou-se, sem dúvida, de uma quebra de contrato que tem que ser imediatamente revista, pois já custou, desde maio de 2008, quando começou a ser reduzida, mais de R$ 16 bilhões ao governo e ao setor.
2. O governo tem feito, a meu ver, um papel errado de Robin Wood ao contrário, ao tirar de todo mundo e dar aos ricos, com financiamentos a juros fortemente negativos para investimentos em máquinas e equipamentos, plantio e carregamento de estoques. Esses financiamentos beneficiam só os grandes grupos que têm acesso a essas linhas de crédito. Além disso, a conta de equalização da taxa de juros que deve ser feita pelo Tesouro passou a ter uma dimensão de dezenas de bilhões de reais, causando um enorme rombo fiscal. Portanto uma política de preços mais alinhada ao que acontece no mercado internacional, com regras estáveis de reajuste no longo prazo, beneficiaria a todos, indistintamente, e restabeleceria a confiança dos agentes, ajudando a proporcionar uma retomada dos investimentos.
3. A desoneração do PIS/Cofins na cadeia sucroenergética foi uma medida bastante positiva no momento em que foi adotada, pois consertou parcialmente as injustiças, que foram a retirada da CIDE e os mecanismos artificiais de contenção de preços dos combustíveis. Aliviou uma situação, mas tem efeitos evidentes no caixa do Tesouro. Se a situação fosse outra em relação a mecanismos de preço e CIDE, não seria necessária a desoneração.
4. Acabamos de saber que, agora, em outubro, tivemos o pior déficit na balança comercial desde outubro de 1998. Foram US$ 1,177 bilhão, o que leva o acumulado de 2014 a um negativo de US$ 1,871 bilhão, que dificilmente será revertido até o final deste ano. Não há dúvidas de que o setor sucroenergético poderia estar dando uma contribuição ainda maior do que já dá com suas exportações de açúcar e etanol ao redor de US$ 14 bilhões em 2013. É a terceira cadeia mais importante do agronegócio em termos de balança comercial, após a da soja e a das carnes. Poderíamos estar produzindo muito mais etanol anidro e hidratado e importando muito menos óleo e derivados.
5. Na área da energia elétrica, o quadro é muito preocupante, e o perde-perde é total, pois ninguém está feliz. Estamos, hoje, operando caríssimas e poluentes térmicas a óleo de forma ininterrupta e desperdiçando a colaboração de térmicas a biomassa, porque, num período recente, focaram-se os leilões somente no critério da modicidade tarifária, beneficiando-se a fonte eólica, momentaneamente competitiva, e esquecendo-se de outros valores a serem levados em conta, como diversidade e segurança da matriz energética, proximidade dos centros de carga, emissão de gases de efeito estufa, complementariedade com outras fontes, etc.
O resultado dessa política foi a produção de energia elétrica com insumo importado, caro, poluente e pouco confiável, e nosso PLD encontra-se, mais uma vez, em inacreditáveis R$ 822,00 por MWH, o que está causando enormes prejuízos a todo o setor elétrico nacional, aos consumidores e ao fisco. O setor sucroenergético poderia estar contribuindo de forma significativa, gerando pelo menos 3 vezes mais que o 1,7 GW médio que ofertou em 2013.
Com tecnologias que estão sendo desenvolvidas, visando ao aproveitamento da palha e de outros resíduos, aliadas a um crescimento do setor, poderíamos ter uma oferta do setor sucroenergético de 11,8 GW médio por volta de 2023. Energia, repito, limpa, renovável, produzida de forma descentralizada, perto do centro de carga do sistema, com baixo custo de transmissão e que complementa, de forma espetacular, e ajuda a viabilizar a produção de etanol, tornando-a mais competitiva em relação ao combustível fóssil.
A solução aqui envolveria leilões regionais, separados por fonte, com preço-teto adequado e que estimule o investimento. Aqui podem ser estudados alguns mecanismos de desoneração e soluções inteligentes que equacionem alguns problemas de conexão ao Sistema Elétrico.
6. Outro lado muito importante e fundamental dessa história toda são os efeitos que tudo isso vem causando à nossa maior empresa. A Petrobras tem sido uma grande vítima nesse processo de contenção de preços dos combustíveis e seu não alinhamento aos preços internacionais.
A empresa vive, hoje, um momento muito importante e fundamental da sua vida, que é o desenvolvimento dos poços do Pré-sal, que significam a independência energética do nosso país. Isso tem implicado investimentos anuais por volta dos R$ 100 bilhões, e, como a geração de caixa da empresa vem sendo severamente afetada pelo controle de preços dos combustíveis, a alavancagem da empresa tem estado na elevada casa das 4 vezes dívida/Ebitda, o que não é nada confortável e pode comprometer seu crescimento sustentável e seu grau de investimento junto às agências internacionais, situação que implica riscos para uma companhia que tem uma dívida na casa dos R$ 250 bilhões. Sem falar em todas as consequências desse intervencionismo no preço das ações da Petrobras na bolsa, e o abalo que isso tem causado na sua imagem de uma forma geral.
Tecnologia, Inovacão e Gestão:
Não podemos ser injustos a ponto de atribuir somente ao governo a responsabilidade por todas as mazelas do setor, uma vez que uma parte dos problemas não tem a ver com políticas públicas.
1. O crescimento desestruturado ocorrido em várias empresas do setor, na década passada, sem dúvida, foi responsável pela quebra de alguns e venda de outros e, ainda hoje, cobra de vários sobreviventes um preço muito alto.
2. A mecanização acelerada das atividades de colheita e plantio também levou a uma curva de aprendizado bastante dolorosa para muitos. A não queima da cana, além de ter mudado significativamente a qualidade da matéria-prima que chega à usina, tem sido responsável pelo ressurgimento de várias pragas e doenças.
3. Temos que avançar muito na área de inovação, e será, seguramente, o avanço tecnológico, tanto na parte agrícola quanto na indústria, um fator decisivo para ajudar a competitividade do açúcar brasileiro no mundo e do etanol em relação à gasolina.
4. Modernas técnicas de gestão com foco em apurados controles e redução de custos, aprimoramento da mão de obra nos diferentes níveis, adequadas gestão financeira e gestão de riscos são fatores decisivos na sustentabilidade dos empreendimentos.
Aqueles que já chegaram lá, mesmo numa situação adversa como estamos vivendo hoje, já colhem os frutos das boas decisões tomadas no passado.
Melhorias como a tecnologia, por exemplo, implicam investimentos. Qualquer atividade econômica só é sustentável no longo prazo com lucro e perspectivas de retorno no longo prazo, principalmente numa atividade tão arriscada e volátil como a sucroenergética. Portanto, autoridades governamentais, mãos à obra e contem com nossa animação do lado privado.