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Filipe Alvarez de Oliveira

Gerente de Sustentabilidade da Azul Linhas Aéreas

OpAA81

Biocombustíveis e o protagonismo brasileiro na transição energética
Começo este artigo fazendo uma pergunta: qual é o melhor combustível hoje para nossa sociedade moderna? A resposta a essa pergunta demanda uma análise multifacetada que deve levar em consideração fatores ambientais, econômicos, tecnológicos e sociais. 
 
Dependendo do viés e da abordagem para essa análise, teremos respostas diferentes. Por exemplo, do ponto de vista estritamente econômico, os combustíveis fósseis são os mais baratos e entregam uma boa relação entre quantidade de combustível e energia gerada. Por outro lado, nos aproximando dessa pergunta com uma abordagem socioambiental, poderíamos dizer o contrário.
 
Caso considerássemos todas as externalidades sociais e ambientais que o uso de combustíveis fósseis geram para a sociedade e essas externalidades fossem incluídas no preço, o resultado seria diferente. Antes de continuar a desenvolver esse raciocínio, gostaria de explicar o conceito de externalidades socioambientais. Trata-se dos efeitos indiretos, positivos ou negativos, que as atividades econômicas, industriais ou de consumo causam sobre a sociedade e o meio ambiente e que não são diretamente refletidos nos preços de mercado. 
 
Por exemplo, a poluição atmosférica que a queima de combustíveis fósseis causa e, como consequência, os problemas de saúde decorrentes dessa poluição são externalidades negativas. E se considerássemos todos os impactos econômicos delas e internalizássemos esses impactos no preço dos combustíveis fósseis, nossa resposta à pergunta inicial começaria a mudar.
 
Podemos falar também do outro lado, das externalidades positivas que os biocombustíveis trazem para a sociedade, que vão desde a diminuição de emissão de materiais particulados até a geração de emprego e renda, pois, para produzir a matéria-prima dos biocombustíveis, o setor do agronegócio precisa empregar muitas pessoas. A comparação entre biocombustíveis e combustíveis fósseis pela ótica das externalidades aponta claramente para a resposta: biocombustíveis são melhores. 

Entretanto, a jornada de transição energética - migrar de combustíveis fósseis para fontes alternativas e limpas de energia que incluem os biocombustíveis – não é tão direta e simples. A nossa sociedade depende intrinsicamente dos combustíveis fósseis, não apenas para geração de energia, mas também para produção de inúmeras matérias-primas: do plástico a fertilizantes passando por lubrificantes e solventes. A boa notícia é que os biocombustíveis também podem oferecer todas essas alternativas, mas para isso é necessário investir em novas plantas e melhoria das tecnologias para que o processo de obtenção desses materiais fique cada vez mais barato e eficiente, de maneira que a transição de uma economia baseada em combustíveis fósseis seja realmente possível.

Dentre os diversos setores da economia que se preparam para fazer essa transição está a aviação. Apesar de a indústria ser responsável hoje por aproximadamente 2% das emissões globais de CO2, o setor da aviação é considerado um setor de difícil descarbonização devido às características do querosene de aviação. E a tendência é que outros setores consigam fazer a transição energética mais facilmente enquanto a indústria da aviação a fará mais lentamente, aumentando sua contribuição geral para as emissões globais de carbono.



O combustível de um avião precisa ser extremamente confiável, não pode congelar em baixas temperaturas, não pode vaporizar em baixas pressões atmosféricas e deve tolerar as altas temperaturas de uma turbina a jato sem perder suas propriedades. Tudo isso faz do querosene de aviação um combustível bastante complexo e com características difíceis de serem atingidas.

O bioquerosene de aviação, também conhecido como SAF (Sustainable Aviation Fuel), precisa reunir todas essas características e, por conta disso, é de difícil produção e tem seu preço final muito maior do que o combustível atual (dependendo da região, pode custar de três a sete vezes mais). No Brasil, aproximadamente 40% do custo operacional das companhias aéreas é com o querosene, e, nesse contexto, uma transição energética é extremamente difícil. Se fossemos substituir todo o querosene de aviação por bioquerosene sem um ajuste de preço, a indústria do transporte aéreo no Brasil (e provavelmente em vários lugares do mundo) seria inviabilizada.

E aí temos um dos principais desafios para a viabilização da adoção não só do bioquerosene de aviação (SAF) mas também da maioria das alternativas de biocombustíveis: o preço. Já falamos sobre externalidades e como, na verdade, hoje o preço final de um combustível fóssil não reflete corretamente seus custos sociais e ambientais para a sociedade, mas o fato é que ainda não consideramos as externalidades no preço das coisas. Por isso, estados e governos precisam olhar para essa questão de forma pragmática no sentido de construirmos políticas públicas que incentivem a transição energética e o barateamento da produção, distribuição e consumo de biocombustíveis. 

Nesse sentido, o Brasil é uma grande potência. Temos na nossa agroindústria e nas características ambientais do país um grande trunfo. Somos o maior produtor de soja do mundo e o maior produtor de cana-de-açúcar, duas culturas com enorme potencial para produção de bioquerosene de aviação. Por meio do óleo vegetal da soja, podemos produzir bioquerosene através da rota tecnológica do HEFA (Hydroprocessed Esters and Fatty Acids) e por meio do etanol anidro o ATJ (Alcohol-to-Jet), ambas as rotas foram aprovadas pela ASTM (American Society for Testing and Materials). 

Mas, além da soja e da cana, temos potencial para produzir SAF por meio dessas duas rotas tecnológicas a partir de muitas outras matérias-primas, por exemplo a macaúba, o agave e resíduos agrícolas e florestais. Nosso país tem, de fato, uma posição privilegiada no cenário global de produção de biocombustíveis, mas, sem as políticas públicas adequadas para incentivo e fomento da produção, não vamos conseguir preços adequados para que naturalmente a demanda por combustíveis sustentáveis se mantenha. 
 
Recentemente foi aprovado no congresso o PL do Combustível do Futuro, que trata de todos os biocombustíveis, inclusive o bioquerosene. A aprovação foi um grande e importante passo, e neste momento o PL está sendo discutido no Senado. Apesar de o projeto de lei estar muito bem redigido e criar as bases para a produção de bioquerosene no Brasil, ainda assim ele não é suficiente, pois não trata do ponto principal: como fazer o bioquerosene ter um preço que não inviabilize o transporte aéreo no país.