Diretor Executivo da Embrapa
Op-AA-17
O setor sucroalcooleiro, nas últimas décadas, tem mostrado sinal de vitalidade e ganhos tecnológicos expressivos, quer nas atividades agrícolas, quer na indústria. Muito embora riscos elevados tenham sido superados, a exemplo do ocorrido com o programa de melhoramento genético da cana-de-açúcar, à época liderado pelo extinto Planalsucar, salvo pela formação da Ridesa, uma rede que atualmente conta com dez universidades públicas, e pelo programa de melhoramento genético do CTC – Centro de Tecnologia Canavieira, que também superou a crise do início desta década.
Além do mais, o surgimento das empresas privadas CanaVialis e Allelyx, ambas com interesse nas áreas de genômica, transformação genética e melhoramento, conseguiu dar um alento aos investidores. Os resultados apresentados nos últimos anos são consistentes e comprovam o acerto dos investimentos públicos e privados, nos principais programas de melhoramento genético da cana-de-açúcar.
Os desafios enfrentados pelo setor, seja no que se refere à obtenção de cultivares com resistência à broca gigante, praga que afetava originalmente os canaviais nordestinos, mas recentemente encontrada no Sudeste, ou no que diz respeito à obtenção de materiais adaptados ao uso mais eficiente de água, às temperaturas mais elevadas, aos efeitos do fotoperíodo e suas implicações sobre o florescimento, além de materiais com teores mais elevados de açúcares redutores totais e fibras, adaptados à indústria de cogeração ou mesmo à produção de etanol de segunda e terceira geração, não são irrelevantes e, sabidamente, não podem ser unicamente resolvidos pelo melhoramento genético convencional.
É neste sentido que os projetos de genômica da cana-de-açúcar, que vêm sendo desenvolvidos no Brasil e no exterior são essenciais, visando à identificação de genes e estruturas gênicas, que permitam acelerar e dar foco, com redução do tempo, aos programas de melhoramento genético. Sem que estes conhecimentos sejam disponibilizados, corre-se o risco de deixarmos de ser competitivos, tanto na atualidade, mas muito mais a médio e longo prazos, pois os altos investimentos realizados nos últimos cinco anos, em resposta à oportunidade de mercado para geração de combustível renovável, trouxeram novos competidores importantes ao jogo do mercado.
A partir destes programas, há de se considerar que a obtenção de cultivares de cana-de-açúcar geneticamente modificadas será fundamental para o contínuo sucesso tecnológico do setor. Caracteres com controle monogênico ou para os quais tenham sido identificados QTLs - Quantitative Traits Loci, representativos podem e devem fazer parte dos programas futuros de melhoramento.
Esclareça-se que devido ao custo do desenvolvimento de plantas transgênicas em si ou devido ao fato de que grande parte das tecnologias envolvidas em um programa de modificação genética têm a propriedade intelectual protegida por algumas empresas multinacionais do setor, estabelecer um programa de modificação genética não é tão trivial, quanto se pode inicialmente imaginar.
Ressalte-se ainda que, associado aos programas de modificação genética, programas paralelos de biossegurança serão essenciais, visando-se assegurar o uso das tecnologias geradas, com o necessário rigor científico. Tais programas apresentam custos tão ou mais elevados, quanto os programas de desenvolvimento das cultivares em si.
A biotecnologia, contudo, não se restringe apenas à genômica ou à modificação genética, esclarecendo-se que estudos de fisiologia de produção, que levem ao menor uso de água, sejam nas culturas dependentes de chuva ou naquelas que vêm usando parcial ou totalmente o concurso da irrigação, a exemplo da cana-de-açúcar irrigada na região semi-árida, serão determinantes no aperfeiçoamento dos sistemas de produção das diversas regiões do país.
Um aspecto a considerar como demandante por tecnologias advindas da biotecnologia, refere-se às novas áreas de cultivo com características edafoclimáticas distintas das áreas de cultivo tradicionais, demandando por cultivares adaptados a condições de altitude, solos e climas distintos. Desta feita, é de se ressaltar a necessidade pela expansão de áreas de teste em estações experimentais, distribuídas nas diversas áreas de expansão da cultura, tais como o Centro-Oeste e o Meio Norte.
Um outro conjunto de caracteres, ligados à arquitetura da planta, distribuição de área foliar, teores e qualidade dos carboidratos estruturais, que implicarão na facilidade ou não da colheita mecanizada e na utilização da palhada e do bagaço como matérias-primas na fabricação de etanol ou na cogeração de energia, muito embora nem sempre controlados por poucos genes, será objeto de programas específicos de pesquisa, em diversas áreas da biotecnologia com a cana-de-açúcar, nas próximas décadas.
No caso brasileiro, o número de pesquisadores envolvidos com a cultura da cana-de-açúcar é, infelizmente, ainda reduzido. Nas diversas disciplinas que constituem a biotecnologia aplicada aos programas de melhoramento é ainda menor. Portanto, sugere-se o estabelecimento de plataformas e redes de cooperação, que possam alavancar as pesquisas na área biológica, com foco nas demandas do mercado, e na magnitude e velocidade requeridas pelo setor sucroalcooleiro, face à competição dos países desenvolvidos, que vêm investindo fortemente no desenvolvimento de tecnologias e processos, que permitam a produção de etanol, a partir da celulose e hemicelulose, de forma competitiva.