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Sizuo Matsuoka

Cientista da Vignis S/A

Op-AA-49

Cana-energia: uma biomassa revolucionária
Uma população mundial cada vez maior demanda alimento e energia em níveis jamais vistos, o que, contemporaneamente, suscita debates, estudos e proposições. Especialmente nos países ou grupos de maior expressão mundial (EUA, Canadá, União Europeia, etc.), essa questão é tema prioritário em termos estratégicos, econômicos, de planejamento e de pesquisa e desenvolvimento.

Se a energia, tanto quanto o alimento, é essencial para o desenvolvimento da sociedade, ao mesmo tempo, a sua geração e seu uso inapropriados implicam consequências nefastas ao meio ambiente e à sustentabilidade do planeta, de forma que motiva muita preocupação, a tal ponto que, na recente COP 21, em Paris, foi acordado que todos os países tomarão medidas efetivas para mitigar os efeitos danosos da ação humana. 

 
Um dos grandes vilões no que se refere a danos ambientais é o consumo desmesurado do petróleo como fonte energética – uma matéria-prima não renovável. Por essa razão, existe um esforço mundial em estancar e diminuir seu uso, adotando formas renováveis de energia.

Uma dessas formas é a bioenergia, ou seja, a energia que se pode obter da biomassa. A biomassa é um legado da natureza. As plantas (e outros organismos verdes), valendo-se da luz do sol, do gás carbônico abundante no ar (CO2) e da água, sintetizam os compostos carbônicos, que constituem a energia orgânica, ou seja, a bioenergia. As plantas, portanto, constituem uma bomba de energia viva. 

O homem pode aproveitá-las, então, como fonte de energia, na forma de alimento ou em outras formas, que são as que nos concernem neste momento. A descoberta do fogo, ou seja, a combustão de biomassa vegetal, foi a maior revolução tecnológica da humanidade. 

A evolução do homem e da sociedade humana não teria ocorrido da forma como se deu sem a descoberta do binômio “biomassa vegetal-fogo”. A queima de biomassa vegetal foi essencial para os grandes avanços da sociedade moderna. Nos últimos séculos, com a descoberta da eletricidade e do petróleo, a biomassa perdeu sua hegemonia. 
 
Hoje, em razão do problema ambiental citado, ela volta a ter importância, porém não na forma primitiva anterior, e sim como um substrato a ser aproveitado de forma integral e agregando conhecimentos tecnológicos modernos. A produção de etanol combustível a partir do caldo açucarado da cana-de-açúcar no Brasil se tornou um exemplo paradigmático de uma forma, não apenas econômica, mas também benéfica, em termos ambientais, de aproveitamento de biomassa. Com base nessa ideia, os Estados Unidos também decidiram produzir bioetanol, porém a partir do amido de milho ?  por razões climáticas, a única cultura de que podiam dispor. 
 
Hoje, os EUA e o Brasil se constituem os maiores produtores de um combustível líquido renovável e têm estimulado outros países a seguirem, paulatinamente, o exemplo, naturalmente considerando as limitações de cada um. Mas o exemplo estimulou também a pesquisa e o desenvolvimento de outras tecnologias que possam explorar a biomassa, ainda em escala mais ampla. O desenvolvimento da tecnologia de etanol de segunda geração (E2G), ou seja, o etanol obtido a partir de substrato celulósico, por exemplo, é a primeira dessas tecnologias que se está tornando realidade. 
 
A produção de biobutanol deverá ser outra tecnologia importante, como também o bio-óleo, através de pirólise, o bioquerosene, o biometano e diversos outros produtos químicos, para citar as principais rotas tecnológicas. Do ponto de vista exclusivamente empresarial, uma biomassa de alta produtividade é essencial para a sua saúde financeira, qualquer que seja o processo e o produto final almejado, haja vista a recente crise por que passou o setor sucroenergético brasileiro. Devido à queda de produtividade (aliás um fato recorrente na cultura da cana-de-açúcar), de um lado, e à elevação do custo de produção, de outro, muitas empresas operaram no vermelho por dois ou mais anos; algumas, inevitavelmente, tendo que encerrar as suas atividades. 
 
Na base da produtividade das lavouras, estão as variedades de cana-de-açúcar. Porém elas atingiram um patamar de produtividade que não é possível romper (considerando média de grandes lavouras em condições de sequeiro), e, além disso, não têm resiliência suficiente para suportar a produtividade em alto nível ante qualquer estresse, antrópico (colheita mecanizada, por exemplo), ou natural (seca, frio, doenças, pragas, etc.). Biologicamente, o potencial é alto, mas não é possível captar todo esse valor em condições de lavoura. 
 

A constituição genômica delas é o grande fator restritivo, e essa constituição é ditada por 
uma questão básica, tradicionalmente exigida pelo setor: baixo teor de fibra. Em outros artigos, tratamos de explicar essa questão mais detalhadamente. Neste momento, basta dizer que, retirada essa trava, a situação muda da água  para o vinho: a produtividade é elevada em alto grau (vigor de híbrido) e o nível de resiliência também.
 
Tem-se a cana-energia. Essa é uma planta que tem alto teor de fibra (acima de 18%) e teor de sacarose regular (cerca de 20% menor do que as boas variedades convencionais de cana-de-açúcar). Para se ter essa combinação de fibra e sacarose, muda-se a conformação genética: aumenta-se a participação do ancestral selvagem e diminui-se a da espécie provedora de sacarose. Tal tipo de planta nunca foi aceita pelo setor, mas os tempos são outros e se faz necessária essa mudança de paradigma. Essa é uma planta específica para dela se explorar a sua total capacidade energética, como o próprio nome indica, e não mais apenas o açúcar.

Do seu caldo, se pode fazer o etanol de primeira geração (E1G), e, de sua parte fibrosa, (palhas mais bagaço), se pode fazer vapor, energia elétrica e E2G, ou diversos outros produtos que se queira numa biorrefinaria. Em termos de produtividade de biomassa, se tem um valor acima de duas vezes a da cana convencional, em igualdade de condições e, em produto final, de 20% a 30% a mais em E1G por área, e ainda sobrando de três a quatro vezes o volume de bagaço. Esse é um ganho jamais projetado por qualquer estudo prospectivo em cana-de-açúcar convencional. 

 
Enquanto neste se projetam ganhos graduais em torno de 1%  ao ano (que, doravante, provavelmente, não mais ocorrerá), no caso da cana-energia, os ganhos são imediatos, somente o tempo de um ciclo vegetativo. Uma outra vantagem que advém da adoção de cana-energia é a que se refere ao uso da terra.

Como a produtividade é mais do que o dobro, para uma mesma produtividade final de produto, se requer a metade da área ou, contrariamente, para uma mesma área, se tem mais do que o dobro de produto final. Uma usina que decida adotar a cana-energia pode otimizar a produção da sua cana convencional, tanto dedicando a ela os melhores ambientes, como alocando a colheita no período de melhor maturação, o que melhora muito a sua eficiência final. Usinas que têm a sua capacidade nominal esgotada podem dispensar a terra que sobrar, tanto diminuindo o custo de arrendamento, como 
também diminuindo o custo de entrega da biomassa na esteira ao dispensar as terras mais longínquas. 
 
Duas outras vantagens muito evidentes são a razão de multiplicação e a longevidade de soqueira. Como a cana-energia produz o triplo ou mais de perfilhos adultos, a necessidade de mudas diminui nessa proporção, o que, economicamente, é muito significativo. Ainda, a necessidade de renovação do canavial diminui pela metade, pois a longevidade de soqueira é o dobro, o que se constitui uma vantagem financeira muito grande. Disso, ainda resulta um outro ganho ambiental expressivo: diminuindo-se a necessidade de renovação, diminui-se a erosão, pois a renovação do canavial é o maior fator de erosão do solo em área de canavial.

E não param por aí as vantagens ambientais: por ter um volume de copa foliar muito grande, a proteção do solo contra a erosão causada pelas gotas de chuva é muito boa, a infiltração de água é maior, devido ao seu maior sistema radicular; também a fixação de C no solo é maior, tanto pelo volume como pela maior profundidade que atinge o sistema radicular. A adoção da cana-energia pode, efetivamente, auxiliar o Brasil no compromisso assumido ante a acordo estabelecido na COP 21 de descarbonização da atmosfera, e, mais do que isso, contribuir para o desenvolvimento socioeconomico do interior, maior do que o Proálcool propiciou até este momento. Para uma milenar agroindústria, trata-se, pois, de uma inovação revolucionária.