Senadora da República
Op-AA-22
Estamos às vésperas da COP 15, a Conferência do Clima da ONU, que acontecerá em Copenhague, na Dinamarca, durante a primeira quinzena de dezembro. É um momento de muita expectativa e apreensão, uma vez que os grandes blocos de negociação e países não assumem propostas capazes de articular as iniciativas de governos locais, empresas, empreendedores e cidadãos em uma única direção: reduzir significativamente as emissões de gases de efeito estufa - GEEs, de modo a estabilizar sua concentração na atmosfera terrestre em níveis que possam ser considerados seguros para a espécie humana e outras formas de vida no planeta.
Esses níveis seguros, segundo o painel científico IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, em português), têm sido traduzidos em percentuais que acabam virando um caldeirão de números de difícil compreensão para os não especialistas. O que se quer é obter uma redução de emissões, dentro de certo prazo, tomando como base o nível de emissões existente no passado.
Ou seja, colocar um freio na escalada da degradação ambiental, criando uma referência que possa ser utilizada, medida e compreendida em todo o mundo. Assim, o patamar de segurança a ser atingido, identificado pelos cientistas, exigiria uma redução global das emissões de GEEs de modo que, em 2030, não sejam maiores que 60% a 75% das emissões existentes em 1990.
Além disso, em 2050, elas não podem ser maiores que 20% a 40% das emissões de 1990. Esses números não deixam dúvidas de que são necessárias mudanças profundas nos padrões de consumo e produção de bens e serviços em nossas sociedades. Não serão medidas do tipo “um pouco menos do mesmo” que nos conduzirão a níveis seguros de concentração de GEEs na atmosfera.
Se o mundo acatar essas recomendações do IPCC e fizer sua lição de casa com responsabilidade e seriedade, a previsão é de que haja um aumento da temperatura média do planeta de 2 ºC até o final deste século. Se mantivermos os padrões atuais de emissões globais, o aumento de temperatura atingirá 2 ºC já por volta de 2060, o que traria grandes complicações para as condições de vida na Terra e afetaria de imediato, e principalmente, as populações mais pobres.
É preciso levar em conta, ainda, que essa recomendação do IPCC contém uma dose inevitável de incerteza, podendo ocorrer tudo um pouco antes do que hoje podemos prever. Ou seja, não há tempo a perder. O que pode ser feito? Muita coisa. Sem perder de vista que a Convenção do Clima introduz um princípio de justiça, ao estabelecer responsabilidades comuns e diferenciadas - que correspondem ao peso das economias, da participação dos países na configuração do problema e de sua capacidade para contribuir na solução -, podemos começar por identificar em nossas sociedades quais as fontes de emissões de GEEs a serem reduzidas ou eliminadas ao longo das próximas décadas.
No Brasil, essas fontes já estão identificadas: desmatamento e pecuária, seguidos dos transportes e, num futuro muito próximo, geração termoelétrica de eletricidade. Com base nesse conhecimento, é possível planejar, com razoável segurança, os passos concretos para a redução a curto prazo das emissões de GEEs e, mais importante, as mudanças no consumo e na produção de bens e serviços que tornem a vida sustentável.
No Brasil, o fato de as fontes renováveis ocuparem 46% da matriz energética dá uma boa vantagem na formulação e introdução das mudanças em direção a uma sociedade ajustada aos limites e demandas atuais do sistema climático global. Mas avançar nessa direção é apenas uma das nossas tarefas. A outra, tão importante quanto essa, é compartilhar com o resto do mundo as nossas experiências de sucesso na produção e consumo de energia de fontes renováveis.
Nesse ponto, o etanol da cana-de-açúcar joga um papel ímpar. As áreas do planeta adequadas à produção da cana-de-açúcar coincidem com as de países em desenvolvimento com forte tradição agrícola. Mesmo alguns países africanos e do Caribe, com histórico de conflitos armados em períodos recentes, podem vir a se beneficiar, à medida que avance o processo de transição para regimes políticos mais democráticos.
Pode ser até que a produção de etanol a partir da cana-de-açúcar seja um componente importante no estabelecimento de relações comerciais estáveis desses países com a comunidade internacional. A inserção comercial dos países em desenvolvimento no mercado internacional, por sua vez, tem papel importante na estabilidade política das suas sociedades, pela geração de renda e criação de empregos e ocupações em diferentes segmentos da população.
Não se preconiza aqui a volta da produção de derivados da cana-de-açúcar em países em desenvolvimento para consumo apenas nos países mais ricos. Ao contrário, o consumo interno seria o primeiro passo para assegurar que, nas relações comerciais, os países ricos não desequilibrem totalmente as negociações.
Tampouco se desconhece que o desenvolvimento tecnológico irá diversificar as culturas e as matérias-primas para a produção do etanol. Desenvolvimento tecnológico exige recursos excedentes. A cana-de-açúcar é ainda a única matéria-prima capaz de produzir etanol e gerar recursos fundamentais para uma série de investimentos prioritários, como, por exemplo, a educação.
O Brasil pode dar significativa contribuição nesse processo, seja pelo compartilhamento de nossa expertise na produção, seja por meio de uma atuação internacional em defesa da adoção de padrões internacionais que assegurem a sustentabilidade social e ambiental da produção de biocombustíveis. Dessa forma, estaríamos não só nos comprometendo de fato com a sustentabilidade socioambiental da nossa própria produção, como também estimulando a adoção de políticas públicas avançadas e processos virtuosos em outros países.