O setor sucroenergético tentou reagir à falta de organização coletiva na comercialização, criando a Brasil Álcool S/A., que teve vida curta e foi a semente para a criação de outras empresas de comercialização por diferentes grupos de usinas. Os baixos preços do etanol estimularam novamente os consumidores a misturar etanol hidratado em proporções acima do autorizado e planejado pela engenharia automotiva dos carros em circulação e sendo vendidos, e como reação foram desenvolvidos pelas montadoras os veículos flex, capazes de utilizar qualquer mistura de etanol puro e gasolina misturada com etanol. Lançados em março de 2003, rapidamente encontraram forte adesão e, em dois anos, passaram a dominar as vendas de veículos leves, abrindo novas perspectivas de expansão para o setor.
Dezenas de novas unidades produtoras foram instaladas em novas regiões de fronteira, repetindo o movimento ocorrido 20 anos antes quando houve a instalação das destilarias autônomas com o Proálcool. O desafio de desenvolver variedades de cana ainda adaptadas às condições edafoclimáticas dessas novas regiões foi multiplicado pelo compromisso de não mais queimar a palhada da cana como atividade pré-colheita para facilitar o corte manual.
O Protocolo Agroambiental, assinado em 2007 entre produtores e o governo do Estado de São Paulo e adotado pelos estados na fronteira de expansão da cana, antecipou o cronograma de eliminação da queima. Um novo grande desafio, desta vez principalmente agronômico, se instalou, com as adaptações às práticas agrícolas advindas do corte mecanizado, sistematização do solo, qualificação e treinamento de mão-de-obra, e o resultante aumento de impurezas vegetais e minerais da cana entregue nas usinas, elevando os custos e o desgaste de equipamentos industriais.
Em paralelo, em 2003, o Brasil decidiu questionar na OMC os subsídios europeus à produção e exportação de açúcar, no que recebeu a adesão dos governos da Austrália e da Tailândia.
A União Europeia era na época o segundo maior exportador de açúcar depois do Brasil, e esses subsídios, de difícil comprovação, afetavam sobremaneira a renda e a competitividade dos produtores brasileiros. Contra todas as expectativas, e na maior disputa dos anais da OMC até hoje, com três países demandantes (Brasil, Austrália e Tailândia), contra à época 25 Estados-Membros da União Europeia e mais a Comissão Europeia, e 31 países interessados como terceiras partes, a tese defendida pelo Brasil saiu vencedora, levando a UE a reformular completamente o seu programa de açúcar, eliminando a exportação subsidiada. Esta vitória impulsionou ainda mais a produção e a exportação de açúcar do Brasil e se somou ao impulso nas vendas de veículos flex e nas vendas de etanol.
O setor sucroenergético mudou completamente sua escala de produção a partir da cana-de-açúcar. E, a partir de 2013, passou a contar também com a produção de etanol de milho, que na última década cresceu impulsionada pela expansão da produção de milho de segunda safra cultivada após a colheita da soja em estados grandes produtores como Mato Grosso, Goiás e Mato Grosso do Sul.
Em 1975/76, a oferta de açúcares totais recuperados (ATR) do setor foi de 7,1 milhões de toneladas. Decorridos 50 anos desde a criação do Proálcool, em 2025/26 essa oferta está projetada pela Datagro em 108,7 milhões de toneladas, sendo 91,4 milhões de toneladas a partir da cana e 17,3 milhões de toneladas a partir do milho.
Em 2017, foi criado e aprovado o Programa Nacional de Biocombustíveis, RenovaBio, um programa de certificação voluntária dos produtores de biocombustíveis com o objetivo de definir, através de uma meta de longo prazo de aumento de eficiência energética e de descarbonização no setor de transportes, um norte para a expansão futura do setor.
O RenovaBio permitiu também a criação de um mecanismo de precificação de carbono em condições de mercado, através da livre negociação em bolsa dos créditos de descarbonização (CBios) relacionados à produção certificada de biocombustíveis, e a recompensa aos produtores pela produção e pelo aumento de eficiência obtidos através de suas notas de eficiência energética-ambiental (NEEA).
Além da materialização da externalidade positiva relacionada à redução de carbono, o RenovaBio criou um sistema de certificação individual da produção, que permite a identificação da intensidade de carbono individual de cada lote, carga ou navio carregado com etanol certificado. Outros países classificam e certificam produtores por rotas (chamadas pathways) que não permitem a identificação individual de cada lote.
Isso é relevante à medida em que surgem novas oportunidades de mercado pelo uso do etanol para a substituição de bunker fuel na navegação marítima, para a produção de SAF (combustível sustentável de aviação) através da tecnologia alcohol-to-jet, para a produção de bioplásticos, e para a produção de hidrogênio verde através da reforma do etanol.
A Datagro estima que, até 2050, esses quatro novos mercados representem uma demanda potencial de 810 milhões de toneladas de etanol, o que equivale a 9,2 vezes da produção mundial de 2024, de 89 milhões de toneladas.
No campo regulatório, o Brasil já se posicionou na vanguarda mundial ao eleger, no RenovaBio, no Programa Mover e na Lei Combustível do Futuro, a Avaliação do Ciclo de Vida, também conhecida como critério “berço-ao-túmulo”, como métrica para definir o que deve ser considerado sustentável.
A quase totalidade dos demais países ainda utiliza o limitado e parcial critério denominado “tanque-à-roda”, que leva em conta apenas emissões de cano de escape, com resultados limitados e pouco eficazes para o controle do aquecimento global. A adoção geral da avaliação do ciclo de vida poderá ser uma agenda relevante a ser destravada na COP30. Mas, mesmo no Brasil, ainda podemos avançar mais.

Estudos da Embrapa e de centros internacionais de pesquisa mostram que o retorno dos resíduos da cana para o campo, através da vinhaça, torta de filtro, cinzas, as raízes da cana-de-açúcar e a palhada que permanece após a colheita, forma um estoque natural de carbono capaz de capturar e armazenar volumes significativos de CO?, muitas vezes superiores aos de florestas jovens ou de sistemas de pastagem. Essa reserva subterrânea é uma das maiores forças da agricultura tropical brasileira — mas sua relevância ainda não é plenamente capturada pelas metodologias oficiais de mensuração de emissões, como a RenovaCalc, que balizam o RenovaBio e o mercado de créditos de descarbonização (CBios).
O reconhecimento científico desse carbono é mais do que um ajuste técnico: pode ser uma mudança de paradigma. Ao incorporar o estoque de carbono do solo, o Brasil não apenas poderá demonstrar com maior precisão os ganhos ambientais de seus biocombustíveis, mas fortalecerá a competitividade do etanol e da biomassa frente a outras fontes de energia.
O etanol, a bioeletricidade, o biogás e biometano, a extração de leveduras, a captura de CO2 biogênico para venda à indústria e a produção de combustíveis sintéticos, a produção de etanol de segunda geração e os novos mercados já citados colocam o setor sucroenergético, de cana e de milho, no centro das atenções relacionadas a segurança energética, segurança alimentar e controle do risco climático.
O negócio do setor sucroenergético se sofistica com a diversificação crescente e a busca incessante pelo aproveitamento integral da energia da biomassa. O etanol é a solução ambiental e energética que permite implementação imediata de medidas voltadas à descarbonização, sem a necessidade de mudanças de frota ou de infraestrutura de distribuição de energia. É replicável, pois não apresenta barreira tecnológica de entrada.
É escalável ao longo do tempo, com benefícios comprovados à saúde e ao meio ambiente. Permite o aproveitamento econômico de matérias-primas e resíduos orgânicos disponíveis na economia. Permite às montadoras de veículos cumprirem os mais restritivos objetivos de emissões. Alavanca a produção simultânea de energia e alimentos no campo, gerando renda, emprego e desenvolvimento descentralizado.
Não por outro motivo, o modelo de negócio do setor sucroenergético brasileiro tem servido de exemplo para iniciativas em vários outros países, como Índia, Indonésia, Tailândia, Filipinas, Japão, China, Argentina, Paraguai, Bolívia, Colômbia, Guatemala, El Salvador e Nigéria, dentre outros. Com certificação individual capaz de abrir novos mercados e a perspectiva de reduzir ainda mais a sua intensidade de carbono já extremamente baixa, o setor tem um enorme potencial à sua frente, valorizando cada vez mais o negócio do setor sucroenergético, no Brasil e no mundo.