Me chame no WhatsApp Agora!

Fernando Henrique Cardoso

Ex-Presidente da República Federativa do Brasil

Op-AA-25

A falta de uma política energética

Poucos temas aparecem mais na mídia atual do que a questão energética. O mundo todo está discutindo a matriz energética, as questões de sustentabilidade, os efeitos das várias formas de produzir energia sobre o meio ambiente e por aí vai. No Brasil, não poderia ser diferente. Com uma peculiaridade: aqui a discussão está envolta em um manto inconsútil de ufanismo.

De fato, especialmente no governo atual, passamos a gabar não só a diversidade de nossa matriz energética (que é real e vem de longe) como a variar as apostas sobre qual a melhor  alternativa energética para o futuro. As preocupações com os eventuais efeitos da energia obtida sobre o meio ambiente parecem entusiasmar menos os debates.

Em uma espécie de volta à época do ufanismo dos regimes militares, as autoridades foram lançando programas sobre programas e, de tempos em tempos, anunciam novos caminhos de prosperidade. Não bastasse o etanol – esse sim, verdadeira proeza brasileira –, fala-se no uso do bagaço da cana, na energia eólica, no biodiesel e assim por diante.

Houve até governador com a língua picada pelos espinhos da mamona diante do sorriso presidencial que descobrira a salvação das agruras energéticas do País e da alegria das coletoras do fruto com a eventual produção do combustível. Em seguida, silêncio: nem se sabe onde foram parar as usinas de biodiesel da Petrobras. Mas, como Deus é brasileiro, a antiga descoberta de campo profundo de petróleo foi rebatizada e o pré-sal, se não vai salvar a lavoura, redimirá a escassez de óleo e de recursos do País em moeda forte, pensam os entusiastas da terra abençoada.

Apressadamente, novas leis foram enviadas ao Congresso para mudar o sistema de exploração do petróleo, para criar nova estatal encarregada de controlar o novo sistema e para definir como capitalizar as empresas incumbidas da exploração e comercialização do pré-sal – na verdade, a empresa, porque, havendo tanta riqueza, melhor voltar ao monopólio...

No açodamento de tudo, rebatizando e transformando em “projeto de impacto”, como nos velhos tempos do autoritarismo, o Governo atropelou os equilíbrios de repartição da renda do petróleo entre os estados, e, por isso, a matéria emperrou no Congresso. Para que todo o projeto não ficasse bloqueado, resolveu-se subdividi-lo em quatro, com prioridade para a capitalização da Petrobras, mediante entrega, pela União, de 5 bilhões de barris a serem extraídos de campos ainda inexplorados.

Ainda assim, as operações de capitalização se atrasaram e, agora, com a Petrobras tendo perdido cerca de um terço de seu valor, em um mercado enfraquecido pela crise financeira internacional, teme-se que a grande empresa seja rebaixada em sua avaliação de solvência. Talvez tenha que se endividar em montante superior a 35% do patrimônio para obter os recursos necessários ao empreendimento do pré-sal.

A energia é assunto sério demais para viver no embalo da propaganda e das precipitações eleitorais. O Brasil, reitero, dispõe de matriz energética equilibrada. A hidroeletricidade, a despeito da instabilidade do regime de chuvas (já remediada pelo cordão de geradoras a gás ou a diesel construídas depois da escassez energética de 2001), continua sendo a base de nosso sistema.

Sua complementação pelo etanol é necessária e tem demonstrado viabilidade. As experiências com energia eólica vêm se processando com modéstia, mas persistentemente. Por fim, não devemos nos esquecer do que quase sempre se esquece, do aumento da eficiência energética e da poupança de consumo. Não digo isso para diminuir a importância de explorarmos o pré-sal nem porque imagine que o petróleo, por poluidor que seja, venha a ser descartado como alternativa energética em tempo previsível. Não.

Digo porque os vaivéns da questão mostram a falta do essencial: uma verdadeira política energética. Em vez de estarmos a nos gabar do que ainda não fizemos, melhor seria consolidar o que já obtivemos: ampliar a produção do etanol e criar condições para transformá-lo em commodity de exportação; implementar os programas de eficiência energética e poupança de consumo; prezar a diversidade e a limpeza de nossa matriz energética e não descuidar de seus efeitos sobre o meio ambiente.

Mereceria também se fazer melhor avaliação sobre se não é mais conveniente avançar com a produção do petróleo existente em águas menos profundas enquanto se aperfeiçoam as técnicas de exploração em áreas mais difíceis. E, sobretudo, enquanto não se definem normas de segurança para evitar desastres ecológicos. Mais importante do que se fazer ginásticas financeiras para explorar apressadamente campos profundos de petróleo, utilizando tecnologia de risco desconhecido, seria dar maior eficácia às agências reguladoras, unificá-las para lidarem em conjunto com a regulação energética e, sobretudo, despartidarizá-las.

Só com independência política e competência técnica a agência reguladora (hoje a ANP, amanhã, quem sabe uma agência energética única) será capaz de oferecer ao País, e mesmo ao mundo, o que dela mais se necessita: confiança na existência de uma política energética de verdade e certeza de que os interesses coletivos de preservação do meio ambiente serão respeitados.