Secretário de Energia do Estado de São Paulo
Op-AA-35
O acalorado debate sobre os rumos do setor energético, travado entre o Governo Federal e a oposição, dominou o noticiário econômico durante os últimos meses. Não tinha como ser diferente. Com a sucessão de notícias desagradáveis, da ameaça de desabastecimento de energia ao balanço desastroso divulgado pela Petrobras, ficou evidente que o planejamento do governo para o setor falhou em questões decisivas, gerando riscos e incertezas.
A indústria da cana, talvez a mais penalizada pela falta de planejamento do Governo Federal, amarga, nos últimos anos, uma série de resultados ruins. Para se ter uma ideia, a produção de etanol de cana cresceu 29% no Brasil nos últimos cinco anos, enquanto, nos EUA, o etanol de milho saltou 185% no mesmo período. No começo da década passada, os EUA produziam pouco mais que a metade do Brasil. Em 2011, a produção americana já era 2,3 vezes maior do que a brasileira.
Enquanto lá a produção foi alavancada por estímulos do governo, que se comprometeu, por lei, a comprar etanol com preço fixado até 2022, aqui, o governo congelou o preço da gasolina por oito anos, acabando com as condições concorrenciais que sempre fizeram do etanol um bom negócio para o consumidor. Na prática, o governo desestimulou o negócio. O consumo, a produção e os investimentos recuaram. A indústria da cana, que responde por 2,5% do PIB e emprega 300 mil trabalhadores só em São Paulo, entrou em crise.
Mas o etanol não foi o único elo negligenciado da cadeia. No setor elétrico, o risco de desabastecimento por causa do baixo nível dos reservatórios hidrelétricos fez com que 100% das usinas térmicas movidas a derivados de petróleo fossem acionadas, o que é insustentável. Além de poluente, a energia é cara, devido à impossibilidade de expandir a geração sem embutir na tarifa os custos de importação dos insumos. Ao mesmo tempo, as linhas de transmissão para conectar parques eólicos ao sistema integrado estão atrasadas.
Em qualquer outro lugar do mundo, tanto no caso dos combustíveis automotivos, cujo prejuízo com importação atingiu US$ 33 bilhões nos últimos dois anos, como no caso da oferta de energia no período de seca, que demanda expansão do suprimento num prazo curto, com diversificação da matriz e redução de custos, as bioenergias de cana seriam parte central da solução.
Por que não no Brasil? Porque faltam regras de mercado adequadas e uma política de longo prazo que dê previsibilidade e segurança aos investidores. Uma usina de cana gera um quilowatt pela metade do preço das térmicas movidas a combustíveis fósseis. O tempo de implantação chega a ser cinco vezes inferior. O retorno do capital investido é de cerca de seis anos, metade do tempo, por exemplo, de retorno dos investimentos industriais. Os custos com transmissão são exponencialmente menores e mais ágeis. E a produção ocorre no período seco, garantindo segurança energética com modicidade tarifária e impacto ambiental próximo a zero.
Estamos falando de um resíduo industrial abundante e renovável, sem custos logísticos ou de transportes, disponível no coração da demanda, justo no período de seca nas hidrelétricas. Mesmo com a produção limitada, a energia da cana poupou 5% da água dos reservatórios durante a seca em 2011. Até 2020, 14 mil MW poderiam ser agregados, o equivalente a uma Itaipu. Como 90% desse potencial estão nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, centro de carga do sistema interligado nacional (SIN), a conta com o combustível necessário ao acionamento das térmicas fósseis cairia, neutralizando oscilações bruscas na tarifa.
Mas basta observar as ações do Governo Federal para se entender por que a contribuição do setor sucroenergético segue aquém do desejável. Sem alterar efetivamente o preço da gasolina, que prejudica o desempenho do etanol, o setor não reagirá com a pujança esperada. A rigidez do modelo de leilões, que não diferencia por fonte os ofertantes de energia, faz com que alternativas complementares concorram entre si. Com leilões por fonte, a diversificação da matriz seria mais intensa, atenuando os riscos de variações conjunturais.
Para piorar, a carteira de financiamentos do Bndes para o setor revela muito do mau momento enfrentado. Todas as 440 usinas de cana do Brasil geram energia, mas apenas 90 vendem o excedente à rede. Mesmo capaz de agregar ao sistema interligado toda a produção atual somada das térmicas movidas a derivados de petróleo, a geração a biomassa de cana tem, atualmente, apenas um projeto sendo financiado pelo Bndes. Somente a título de comparação, o banco estatal financiou 63 projetos de eólica em 2012.
Se não bastasse, a desaceleração da indústria da cana por falta de uma política setorial bem delineada arrasta consigo uma das áreas mais sensíveis e estratégicas da economia nacional: a inovação tecnológica e o desenvolvimento de soluções em bioenergias. Projetos como o da gaseificação da vinhaça, do bagaço e da palha da cana em escala comercial, do desenvolvimento de biocombustíveis para aviação comercial, de biopolímeros e do etanol de segunda geração, feito a partir da recuperação energética da celulose existente no bagaço, podem perder o fôlego.
A demanda mundial por energia crescerá 40% até 2035. No Brasil, segundo o Plano Decenal de Energia, a expansão da demanda deve ocorrer em ritmo ainda mais acelerado: 4,8% ao ano, até 2021. Como nos encontramos diante desses desafios? Com o suprimento de energia próximo à demanda, cada vez mais dependentes da importação de combustíveis fósseis no mercado internacional (tanto para o abastecimento veicular quanto para a geração de energia térmica), a Petrobras no vermelho, o setor sucroenergético deprimido e os investimentos em geração e transmissão atrasados.
O governo de São Paulo tem feito a sua parte. Em 2012, foi aprovado o Plano Paulista de Energia (PPE), que prevê o aumento da participação das energias renováveis dos atuais 55% para 69% da matriz energética. O bom desempenho do setor sucroenergético será fundamental para atingirmos a meta. Por isso desoneramos toda a cadeia de máquinas e implementos para a bioeletricidade de cana, bem como passamos a restituir integralmente os créditos de ICMS para bens de capital adquiridos no estado.
O mesmo foi feito em relação à energia eólica. Porém, como apenas o Governo Federal responde pelo planejamento energético e pela regulação, além de controlar empresas estruturais para a política energética, como a Petrobras, a Eletrobras e Furnas, entre outras, os esforços dos estados da federação, dos produtores e das entidades setoriais têm alcance limitado. Num momento de crescimento econômico baixo e inflação alta, uma política energética agressiva, focada na competitividade da oferta de energéticos e voltada à expansão das renováveis daria um novo alento ao setor produtivo, gerando emprego, renda e desenvolvimento. Recursos energéticos para isso não nos faltam.