Diretor da Expressão Comercial, Importadora e Exportadora
Op-AA-40
Assistimos à maior crise da atividade agrícola e industrial da cana-de-açúcar em sua história no País. As 400 usinas; os 10 milhões de hectares de cana; os 9 mil MW de geração de energia elétrica; o milhão de empregos diretos; as exportações de 18 bilhões de dólares; a indústria de equipamentos e os milhares de prestadores de serviços; a fatia de 16% de toda a matriz energética brasileira; o complemento indispensável dos combustíveis líquidos; a significativa presença na geração de renda e tributos; nossa inventividade na criação de novas tecnologias; a mundialmente inigualável redução dos efeitos poluentes do consumo de combustíveis fósseis; sua marcante presença em nossa história e em nossa civilização: tudo isso corre risco de esfarelamento. Infelizmente, a percepção de que esse imenso patrimônio nacional pode realmente ser perdido ainda não é apreendida por todos e, em especial, por nossas autoridades.
Os fatos se sucedem há pelo menos cinco anos. Sentimos a água esquentando no caldeirão onde estamos, mas nada acontece para que saltemos fora. Estamos sendo cozidos a fogo brando. É chegada a hora de mudar o jogo. A contida contestação do empresariado junto ao governo na defesa de seus interesses faz com que nossos tímidos protestos, nossas modestas e tênues “listas reivindicatórias” sejam solenemente desprezadas.
E as más notícias continuam a se avolumar semana a semana. Ora é o mercado do açúcar, ora, do etanol; ora o câmbio, ora a crise financeira; ora as chuvas, ora, sua falta; ora o El Niño (ou sua irmã...); ora os efeitos negativos da acelerada mecanização do plantio e colheita da cana; ora a pequena disponibilidade de novas variedades; ora o excesso ou a falta do “espírito selvagem” dos empreendedores; ora as perspectivas do petróleo e seus derivados; ora o shale gas; ora o pré-sal; ora os preços contidos da gasolina; ora sua disponibilidade; ora os custos de produção; ora, ora, ora...
Tudo serve como explicação para a continuidade e o aprofundamento da crise – e mais, como pretexto para lamentarmos passivamente o que está ocorrendo. Vejamos, por exemplo, o que se passa com nossa agenda ambiental. Foram esquecidos os inúmeros alertas quanto à aceleração das emissões nocivas do carbono pela queima indiscriminada de combustíveis fósseis. Foram abandonadas as posições altamente agressivas do Brasil na direção dos renováveis. Foi largada ao relento nossa matriz energética, de que tanto nos orgulhamos, pela absoluta predominância das energias renováveis. E, com isso, nosso etanol foi igualmente esquecido, abandonado e largado ao relento.
O diálogo com o poder público está muito difícil. Dentro do setor, pelos vários, diferentes e divergentes interesses. As profundas mudanças estruturais por que passou a indústria na última década trouxeram, em consequência, crescentes problemas de representatividade institucional, bem como falta de clareza nos temas capazes de pautar o indispensável processo de conversas com o governo. É essencial a unificação de linguagem, de representação, de temas críticos.
Há um enorme obstáculo: a política de contenção arbitrária de preços para os combustíveis líquidos. Isoladamente, trata-se do ponto mais crítico e relevante de toda a agenda do setor. Por que investimos US$ 50 bilhões na expansão do setor entre 2005 e 2010? Por que dobramos a lavoura da cana e o parque processador? Preços excepcionalmente altos de açúcar e/ou etanol? Não.
O investidor não olha o preço de hoje ou amanhã. O que ele tem que ter é a crença de que, em seu horizonte de investimento (duas, três décadas...), as condições de seu negócio sejam positivas e estáveis. Positivas: haverá demanda futura forte, crescente e consistente para seus produtos? Estáveis: o quadro institucional manter-se-á estável e positivo para apoiar e suportar suas atividades como empresário? Sem surpresas, sem contramarchas, sem caras feias?
Predomina, no governo, uma desconfiança importante sobre o papel da iniciativa privada na área de energia. Tal ranço – lembrança de temas políticos preferidos nos meados do século passado – tem caracterizado as respectivas políticas, tanto no setor de energia elétrica, exemplo marcante em nossos dias, quanto na política de combustíveis líquidos. Por que essa desconfiança? Temos claramente uma profunda divergência ideológica, a ser entendida, debatida e resolvida antes que se pretenda mudar, para melhor, nossas expectativas quanto ao etanol.
Qual o empresário que se arriscaria a investir em aumento de capacidade produtiva nesse clima? Vamos nos lembrar da saudável reação positiva do mercado quando a presidente da Petrobras anunciou, no fim do ano passado, eventual explicitação institucional de critérios de uma política de médio e longo prazo de reajuste de preços de seus combustíveis. Infelizmente, o governo jogou para o ar tal iniciativa, mantendo no escuro tal política. Hoje, os preços de venda da gasolina e do diesel são menores que seus custos de importação.
Tais subsídios trazem graves consequências negativas para o orçamento da Petrobras e para a produção complementar de etanol no País. Esse não é o primeiro nem o último problema criado por um sistema artificial de controle de preços. Mas tem de ser enfrentado, se quisermos os benefícios de uma vigorosa expansão do setor, com seus efeitos multiplicadores sobre renda, emprego, tributos, divisas.
Será que as perspectivas futuras dos preços internacionais de petróleo induzem imaginarmos baixas importantes em seus patamares? Difícil. Basta observarmos a resiliência desses preços ao longo dos últimos anos, na maior recessão econômica dos últimos 80 anos. Não se venha argumentar com o shale gas dos Estados Unidos, cuja evolução da produção mal acompanha, por exemplo, o aumento do consumo chinês, sem falar de outros mercados em igual processo de crescimento.
Lembremo-nos das taxas de depleção bem superiores dos depósitos de xisto. Mais do que isso: sabemos que, com exceção do Oriente Médio, os custos marginais de produção dos campos em expansão, golfo do México, pré-sal brasileiro e africano ocidental, o próprio shale oil norte-americano e outros, as areias betuminosas do Canadá, exigem preços, no mínimo, equivalentes aos de hoje. Difícil, pois, justificar o controle atual de preços em função de baixas prospectivas nos preços internacionais de petróleo.
Vamos nos mexer. Não podemos assistir passivamente ao sucateamento de um dos mais importantes setores da economia brasileira. De um dos mais competitivos. De um dos mais inovadores. De um dos mais empregadores. De um dos mais exportadores. Vamos abandonar nosso conformismo. Vamos arregaçar as mangas e brigar. Em casa, arrumando-a. Em nossos sindicatos e associações, participando e nos unindo. Nas urnas, votando. No governo, atuando, mais e mais, no diálogo duro, profundo e, sobretudo, necessário para mudar esse trágico quadro. Agora.