A cultura da cana-de-açúcar no Brasil passa por uma fase de estagnação na sua produtividade agrícola. Muito influenciada pelo clima (deficiência hídrica, geadas, florescimento), que tem se mostrado cada vez mais errático, a cana sofre ainda outros estresses que afetam nossa produção de açúcar, etanol e bioeletricidade.
Em situações particulares, esses fatores podem mudar de importância relativa, porém pragas e doenças sempre estão entre os que causam grandes perdas. As mudanças do sistema de produção, preservando a palha no canavial pela colheita de cana crua, e a expansão para novas fronteiras agrícolas, que levou muitos produtores a abdicarem do emprego de viveiro de mudas, propiciaram uma reorganização de todo o ecossistema de pragas, doenças e seus inimigos naturais.
Historicamente, as doenças, principalmente as recém-introduzidas no País, sempre impactaram significativamente a cana, sendo, inclusive, uma das principais causas de substituição de variedades. Foi assim, por exemplo, no início da exploração comercial, na década de 1930, com a ocorrência do mosaico afetando as canas nobres; depois, nas décadas de 1950-1960, tivemos o carvão na Co419, doença que, junto com a introdução da ferrugem marrom na década de 1990, causou a substituição da NA56-79, principal variedade da era Proálcool.
A mesma ferrugem marrom forçou o abandono de outras variedades, como a SP71-1406, SP71-799 e a própria SP70-1143, importante alternativa na expansão que fizemos para solos de menor fertilidade; na década de 1990, tivemos, talvez, o mais drástico prejuízo e a rápida substituição de uma variedade, com a ocorrência do amarelinho na SP71-6163, que praticamente dizimou a produtividade nesse material; mais recentemente, a ferrugem alaranjada, constatada em 2009, inviabilizou o cultivo da SP89-1115 e SP81-3250, essa até então a segunda variedade mais cultivada no País.
O método de controle dessas doenças primárias tem sido o uso de variedades mais resistentes, sendo que a prática do roguing, ou retirada de plantas doentes dos viveiros, constitui-se como adicional para a convivência dessas doenças abaixo do nível econômico de dano.
Recentemente, tem aumentado entre os produtores o uso de fungicidas para controlar as ferrugens, tentando propiciar, adicionalmente, a sanidade geral das folhas. Com a copa mais sadia, aumenta-se a resposta a outros tratos culturais, como a aplicação foliar de micronutrientes. O acréscimo em produtividade tem sido interessante, até mesmo em solos de baixa fertilidade. Nesse caso, a relação custo/benefício deve ser muito bem dimensionada.
As pragas, não menos importantes, causam prejuízos que poderíamos classificar como endêmicos, ou seja, ocorrem todos os anos, em maior ou em menor grau. Dependendo das condições climáticas, da região e dos ambientes de produção, do tipo de variedade e do manejo empregado, podem ocasionar grandes perdas.
Como principal praga da parte aérea, a broca Diatraea continua sendo motivo constante de monitoramento. O controle biológico, feito pela vespinha Cotesia, constitui-se o melhor exemplo clássico de eficiência e a maior área de aplicação desse tipo de controle na agricultura mundial.
Porém, notadamente em regiões mais quentes, como GO, Triângulo Mineiro e oeste de SP, é imprescindível que ele seja associado ao uso de inseticidas e a outro parasitoide de ovos, o Trichogramma galloi, constituindo o que comumente chamamos de manejo integrado de pragas-MIP.
A cigarrinha das folhas também tem causado grandes danos, notadamente na qualidade da matéria-prima. O seu controle biológico através do fungo Metarhizium anisopliae tem sido praticado com sucesso por muitas unidades produtoras, o que mantém a praga abaixo do nível econômico de dano. Porém, dependendo da região e do ano agrícola, têm-se usado intensivamente inseticidas, o que parece estar causando o aparecimento de resistência da praga a alguns produtos. O MIP deveria ser a melhor estratégia nessa situação.
As pragas de solo, embora mais pontuais e localizadas, causam também grandes prejuízos, pelas perdas diretas de colmos produtivos e pela diminuição da longevidade dos canaviais. Muitas delas são de difícil controle, consumindo grande quantidade de inseticidas.
Nesse caso, temos o exemplo mais preocupante dessa nova configuração da importância relativa dos estresses bióticos, que é a expansão recente, na região Centro-Sul, do Sphenophorus levis (que de leve não tem nada) e da broca peluda Hyponeuma. O Sphenophorus é uma praga que encontrou na cana crua um ambiente bastante favorável. Restrito por muito tempo na região de Piracicaba, essa praga de solo está hoje em praticamente todo canavial da região de Ribeirão Preto, grande parte de MG, sendo constatado, no último ano, em GO (regiões de Jataí, Rio Verde e Quirinópolis).
A eliminação mecânica das soqueiras, por ocasião da reforma, é uma medida imprescindível. Deve ser associada ao emprego de inseticidas no sulco de plantio e no corte das soqueiras recém-brotadas em áreas ou reboleiras de ocorrência. A vistoria dos viveiros, assim como a limpeza de máquinas e de implementos nas mudanças de áreas de operação e a limitação de cargas para evitar quedas de toletes no transporte pós-colheita, é medida auxiliar para evitar que a praga se espalhe.
Tem sido utilizado, adicionalmente, o controle biológico, com o fungo Beauveria, em áreas de baixa infestação. Nota-se uma nova interação dessa praga com o uso crescente do sistema de meiosi, onde a “linha-mãe” tem sido um chamariz para os adultos se deslocarem após a eliminação da área intercalar. Isso pode ser considerado como oportunidade de diminuição dos adultos remanescentes, desde que se faça o uso adicional de inseticidas pós-transplantio das “linhas-mãe”.
Outra ocorrência importante é o aumento das podridões de colmos, causadas por Colletotrichum falcatum, provavelmente por causa dos novos manejos e ambientes de produção. Essa doença, apesar de antiga e de ocorrência endêmica, tem, ano a ano, afetado a qualidade da matéria-prima, em muitos casos de maneira significativa. Por enquanto, não temos uma causa raiz perfeitamente equacionada, mesmo porque sua ocorrência tem sido errática e não previsível, assim como não temos verificado resistência varietal ou controle eficiente por fungicida.
Todo esse cenário tem nos causado uma preocupação crescente. Apesar de novos métodos de controle, novas técnicas de levantamento e monitoramento (como drones e agricultura digital), novos fungicidas e inseticidas, novos agentes de controle biológico e de manejo integrado, temos visto o aparecimento de resistência e ressurgência de algumas pragas e doenças.
Pode-se dizer que o setor produtivo sente a falta de pesquisa básica e aplicada que nos auxilie a entender um pouco mais a biologia, a etiologia e, consequentemente, o controle desses agentes que afetam nossa produção. Acreditamos que a recuperação da produtividade passa, obrigatoriamente, pelo fortalecimento da pesquisa no nosso setor.