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José Goldemberg

Professor do Instituto de Eletrotécnica da USP

Op-AA-12

A matriz energética mundial e o Brasil

Montar uma matriz energética é uma forma didática de explicar quais são os tipos de energia usados num dado país (ou no mundo todo) e quanto de cada um é consumido por ano, num determinado ano. A figura abaixo mostra a matriz energética mundial no ano de 2004. Como se pode ver, os combustíveis fósseis - petróleo, carvão e gás, representam 80% do consumo total, ao passo que formas renováveis de energia, 13,6%.

A matriz energética de cada país reflete em parte as suas características locais como, por exemplo, a grande abundância de carvão e petróleo e a escassez de recursos hídricos, mas, graças ao amplo comércio internacional, os combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás) dominam o consumo, na grande maioria dos casos. Este fato reflete as características que o desenvolvimento econômico mundial adquiriu no século 20.

A abundância de combustíveis fósseis e seu custo relativamente baixo permitiram o desenvolvimento de equipamentos, em cujo uso baseia-se a vida das sociedades modernas: automóveis, trens, aviões, geladeiras, aparelhos de ar condicionado, utensílios domésticos elétricos ou a gás. Todos estes equipamentos facilitaram o trabalho humano, substituindo o uso de madeira, que era a principal fonte de energia, usada até o fim do século 18, permitindo criar a civilização como a conhecemos.

A matriz energética dá-nos um método de acompanhar a evolução, ao longo do tempo do uso das diversas fontes de energia, e do impacto que tem sobre elas o desenvolvimento de novas tecnologias. Por exemplo, no Brasil, a gasolina, que era praticamente o único combustível usado nos automóveis, está sendo substituída pelo álcool - etanol da cana-de-açúcar.

O álcool já substitui, hoje, 40% da gasolina que seria usada no país, se ele não existisse. A variação da matriz energética, ao longo do tempo, reflete as alterações no suprimento de diversas fontes, devido a sua escassez e substituição por outras fontes de energia, como é o caso do exemplo acima para o etanol. A mudança de padrões de consumo também pode mudar a matriz.

Por exemplo, o enorme aumento da aviação civil, em muitos países, afeta até a estrutura de refino das empresas de petróleo, porque força a produção de mais querosene, do que óleos pesados, como diesel. Mais recentemente, passaram a existir dois fatores que influem poderosamente na forma como a matriz energética dos países evolui, para reduzir a predominância dos combustíveis fósseis.

1. A necessidade de reduzir os impactos ambientais do uso de energia, e
2. A necessidade crescente de reduzir a vulnerabilidade dos países no suprimento de fontes de energia importadas.

Os impactos ambientais do uso de combustíveis são bem conhecidos e vão desde a poluição local (devido às suas impurezas de enxofre e particulados), até a emissão de gases que provocam o “efeito estufa”, o principal dos quais é o dióxido de carbono, o CO2. A vulnerabilidade do suprimento ficou evidente no Brasil, quando a Bolívia ameaçou suspender as remessas de gás natural para São Paulo, ou pela volatilidade dos preços do petróleo, sensível aos conflitos políticos do Oriente Médio. Por essas razões, a matriz energética mundial está se reorientando para o aumento da contribuição de fontes renováveis de energia, que são, em geral, produzidas localmente, como energia eólica, captação direta de energia solar e o uso de biomassa sob diversas formas - inclusive do etanol da cana-de-açúcar. Em alguns países, como a França e o Japão, a energia nuclear adquiriu um papel bastante importante após a crise de energia dos anos 70, do século 20.

A importância crescente das fontes renováveis de energia tem sido estimulada pelos Governos, como uma forma de resolver os graves problemas apontados acima. A decisão tomada sob a liderança da Primeira Ministra da Alemanha, Angela Merkel, que preside a reunião dos G8, as oito maiores economias do mundo, determina que a Comunidade, como um todo, atinja, no ano de 2020, uma percentagem de 20% de energia renováveis na sua matriz energética que, no momento, é de 6%.

Com esta medida e outras relacionadas à eficiência energética, as emissões de gases que provocam o aquecimento global deverão cair 20% abaixo do nível de 1990. O Brasil tem uma matriz energética muito mais “limpa” que o mundo como um todo, como se pode ver na figura abaixo. Energias renováveis representam 42% da energia total consumida, devido ao fato de que praticamente toda a eletricidade é gerada em fontes hídricas, e não de carvão, como ocorre na maioria dos outros países, além da importante contribuição do etanol, que já representa 6,5% da matriz, sob forma de biomassa moderna.

Observe-se que na matriz energética mundial, existem 8,5% de biomassa tradicional usada de forma pouco eficiente, para cozinhar alimentos ou aquecimento domiciliar, usada, principalmente, nas áreas rurais da África, Sudoeste da Ásia e América Latina. No Brasil, a biomassa tradicional ainda representa 22% do consumo. A modernização do uso da biomassa, da qual o álcool da cana-de-açúcar é o melhor exemplo, é a direção em que evoluem as matrizes energéticas da maioria dos países.