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Marina Silva

Ministra do Meio Ambiente

Op-AA-14

Nós viemos em paz

Um filósofo disse: “o homem só levanta os problemas dos quais é capaz de resolver”. Nós estamos aqui, porque temos problemas. Estaríamos nos enganando se achássemos que não temos. Estaríamos nos enganando, também, se achássemos que não temos boas soluções. O que queremos, nesse momento, é fazer um encontro, um movimento que nos permita transitar, daquilo que não queremos, para o que queremos, da forma mais adequada possível.

Quando o Presidente Lula chamou-me para assumir a pasta do Meio Ambiente, em 2003, em uma de nossas conversas, ele disse: “eu não quero que você faça apenas política de ministério, eu quero que faça política de governo”, e aos poucos eu fui percebendo que, mais do que fazer política de governo, o fundamental é que possamos fazer política de país, porque a melhor forma de ajudarmos os governos é fazendo política de país.

É muito triste verificarmos que determinados processos, às vezes, não têm continuidade. E os processos que têm continuidade, independentemente dos governos, beneficiam, em primeiro lugar, a sociedade e, como conseqüência muito positiva, aquele que está momentaneamente governando. Esse foi o nosso desafio, o nosso termo de referência.

E mais, acrescentamos a ele, um outro marco: Não vamos atuar de forma pirotécnica. Vamos trabalhar em processos estruturantes e duradouros, porque o nosso país é uma potência ambiental. Ainda não somos uma potência econômica, mas já falam que nos tornaremos, em pleno século XXI, com a graça de Deus e muito trabalho, um líder econômico, e, para isto, vamos ter que fechar a equação viabilidade econômica igual a viabilidade ambiental e vice-versa.

Vivemos em um país que tem imensos recursos naturais, terras férteis, um sol maravilhoso que nos dá energia para a produção, água em abundância - 11% da água doce disponível no mundo, sendo bem conservadora, 22% das espécies vivas do planeta, a maior floresta tropical da terra, enfim, uma série de vantagens. Isto nos faz uma potência ambiental.

Porém, ainda temos índices de pobreza que nos envergonham. Em 1999, eu fui vice-presidente da Comissão de Combate à Pobreza, no Congresso Nacional, e nesta época, no Brasil, haviam 53 milhões de pessoas que viviam com menos de 1 dólar por dia. Para reduzirmos a pobreza em 13%, precisaríamos de um investimento de 35 bilhões, durante um período de, pelo menos, 10 anos.

O Presidente Lula assumiu o governo dizendo que iria priorizar as questões sociais. Os investimentos na área social passaram de 7 bilhões, para 28 bilhões, em 4 anos. Tivemos uma redução da pobreza de 19,4%, mas, mesmo assim, o nosso país ainda tem índices de pobreza inaceitáveis. De sorte que a equação ambiental no Brasil passa, necessariamente, por atendermos ao objetivo das metas do milênio, que é fazer com que possamos crescer, para gerar emprego, renda e oportunidades adequadas para os nossos milhões de brasileiros, em bases sustentáveis.




As primeiras edições deste Fórum foram reuniões de trabalho, depois elas passaram a ser apenas um ato político-social para a abertura da Fenasucro, e agora está sendo reeditada para ter novamente a forma de reunião de trabalho. E, porque estamos fazendo esta reedição? Exatamente, porque estamos levantando alguns problemas que precisam ser resolvidos. Se esta reunião estivesse sendo realizada há 10 anos, estariam aqui, o Ministério do Planejamento e o Ministério da Fazenda, para falar de financiamentos e incentivos. Esta seria a equação da época.

Mas, o importante é que possamos perceber que estamos transitando positivamente, que estamos numa linha cumulativa de vantagens, fazendo algo que talvez nem imaginássemos, há 10 anos: no lugar do Ministro da Fazenda ou do Ministro do Planejamento, chamar a Ministra de Meio Ambiente. E por que isto está acontecendo?

O presidente da Unica, Marcos Jank, fez uma citação que me deixou feliz e ao mesmo tempo com o peso da responsabilidade, quando ele disse que queria cuidar dos negócios, mas o que ele tem feito é discutir meio ambiente. Por que eu fico feliz? Quando eu saio do nosso país, de cada dez perguntas que eu respondo, pelo menos três são se os nossos biocombustíveis não serão feitos em prejuízos da Amazônia, da questão ambiental ou da segurança alimentar.

As outras quatro perguntas são feitas sobre o desmatamento da Amazônia e as que restam são feitas sobre temas variados. Esse é um problema que precisamos estar atentos. Estamos aqui com uma determinação de, em primeiro lugar, não fazer discurso fácil, pirotecnia, mas sim, fazer processos estruturantes. Vivemos um momento de crise, semelhante ao de 10 anos atrás.

Contraditório? Como temos crise se as possibilidades para os biocombustíveis são enormes? E são mesmo. Do ponto de vista de adaptação, de mitigação, o Brasil tem produto e tecnologia, tanto metálica, quanto biológica, e podemos ser sim uma alternativa para enfrentar a grande crise ambiental global, que estamos vivenciando.

O problema é que os nossos produtos e a nossa tecnologia têm que responder a equação meio ambiente e problemas sociais, porque esse é um desafio do século XXI. Esse é o nosso desafio. E se nós não formos capazes de fazer isto, vamos ficar à margem da história. Todos nós sabemos que estamos aproveitando um espaço, até que as tecnologias mais modernas de uso de hidrogênio e outras formas, em curso, firmem-se. Vivemos uma oportunidade para o nosso negócio.

De sorte que temos que estar com o pé onde a bola está, resolvendo os problemas do agora, e estar com o olho onde a bola vai estar, antevendo situações e nos preparando. Essa é uma reunião de trabalho, o Fórum tem esse caráter, o esforço que o governo brasileiro está fazendo tem esse caráter, e é isso que nós precisamos fazer, de forma estruturante. Além dos problemas objetivos que enfrentamos, temos questões de caráter político: de fato, as barreiras não-tarifárias existem.

Mas, a melhor forma de desconstituí-las é na prática. E nós podemos fazer esse esforço de certificação da nossa agricultura, da nossa produção de biocombustíveis, de etanol, dentro das condições aprazadas com o nosso calendário, com urgência. Não adianta fazer qualquer remendo, achando que estamos resolvendo o problema.

Estamos sendo observados, e se resolvermos concretamente os nossos problemas, com certeza, vamos desconstituir os discursos e as tentativas de barrar os nossos produtos, com as barreiras não-tarifárias. Existem três formas de nos envolvermos com o meio ambiente. Quero destacar duas delas. Uma é pelo coração. No momento em que ninguém falava de meio ambiente, tinha gente que estava pensando em novas tecnologias, em como resolver o problema da vinhaça, como recuperar as APPs, como fazer para que os biocombustíveis pudessem ser feitos em bases sustentáveis. Estes são os que se envolvem com o coração.

A outra forma é aquela em que as pessoas são movidas pela razão. Esta nos diz que, para termos essa oportunidade de mercado, temos que estar de acordo com as exigências deste. Os consumidores querem muito mais do que um produto, eles querem um conceito, uma visão civilizatória. Mas que visão civiliza-tória é essa? É de que a nossa cana-de-açúcar não vai destruir a Amazônia e não vai gerar problemas trabalhistas inadequados e inaceitáveis por todos nós.

Ninguém vai advogar isto, as pessoas querem ter a oportunidade de optar por um ou outro produto e querem saber se isso foi feito da forma ambientalmente correta, socialmente justa e economicamente viável. Essa é a civilização que está tendo que acontecer e, nesse esforço, o Ministério do Meio Ambiente reorganizou-se e criou uma Secretaria de Desenvolvimento Rural Sustentável, uma Secretaria de Qualidade Ambiental e Mudanças Climáticas e uma Secretaria de Cidadania Ambiental e Relações Institucionais. Aí alguém pergunta: “E por que só agora, e não no início dos primeiros 4 anos de mandato?”

Porque, o que estamos fazendo aqui é em cima de um ganho secundário muito importante: o combate ao desmatamento da Amazônia. Em 2002, ele saiu de 18 mil km², para 23 mil km². De 2003 para 2004, 27 mil km², o segundo maior da história do nosso país. Em 2005, caiu para 18 mil km², em 2006 caiu mais ainda, chegando a 14 mil km², e pretendemos que caia para 9 mil km², até o fim de 2007.

Imaginem como seria este momento, o agora, com o desmatamento crescendo 27%? Por mais que argumentássemos que não é na Amazônia, que é em São Paulo, não adiantaria. A versão já estaria criada. Nós jogamos todas as energias em cima de políticas estruturantes, que pudessem limpar uma base, para quando sugerirmos o zoneamento agrícola, olharmos para as regiões, e não para o empreendimento, com uma visão estratégica.

Hoje, estamos em cima de um processo estruturante. Por isso, agora, é muito bem vinda uma Secretaria de Desenvolvimento Rural Sustentável, para fazermos a interface com o agronegócio, não mais com o olhar da águia, que olha o fígado da presa e diz “eu tenho que atacar”. Como nós fizemos com o setor do desmatamento: 600 pessoas foram presas, 1.500 empresas ilegais foram desconstituídas, 66 mil grilagens foram inibidas e 1 milhão de m³ de madeira foram apreendidos.

Tínhamos que ter a visão da águia, mirando o fígado do contraventor. Em 2002, eram 300 mil hectares, hoje, são 3 milhões hectares de floresta certificada na Amazônia. Por quê? Porque os bons empreendedores não tinham como competir com os que faziam grilagem, trabalho escravo e roubavam madeira em terra de índio. Agora, eles estão se instalando e até os que faziam errado, involuntariamente, porque não tinham alternativa, estão começando a agir corretamente.

O governo e o setor estão fazendo um esforço muito grande. Agora é hora da política do beija-flor. O setor precisa identificar o melhor do pólen no Governo e o Governo precisa identificar o melhor do pólen no Setor, para que possamos fechar a equação e mostrar que a grande oportunidade econômica, social e ambiental, também é uma oportunidade civilizatória.

O Brasil não quer ser a OPEP dos biocombustíveis. O Brasil quer aquilo que lhe é de direito, com a sua capacidade de suporte para a agricultura e para os biocombustíveis. Mas, nós queremos isto também na Ásia, na África, na América do Sul. Isso só a Ministra de Meio Ambiente poderia fazer em um setor tão competitivo. Sim eu posso fazer, porque nesse momento difícil que estamos vivendo só será possível sobreviver a essa crise dos combustíveis fósseis e mudar as economias carbonizadas, se for com visão civilizatória diferente.


E para isso, é preciso uma boa dose de sonho. Vocês vão dizer que é romantismo. Sim, graças a Deus, eu sou romântica mesmo. Quando eu tinha vinte anos de idade, fazia “empate” (movimento de resistência à derrubada da floresta) com o Chico Mendes e as pessoas colocavam a Polícia Federal, a Polícia Militar, o Exército e todo mundo para dar termo de despejo dos nossos barracos nos seringais.

Mas, eu sempre acreditei que o Estado brasileiro poderia defender a Amazônia. Há dois anos, 480 policiais federais desceram no Mato Grosso para fazer um “empate”. Não era mais o Chico Mendes, com velhinhas, crianças, jovens e adolescentes. Sei que isso funciona, e há trinta anos, quem diria? Algo que começou de uma forma difícil, complicada, onde a gente falava de subsídio... Este também teve sua importância, senão não teríamos nos firmado. Mas hoje, nós estamos falando mais. Então os que sonharam e acreditaram estão aqui para ver. Primeiro, acreditaram. Depois, estão vendo. Aliás, a regra nos países em desenvolvimento é crer para ver. Se a gente quiser ver para crer, fica difícil. O meu espírito aqui é de que possamos polinizar as boas idéias de quem está fazendo um ciclo fechado em relação à energia, redução de uso da água, boas práticas de recuperação de mata ciliar e mostrar para os demais que fizemos e deu certo.

E as pessoas que não estão fazendo precisam olhar para os que fizeram e dizer: “eu também quero fazer, eu também quero me tornar legal”. Uma coisa que estamos aprendendo é que não estamos fazendo isso em função da lógica de mercado. Nós estamos fazendo, porque o Brasil quer, os produtores brasileiros desejam e isso vai ao encontro de uma lógica de mercado. O processo é de retroalimentação. A lógica de mercado usa a influência pelo coração e pela razão e assim vamos crescendo.

O que acontece com os nossos processos produtivos? A gente começa fazendo. E quando a gente começa apenas fazendo, a gente erra. Aí tentamos corrigir o erro e descobrimos que as nossas tecnologias, as nossas práticas estão inadequadas. A partir disso, ficamos corrigindo erros em relação à poluição, às mudanças do clima, a uma série de coisas.

Agora, está em curso uma fase maior do que essa. É a fase de prevenir o erro. Precisamos achar o equilíbrio entre corrigi-lo e preveni-lo. A civilização avançou dessa forma, no processo de equilíbrio entre erro e sua prevenção, porque é uma forma muito sofisticada. Isso é o que o Brasil precisa fazer. O nosso país tem uma audiência muito forte nos fóruns internacionais, pela questão ambiental. Ninguém nos ignora. Temos uma discussão de governança ambiental global e foi sugerido que o Brasil liderasse o processo e, recentemente, nós fizemos uma reunião com 22 países.

Meu espírito com o setor sucroalcooleiro é de que possamos pegar tudo o que está sendo demandado, num esforço supletivo do Ministério do Meio Ambiente, e resolver o problema que vocês identificam. Existe uma falta de coerência, com o município fazendo um regramento e o Estado outro. É claro que existem as especificidades regionais, mesmo porque a constituição faculta como competência dos estados fazer o licenciamento ambiental. Mas, isso nós temos que tratar.

É possível que se possa pensar em termos de regras mais abrangentes, para que todos possamos seguir. Fizemos isso no licenciamento ambiental para o setor florestal. O setor estava vivendo um apagão florestal. Nós consumíamos 500 mil hectares de floresta plantada ao ano e estávamos produzindo 250 mil hectares, logo, haveria um déficit de produção. O setor era independente e respondia por quase5% do PIB do Brasil. Começamos a trabalhar.

Hoje, já estamos plantando 700 mil hectares de floresta por ano. Alcançamos as metas de 2006, em 2005, e as do ano de 2007, em 2006, e assim sucessivamente. Graças a essa visão estruturante, este setor é altamente modernizado. No Canadá, a indústria de papel e celulose usa floresta nativa, o Brasil só utiliza floresta plantada. É uma vantagem diferencial para nós, e ainda são tratados como floresta.

De maneira que eu vejo, nos biocombustíveis e no setor de produção de álcool, grande potencial econômico, social e ambiental, desde que se resolvam as equações. Eu não passo por cima delas de forma estruturante, cumulativamente ou processual. Com os problemas sociais que temos, associados aos postos de trabalho, ainda que precários, nem o governo e nem a sociedade podem fazer vistas grossas para o problema no desejável processo de mecanização.



Esse fórum de trabalho é semelhante à idéia do sábio, que mandou o seu discípulo buscar água no rio com um cesto. Ele enchia o cesto e voltava, enchia de novo o cesto e voltava. Até que ele decidiu parar e disse que assim não encheria a caixa d’água. O sábio indagou: “você acha que não está acontecendo nada?”, e pediu para que ele olhasse para o cesto.

Ele olhou e percebeu que, no início, o cesto estava bem sujo, cheio de folhas, cheio de barro e que agora estava completamente limpo, permitindo-se que se vissem os detalhes de sua trama e sua beleza. A semelhança dessa história com nosso trabalho é que, às vezes, quando nos reunimos, a sensação é essa, que estamos tentando encher a caixa d’água com um cesto. A gente fala, fala e fica tudo do mesmo jeito, ninguém resolve nada. Mas, se repararmos, muitas coisas já andaram.

As licenças ambientais eram, em média, até 2003, 145 por ano. Hoje, são 272. O setor de licenciamento tinha 7 funcionários efetivos, 90% eram contratos temporários. Talvez, os problemas identificados pelo setor sucroalcooleiro eram por falta de preparo das pessoas que faziam o processo de licenciamento e os processos negociais. Hoje, 90% do quadro são de efetivos, com mestrado, doutorado e especialização. Havia 45 hidroelétricas judicializadas, hoje 272 licenças, nenhuma delas judicializada.

Resolvemos o problema dos bagres, dos sedimentos, da malária e até as questões tecnológicas. Quando dizíamos que não dava para fazer uma alagação oito vezes maior do que o que é perenizado, durante o período de cheias do rio Madeira, a tecnologia e a ciência vieram ao nosso socorro e apresentaram uma alternativa das turbinas de bulbo e o empreendimento ficou com um lago oito vezes menor. E, a licença foi dada com segurança.

Essas reuniões que temos feito são como se estivéssemos limpando o cesto, para vermos com clareza a natureza dos problemas, porque o preconceito dos ambientalistas em relação ao setor produtivo, praticamente, não existe, para não ser muito radical. Durante muito tempo queríamos que o setor produtivo fizesse alguma coisa pelo meio ambiente e, nesse momento, são os ambientalistas que estão fazendo pelo desenvolvimento, apresentando alternativas tecnológicas, porque a sociedade exige, a capacidade de suporte do planeta exige e a tecnologia e o conhecimento, graças a Deus, existem.

Enfim, com o cesto limpo, esse trabalho estruturante virá calçar a vontade política, a decisão ética do setor de produção de biocombustível e etanol de fazer disso uma grande oportunidade, com sustentabilidade econômica, ambiental, social, cultural, política e ética. Essa discussão não é inócua, porque estamos estruturantemente levando a sério, conversando com todos os segmentos, com a comunidade científica, com as ONGs, com as populações locais, sem nenhum preconceito, para podermos ter uma solução, que não será desse governo, mas sim, do nosso país.