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Melchiades Donizeti Terciotti

Diretor Comercial do Grupo Nova América

Op-AA-08

O álcool em fases

O mercado de álcool carburante pode ter o seu processo evolutivo dividido em três fases. A primeira começou em 1975, com a criação do Proálcool, marcando o início do desenvolvimento desta indústria no Brasil. Quinze anos depois, na década de 90, o álcool combustível entrava no seu segundo estágio, com a desregulamentação do setor.

Este se caracterizou por ser um período de grande adaptação dos modelos de gestão e de pesados investimentos, principalmente, na cadeia produtiva (agrícola e industrial), buscando garantir a competitividade necessária, para sobreviver num mercado de economia aberta. Atualmente, vivemos a terceira fase deste combustível, com a tecnologia dos motores bicombustíveis e a profissionalização da gestão e comercialização dos principais grupos econômicos atuantes no setor, onde se vislumbra um forte período de expansão da demanda.

Acredito ser conhecimento comum dos agentes que, direta ou indiretamente, atuam nestes mercados (sejam eles fabricantes, fornecedores de equipamentos e insumos, operadores logísticos, corretoras, etc), assim como dos órgãos governamentais relacionados à atividade, que os cenários de demanda, traçados para os próximos anos, apontam uma excepcional tendência de crescimento da necessidade de moagem de cana-de-açúcar, em função dos movimentos esperados, tanto no mercado interno, quanto no externo, para o açúcar e o álcool.

Sob o ponto de vista da produção nacional, embora o mercado de açúcar tenha uma contribuição relevante neste crescimento, principalmente no que se refere aos produtos destinados ao mercado externo, percebemos claramente que os principais fatores de expansão referem-se ao segmento de álcool combustível, tanto lá fora, quanto aqui dentro.

No mercado externo, questões relativas ao impacto ambiental dos combustíveis fósseis e a elevação do preço do petróleo têm, dentre outros fatores, estimulado a demanda pelo álcool brasileiro. Certamente, a experiência tem nos mostrado que este processo ocorre de forma gradual. Embora o Brasil tenha dobrado as exportações de álcool no último ano, estas ainda representam pouco mais de 15% da produção.

Na verdade, a construção de um mercado externo consumidor pressupõe a transposição de algumas barreiras de ordem estrutural ou mesmo nacional, como o desenvolvimento de uma infra-estrutura logística adequada para o escoamento destes volumes, a necessidade de padronização do álcool para comercialização no mercado internacional e, principalmente, o acesso aos potenciais mercados consumidores, por exemplo, pela redução de barreiras tarifárias.

No mercado interno, é necessário considerar duas realidades de produto. Se por um lado, o álcool anidro tem seus volumes formalmente atrelados ao consumo de gasolina, atualmente, numa proporção de mistura de 20%, por outro, a introdução dos veículos bicombustíveis, que já representam cerca de 80% da venda de veículos de passeio no país, atrelada a uma paridade favorável de preços na bomba entre o álcool-gasolina (abaixo de 70%), têm alavancado o consumo de álcool hidratado.

Apesar deste cenário de demanda crescente, tanto no curto, quanto no longo prazo, a volatilidade dos preços destes produtos, principalmente, entre os períodos de safra e entressafra, tem se mostrado como um entrave considerável ao processo de expansão da produção. Os dados históricos demonstram que variações de preço, acima de 50% entre estes períodos, não são incomuns.

Se por um lado, esta volatilidade eleva consideravelmente os riscos envolvidos no processo de expansão da capacidade produtiva, por outro, também impacta a opinião pública. É importante destacar que, nas últimas três safras, o álcool combustível atingiu patamares de preço muito semelhantes aos atuais, o que indica que a atual repercussão, mais caracterizada nesta última safra, está relacionada não somente aos patamares de preço, mas também à sua volatilidade.

Tecnicamente, existem muitas alternativas a considerar para amenizar tais variações de preço, tais como estoques reguladores, contratos de longo prazo com distribuidoras, operação de mercados futuros (BM&F), seja negociando contratos padronizados ou mesmo por meio de warrants, etc. Embora haja uma tendência natural à proposição da alternativa de estoques reguladores, vale reforçar que a proposta do setor produtivo para esta questão não se refere ao financiamento das operações com o uso de dinheiro público.

No atual estágio evolutivo do setor, a condição ideal de operação é aquela onde não haja qualquer intervenção (ou proteção) por parte do governo, de forma que o mercado possa operar livremente. O que se busca é que sejam implantadas políticas governamentais que gerem condições mínimas para o desenvolvimento da produção, de forma sustentada, visando um horizonte de longo prazo.

É papel do estado destinar recursos, ainda que em parceria com a iniciativa privada, para garantir a infra-estrutura mínima necessária à implantação de uma logística adequada e equilibrada nos diversos modais, inclusive os retro-portuários (áreas de manobra, estocagem, etc). À iniciativa privada cabe estabelecer contratos de médio e longo prazo, principalmente, entre produtores e distribuidoras, de forma a gerar estímulos e garantias, tanto para a produção, quanto para o consumo e, assim, assegurar o abastecimento.

Cabem a todos os agentes estimular e desenvolver mecanismos maduros de mercado, que permitam gestão e financiamento, como contratos futuros (BM&F), que sinalizem expectativas e necessidades e permitam precificações com a antecedência, transparência e liquidez necessárias. Não se pode considerar a possibilidade que estas questões de curto prazo comprometam um projeto maior de desenvolvimento de toda a cadeia, tanto para atendimento do mercado interno, quanto do externo. Neste último caso, devemos considerar que o adequado atendimento do mercado nacional eleva a credibilidade, não apenas do setor, mas do país, como um fornecedor confiável de energia alternativa.