Presidente do Conselho de Administração da UNICA e Presidente da Bunge Brasil
Op-AA-32
Como acontece em todos os setores industriais, a tecnologia tem um papel fundamental na indústria da cana-de-açúcar. Apesar da aparente simplicidade das operações desenvolvidas há décadas, seja no campo ou na indústria, existe uma revolução tecnológica em marcha no campo, na indústria e no mercado de produtos derivados da cana, de que muitos não se dão conta.
Novas variedades de cana-de-açúcar, sistemas de plantio mecanizados, trato da cultura agrícola com o apoio de sistemas georreferenciados e mapas de satélites, reciclagem de bioderivados do processo produtivo por meio de fertirrigação e compostagem, combate biológico a pragas e colheita mecanizada estão entre os setores onde a inovação tecnológica tem avançado na atividade agrícola, que precisa progredir cada vez mais.
Afinal, essa é a área mais sensível e complexa do setor sucroenergético, na qual os elementos da natureza necessitam ser compreendidos, respeitados e utilizados com sabedoria, em favor da produção e da produtividade. Sem tecnologia, a atividade agrícola estagna, decai e pode perder sua significância estratégica e econômica.
Isso vale também para sistemas de produção de cana orgânica, em que o avanço contínuo do conhecimento relativo aos elementos que integram o sistema produtivo é determinante para o seu desenvolvimento.
Na indústria, a inovação tecnológica não é menos importante, e a busca por redução de custos, aumento da eficiência operacional e desenvolvimento de novos produtos forma a base do que se convencionou chamar de biorrefinaria. A diferença entre uma usina convencional e uma biorrefinaria não é apenas semântica.
A biorrefinaria é um conceito onde a produção é planejada de forma a possibilitar sinergias e a integração dos processos industriais para a fabricação de um portfólio de produtos, de forma otimizada e lucrativa, o que necessita ocorrer simultaneamente com a minimização do consumo de matérias-primas, insumos e recursos naturais e a redução ou a eliminação de resíduos e poluentes.
Na biorrefinaria, é possível associar processos de produção de etanol de primeira geração com tecnologias que vêm sendo desenvolvidas para produção de etanol de lignocelulose (etanol de segunda geração), de butanol e de diversos hidrocarbonetos.
Também podemos combinar a energia térmica e elétrica gerada pela combustão do bagaço e da palha da cana com a energia do biogás derivado do tratamento da vinhaça em biodigestores. Sobrou bagaço? Não tem problema, pois existem diversas possibilidades para o seu aproveitamento.
As alternativas cobrem desde a utilização do produto para alimentação de gado até a produção de pellets e de briquetes para uso como combustível em fornalhas, passando por seu uso para a fabricação de painéis de aglomerado, papel e produtos de artesanato.
Outra possibilidade é a gaseificação do bagaço para produção de gás de síntese, matéria-prima para a produção de diversas substâncias de interesse industrial. Igualmente, pode-se também pensar na pirólise, outra tecnologia que pode produzir óleos, gases e materiais sólidos que podem ter diversas utilidades.
É oportuno lembrar que praticamente todos os produtos consumidos atualmente têm, em sua composição ou fabricação, vários produtos químicos que podem ser derivados da biomassa da cana. É a química verde chegando, o que representa uma oportunidade para poder reduzir a extrema dependência do mundo em relação às matérias-primas fósseis, que são finitas e contribuem para a emissão de gases de efeito estufa.
Avanços no campo também trazem inovação no processamento industrial da cana. Por exemplo, o desenvolvimento da colheita mecanizada requer mudanças no processo de limpeza da cana antes de sua moagem, com a substituição da lavagem úmida por limpeza a seco.
Essa mudança de tecnologia não apenas atende às necessidades de limpeza da cana picada, pois limita as perdas de açúcares, mas também economiza grandes volumes de água, recurso cada vez mais escasso e que precisa ser preservado.
Tudo isso não é ficção. Diversas empresas do setor sucroenergético já utilizam muitas das tecnologias e conceitos aqui mencionados, representando uma aproximação real do ideal da biorrefinaria. Outras estão atentas às oportunidades que a tecnologia oferece e sabem que precisam evoluir para garantir a sobrevivência.
O mercado de produtos derivados da cana também é solo fértil para o desenvolvimento tecnológico, que evolui continuamente. O etanol não é apenas um combustível que pode ser utilizado puro ou misturado à gasolina em automóveis e motocicletas.
Seu uso já chega também a aviões agrícolas e motores a diesel, sozinho ou combinado com óleo diesel em motores bicombustíveis. Também pode ser utilizado em turbinas para geração de energia elétrica e em pequenas caldeiras, onde substitui o gás liquefeito de petróleo ou o gás natural, sempre com vantagens ambientais.
O açúcar não é mais apenas alimento. É, também, matéria-prima para a produção do PHB, plástico biodegradável que, gradualmente, vem ganhando atenção. Polietileno verde e PET derivado de planta, ambos produzidos a partir do etanol, são expressões que viraram marcas do novo século e que já se consolidam como casos de sucesso no setor de plásticos. Em futuro próximo, teremos o polipropileno verde e o PVC ecológico, produtos também produzidos a partir do etanol.
O mercado de bioplásticos vem crescendo rapidamente e representa hoje uma interessante oportunidade para os produtores de etanol em relação ao mercado de combustíveis. Enquanto empresas do porte da Braskem, Dow e Solvay dominam as tecnologias de produção de bioplásticos, outras, não menos importantes, como
Coca-Cola, Johnson&Johnson, Danone e Heinz, vêm promovendo o uso desses produtos em grande escala nas suas embalagens.
Outros produtos derivados da cana vêm sendo produzidos em escala piloto e testados. São substâncias com aplicação nas áreas de lubrificantes, cosméticos, produtos farmacêuticos, aditivos químicos e combustíveis aeronáuticos, com elevado valor agregado e que poderão se tornar, em menos de uma década, fontes de lucro para o setor sucroenergético, que, até lá, talvez possa vir a ser chamado de sucroquimicoenergético.
O potencial de inovação no setor de açúcar e de bioenergia, a capacidade de alavancar novas tecnologias e de aumentar a produtividade e a excelência industrial geram empregos e riquezas com novos usos para produtos derivados da cana, que, antes, pareciam inimagináveis e, hoje, já são possíveis.
Algumas empresas do setor no Brasil já se movimentam na busca dessa tecnologia e criam alternativas produtivas, como a utilização de microalgas altamente eficientes que, por meio de reações químicas, convertem açúcares em óleos especiais utilizados na produção de detergentes e sabões. São óleos customizados, que, antes, precisavam ser importados e, agora, podem ser produzidos no Brasil, a partir do açúcar extraído da nossa cana. Esse mesmo tipo de tecnologia também está sendo testada na produção de biodiesel.
Diversas empresas, centros de pesquisa e agências governamentais que financiam pesquisa e desenvolvimento tecnológico estão engajados na busca por soluções inovadoras para os desafios que o setor sucroenergético enfrenta.
O esforço é grande, mas os recursos ainda são muito pulverizados e relativamente modestos em comparação com as reais necessidades de um setor em que o Brasil se destaca há vários anos e é motivo de orgulho. É preciso, portanto, que políticas públicas e iniciativas público-privadas, voltadas para a inovação tecnológica na indústria da cana-de-açúcar, sejam ampliadas para expandir o leque de iniciativas já em andamento e estender a sua aplicabilidade para um horizonte de médio e longo prazo.
O futuro para a tecnologia na indústria da cana-de-açúcar já chegou e pode ser visto em todas as áreas de suas atividades e na cadeia de valor de seus produtos. As perspectivas em médio prazo são de que o setor volte a crescer e se fortaleça para desempenhar o papel que deve ter na economia nacional, gerando, cada vez mais, empregos, renda e benefícios ambientais.
Não podemos esquecer que, se por um lado, recursos financeiros são vitais para o desenvolvimento da indústria da cana-de-açúcar, por outro, o capital humano e a tecnologia são o cérebro e os músculos dessa atividade.