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Evandro Gussi

Presidente da Unica

OpAA75

Políticas públicas de tributação dos combustíveis
Há quase meio século, o economista Milton Friedman declarou, em um célebre programa de televisão dos Estados Unidos, que "a melhor maneira de lidar com a poluição era estabelecer um imposto sobre o custo dos poluentes emitidos por um carro, como incentivo para manter baixa a quantidade de poluição". Influente pensador das ciências econômicas do século XX, Friedman alicerçava ali o que, décadas mais tarde, viria a ser política instituída em diversos países, como resposta a um dos mais urgentes problemas da humanidade: a crise climática.
 
Em todo o mundo, a transição energética para a mobilidade de baixo carbono ocorre, principalmente, via subsídios, diferencial tributário e mercado de carbono. Muitos países têm optado pela carbon tax, um “imposto” cobrado sobre as emissões de gases que agravam o efeito estufa, precificando, assim, as externalidades negativas dos combustíveis fósseis. A ideia é impulsionar a redução das emissões de dióxido de carbono equivalente (CO2eq), tendo como objetivo final desacelerar o aquecimento global em até 1,5 ºC, como pactuado no Acordo de Paris.
 
A Finlândia foi o primeiro país do mundo a introduzir uma “taxa de carbono”, em 1990. Posteriormente, muitos países seguiram o exemplo e introduziram suas próprias versões. Atualmente, existem 92 iniciativas de precificação implementadas, agendadas ou em análise, segundo levantamento da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia. Chile, Colômbia, México, Canadá, Suíça e Japão são exemplos de países que já implementaram carbon tax, o imposto sobre carbono. 

Para se ter ideia da dimensão desse mecanismo no debate internacional, em janeiro de 2019, economistas publicaram uma declaração no Wall Street Journal, dos Estados Unidos, pedindo um imposto sobre o carbono, descrevendo-o como "a alavanca mais econômica para reduzir as emissões de carbono na escala e velocidade necessárias". Em outubro de 2021, a declaração havia sido assinada por mais de 3,6 mil economistas, incluindo 28 ganhadores do Prêmio Nobel.

A utilização de tributos parafiscais (como o carbon tax) tem inúmeros pontos positivos e merece sempre nossa atenção. No entanto, o mercado de carbono, precificando-se as emissões evitadas ou mesmo a sua captura, tem se revelado como uma maneira ainda mais eficiente de precificar externalidades, nesse caso, positivas. No Brasil, uma política de mercado de carbono teve início com o RenovaBio, a Política Nacional de Biocombustíveis, que visa expandir a produção de combustíveis renováveis, fundamentada na previsibilidade e sustentabilidade ambiental, econômica e social. 

Um dos instrumentos do RenovaBio é o Crédito de Descarbonização, o CBio, que oferece oportunidade de compensação de emissões para setores da economia com maior custo de mitigação. Diferente do imposto sobre o carbono, cada CBio representa uma tonelada de CO2eq que deixou de ser emitida graças à substituição de combustíveis fósseis. Essa substituição ocorre, por exemplo, com a opção pelo etanol em vez da gasolina no abastecimento do veículo. 

O uso de etanol no Brasil, e em outros países, vem contribuindo sistematicamente para a redução de emissões de CO2eq na atmosfera. O etanol emite até 90% menos CO2eq do que o combustível fóssil. Desde que a tecnologia flex foi lançada no Brasil, em 2003, aproximadamente 600 milhões de toneladas de dióxido de carbono deixaram de ser lançadas na atmosfera, impactando positivamente a saúde de milhões de pessoas e o meio ambiente. 

Uma forma de fomentar a escolha pelo substituto renovável é garantir a competividade dos biocombustíveis por meio de instrumentos fiscais. São conhecidos os impactos positivos da diferenciação de tributos no estado de São Paulo, onde foi instituída a política de alíquotas de ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias) diferenciadas para gasolina C (25%) e etanol hidratado (12%). A opção pelo biocombustível proporcionou, entre outras positividades, uma bem-sucedida experiência para o controle das emissões de poluentes na cidade de São Paulo, quarta maior do mundo, que contabiliza baixos índices de poluição atmosférica, segundo a plataforma internacional IQAir.
 
Sob essa perspectiva, o Congresso Nacional aprovou, em julho de 2022, a Emenda Constitucional 123, que altera o Artigo 225 da Constituição, para estabelecer um regime fiscal diferenciado para os biocombustíveis. A decisão veio em resposta à medida, na contramão do mundo comprometido com a sustentabilidade, que zerou os tributos dos combustíveis até 31 de dezembro de 2022, período reconhecido juridicamente como “estado de emergência”. Após esse prazo, estaria vedada a fixação de alíquotas sobre a gasolina e o etanol em percentual superior ao vigente quando da publicação da regra. Prorrogações da medida seriam inconstitucionais.  

Ao fixar o diferencial tributário para biocombustíveis, os legisladores corrigem possíveis distorções de mercado, incoerentes com o compromisso com energias de baixo carbono, promovendo um meio ambiente ecologicamente equilibrado. 

De acordo com o Artigo 225 da Constituição Federal, “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. É disso que se trata.

Quase meio século depois de Friedman, a quem cabe a conta ambiental dos agentes poluidores está no cerne dos debates sobre transição energética. Obviamente não existe um modelo único, e a escolha da rota mais adequada para cada país está sujeita a uma série de fatores, como as características produtivas, o perfil da matriz energética, a aceitabilidade política da medida, o apoio da sociedade e a sinalização dos impactos nos indicadores socioeconômicos, além da situação fiscal em que o país se encontra.

Mas uma coisa é certa: a precificação de carbono é uma ferramenta muito importante para o cumprimento das metas do Acordo de Paris. E, para além dos benefícios ambientais, pode criar um ecossistema fiscal para os governos, incentivando o desenvolvimento de diversos setores da economia, com geração de emprego e renda no País. Temos, no Brasil, um enorme potencial para fazer negócios, descarbonizando. E queremos descarbonizar, fazendo negócios.