Nesses cinco anos liderando um dos maiores grupos do segmento sucroalcooleiro, virei um apaixonado pelo agronegócio e um entusiasta da energia que vem do campo. Desembarcando no setor depois de mais de duas décadas no segmento de distribuição de combustíveis, pude, ao longo desse tempo, desfazer preconceitos, eliminar paradigmas e virar um grande admirador dos empresários, profissionais e consultores do segmento sucroalcooleiro, pessoas que, antes, não estavam no meu radar. Ganhei novos ídolos.
Descobri, ao longo desses anos, um setor vibrante, sofisticado, resiliente, num processo eterno de melhoria contínua. Um setor enraizado nos mais diversos locais desse imenso País e que reflete, como poucos, a alma nacional e a capacidade de superação do povo brasileiro. Um setor plural, diversificado, multifacetado, polivalente, composto por agricultores, industriais, experts em logística, exímios operadores nos mercados de moeda e commodities, formando um sistema complexo e sofisticado.
Desenvolvemos nossa atividade no Brasil, porém estamos 24 horas por dia antenados ao que acontece no mundo. Moendas esmagam cana nos mais longínquos rincões do País e, ao mesmo tempo, estamos sintonizados a Nova York ou a Londres. O que acontece na Índia, na Tailândia, na Austrália pode passar despercebido para a maioria da população, mas, para nós, é de extrema relevância. Poucos setores são tão globalizados e tão conectados como o nosso.
Essa não é uma área para amadores. Aqueles que se sobressaem no agronegócio e, em particular, no setor de açúcar e etanol, podem, certamente, dar conta de qualquer outro desafio. O País deveria valorizar mais e aprender mais com a capacidade de superação e adaptação dos “agroempreendedores”.
Aprendi muito nos últimos anos, mas, para algumas perguntas, não obtive respostas: por que, apesar de sua relevância inquestionável e todo o conhecimento e competência que existem no setor, ele não consegue estabilizar-se? Por que persiste a impressão de que estamos sempre na defensiva, vulneráveis, sempre com o pires na mão em busca de algo, de uma solução definitiva que, finalmente, trará menos turbulências e mais previsibilidade? Talvez somente uma avaliação antropológica, um vasculhamento na gênese do segmento, uma grande terapia em grupo possam, enfim, trazer respostas a essas questões.
Ano após ano, sucedem-se batalhas contra algum inimigo, real ou imaginário; a todo momento, temos algo ou alguém contra o quê ou quem lutar. A Petrobras, com seu congelamento de preços, e o Governo Federal, com sua irracionalidade no tocante ao tratamento tributário dos combustíveis, foram os malvados favoritos do setor por um longo tempo. O etanol importado, o carro elétrico e os detratores do açúcar juntaram-se mais recentemente à liga de vilões que assombram o segmento.
As distribuidoras de combustíveis, o elo que comercializa nossos produtos, também, de tempos em tempos, viram os inimigos da vez, e, eventualmente, com menos ênfase, escolhemos um inimigo externo, algum país que subsidia e protege seu mercado e sua produção local. Lutar contra algo ou alguém, postar-se na defensiva tem sido a principal estratégia do setor. Por que não pensamos estrategicamente e, ao invés de buscarmos adversários, não buscamos aliados?
O ano que se encerrou trouxe aquela que considero a melhor iniciativa dos últimos tempos para o segmento, uma mudança completa de posicionamento, deixamos de reagir e fomos propositivos, deixamos de combater e atraímos aliados, assim surgiu o Renovabio. Confesso que fui cético quando ouvi falar desse programa no início de 2017. Não acreditei que o setor conseguiria se articular e se organizar para desenvolver algo tão sofisticado e muito menos transformá-lo em realidade em tão pouco tempo. Pessoas brilhantes, abnegadas, altruístas e despidas de vaidade encabeçaram o processo e conseguiram um feito que pode, enfatizo, pode vir a ser um divisor de águas para o setor.
Digo pode, pois temos várias etapas ainda a serem superadas, bem como entendo que não serão apenas regras ou mandatos que garantirão a estabilidade que o setor tanto almeja. O Renovabio trilhou uma trajetória muito bem-sucedida devido, principalmente, às alianças que foram construídas; o programa não teve adversários. O Governo, a indústria automobilística, a Petrobras, o Sindicom, a ANP, o setor de grãos e o meio acadêmico, que ou ajudaram ou, pelo menos, não atrapalharam.
Essa estratégia precisa ser preservada antes do desafio maior, que será trazer a sociedade para o nosso lado e, mais ainda, ser copiada em outras iniciativas. Alianças produzem mais bem-estar, progresso e riqueza do que batalhas. A felicidade de ter feito um foguete que chegasse à lua certamente foi muito maior de que ter lançado uma bomba que venceu uma guerra.
É muito provável que, quando o programa estiver regulamentado, o setor tenha que se deparar com um ambiente competitivo muito mais difícil do que estamos acostumados. O Brasil é o 3º maior consumidor de combustíveis do mundo e, com a estagnação de sua capacidade de refino, tende a ser um dos maiores importadores de derivados de petróleo do mundo; o Renovabio pode atenuar esse movimento, mas não mudará a realidade.
O Brasil será cada vez mais um mercado imenso e atrativo (uma vez mantida a atual política de preços da Petrobras) para todas as tradings e grandes empresas petrolíferas do mundo. Todas, e eu repito, todas, sem exceção, estão de olho no Brasil como destino certo para o fluxo intenso de derivados de petróleo que existe no planeta. O setor precisa se preparar para competir com a gasolina barata, que, dessa vez, não será da Petrobras, que virá de todos os cantos do mundo em busca dos tanques dos automóveis brasileiros; ao invés de nos preocuparmos apenas com o etanol importado, precisamos estar atentos a todo e qualquer combustível que virá para o País para competir com o etanol aqui produzido.
Como se preparar para essa realidade? Além do Renovabio, que mais podemos fazer para estarmos prontos para essa nova etapa? É preciso repensar o produto, aprender a vender suas qualidades, buscar cativar as mentes e os corações do consumidor. É preciso se aproximar da cadeia de distribuição, do varejo, desenvolver parcerias, aprimorar a comercialização do produto. Não falo aqui da venda direta, o que considero um desatino e uma ideia que vai na contramão das alianças que o Renovabio desenvolveu.
A venda direta parece um caminho tentador e atrativo apenas para aqueles que nunca militaram na distribuição, que não imaginam as dificuldades de se relacionar com mais de 40.000 postos em todo o Brasil. Ter acesso ao mercado bandeira branca parece uma boa ideia para quem não precisa disputar diariamente vendas com as dezenas de distribuidoras especialistas no assunto espalhadas no País. Brigar pela venda direta do etanol é abrir o flanco para que as refinarias e os importadores possam também vender diretamente para os postos e consumidores, ou seja, é abrir a caixa de pandora.
A oportunidade na qual eu insisto diz respeito a uma melhor exploração da cadeia de valor e principalmente de um aprimoramento da comunicação com o consumidor. Somos produtores e nisso somos muito bons. Da usina para dentro, somos imbatíveis mundialmente; da usina para fora, temos muito o que aprender e, no tocante a vender combustíveis, a acessar os revendedores e os consumidores, somos amadores, apesar de que, de tempos em tempos, achamos que podemos jogar nesse mercado no mesmo nível dos profissionais. Ledo engano, que pode custar caro.
Se queremos que o etanol conquiste seu espaço em definitivo, precisamos nos aliar à cadeia de distribuição e de varejo, não competir com eles; não lutar contra eles, mas sim buscar pontos em comum, sinergias que possam ser exploradas. Imaginemos que as bombas de combustíveis são como as prateleiras dos supermercados, onde vários produtos competem pelo melhor local e onde várias estratégias são desenvolvidas para se chamar a atenção do consumidor; se não temos acesso direto a essas prateleiras, e não será a venda direta que nos dará esse acesso, como, então, poderemos melhor aproveitar esses espaços?
Esse é o debate que deveríamos estar travando previamente à chegada do Renovabio. Somente através de uma atuação conjunta, organizada e planejada em conjunto com as distribuidoras e os postos, visando valorizar o etanol no ponto de vendas, conseguiremos agregar valor ao produto e fidelizar o consumidor.
O consumidor precisa se habituar a usar o produto, não podemos apenas atraí-lo quando precisamos baixar os estoques para depois força-lo a trocar de bomba, quando não há produção suficiente. O mesmo compromisso que desejamos ter com o consumidor também precisaremos assumir e manter com ele. Maneiras de organizar a produção, compartilhar sinergias e reduzir custos na cadeia de distribuição existem várias.
Alguém precisa dar o primeiro passo, demolir esse chinese wall e trazer para o segmento os preceitos da economia colaborativa. O tremendo sucesso de empresas que facilitam o compartilhamento e a troca de serviços e objetos é uma prova de como a adesão a essa tendência global está longe de atingir um ápice. Uber, Airbnb e tantas outras que o digam.