Presidente da Datagro
Op-AA-33
Já são decorridos 37 anos da criação do Proálcool, programa que criou as condições iniciais para que se desenvolvessem a produção e o consumo em larga escala de etanol combustível e deu o primeiro passo consistente na direção da diversificação da produção, antes basicamente açucareira.
Uma segunda etapa de diversificação está em plena fase de desenvolvimento, através da ampliação da cogeração a partir de resíduos da cana, e outra começa a dar sinais de desenvolvimento na direção da transformação biológica da sacarose e dos resíduos agrícolas. Os benefícios dessa diversificação são conhecidos e estão comprovados e se estendem à area econômica, social e ambiental.
Foi plenamente atingido o objetivo de promover o desenvolvimento descentralizado e a melhor distribuição de renda, geralmente esquecidos nas análises sobre os motivos que nortearam a decisão de levar avante esse projeto, à época pioneiro no mundo. Quando foi criado, não se contemplava ou imaginava possível o benefício ambiental, que acabou se tornando um dos seus principais pilares de sustentação, pela redução de emissões veiculares locais, e a mitigação de emissões globais de gases causadores do efeito estufa.
O Brasil conseguiu criar uma indústria integrada e flexível na produção de açúcar, etanol e eletricidade de biomassa e conseguiu atingir uma escala de substituição de gasolina inigualada até hoje, e invejada, em todo o mundo – 44,6% de substituição de gasolina em 2010, enquanto, nos EUA, esse índice é de 9,5%, com a meta de 20% para 2022, e na União Europeia é de 3,4% (incluindo biodiesel), com a meta de 10% para 2020.
Nos últimos 4 anos, a produção sofreu reveses que advieram da crise financeira de 2008/09, o que levou a uma redução do ritmo de renovação e, portanto, ao envelhecimento dos canaviais e de sucessivas condições climáticas anormais desde 2009. Primeiro, pelas chuvas muito acima do normal em 2009, e depois pelos anos seguidos de seca em 2010, 2011 e primeira metade de 2012. Mas não têm sido apenas esses os problemas.
No mesmo período, o setor teve que conviver com a necessidade de realizar investimentos enormes na mecanização do plantio e da colheita e de se adaptar a esse novo modo de produção. Um esforço grande de treinamento e requalificação de mão de obra já foi feito e continua em andamento.
O setor tem sido alvo frequente de exigências cada vez mais estritas nas áreas trabalhista, ambiental e no transporte de cana. E, se na operação as coisas ficaram mais difíceis, na comercialização e na competitividade não é diferente.
Diminuiu a competitividade, antes imbatível e sem comparação no mundo. Os custos dos insumos subiram, e o seu impacto, magnificado pela perda de rendimento advinda do canavial envelhecido e pelo clima adverso.
A moeda local valorizada e o controle artificial sobre o preço da gasolina desde setembro de 2005, em flagrante repetição do erro cometido no período de 1985-89, amplificaram a perda de competitividade. Os investimentos de expansão da capacidade de moagem diminuíram drasticamente.
Enquanto, em 1989-90, se discutia como contornar ou evitar o desabastecimento da frota dedicada a álcool, hoje em dia, a frota flex simplesmente passou a usar mais gasolina, forçando a Petrobras a importar volumes crescentes de gasolina, pagando um preço alto para isso, pois o preço de importação é superior ao valor que obtém com a sua venda no mercado interno.
Entre janeiro e junho deste ano, a Petrobras já importou 1,94 bilhão de litros de gasolina, a um preço médio FOB de US$ 0,81/litro, bem acima do preço de realização da gasolina nas refinarias, contra apenas 411,55 milhões de litros em mesmo período de 2011. O objetivo propalado, como nos anos 80, é o controle da inflação. Como antes, sabemos que será inútil utilizar esse instrumento para esse fim.
Ao contrário, o governo deveria utilizar o seu capital político, enquanto ainda pode usufruí-lo, para implementar mudanças estruturais, como a reforma do sistema previdenciário, a reforma fiscal, a reforma trabalhista, o necessário choque de gestão e eficiência no serviço público, os investimentos em infraestrutura que permitissem a redução dos custos de transporte e embarque, viabilizando o transporte por modais mais eficientes e baratos, como o dutoviário, o aquaviário (fluvial e marítimo por cabotagem) e o ferroviário.
Quem perde com essa situação é o País. Foi zerado o valor da CIDE sobre a gasolina, e o seu valor, repassado integralmente para o preço de realização da Petrobras, portanto sem impacto no preço ao consumidor. Mas, mesmo assim, o agente que mais tem sido prejudicado é a própria Petrobras, que viu diminuir consideravelmente a sua capacidade de geração de caixa, para fazer frente ao necessário plano de investimento para novas descobertas e exploração das reservas já comprovadas.
Nesses 37 anos, desde o início do Proálcool, o etanol usado como combustível já substituiu, até junho de 2012, mais de 2,2 bilhões de barris de gasolina, enquanto as reservas de petróleo e condensados continuam estimadas em 15 bilhões de barris, mesmo após o advento do Pré-Sal.
O valor dessa gasolina substituída, considerando os juros da dívida externa evitada, soma US$ 266,3 bilhões, ou cerca de 70% das atuais reservas internacionais do País, avaliadas em US$ 373 bilhões.
O setor passa por mais uma fase de transição em que a oferta passa a crescer a um ritmo menor. No entanto a demanda por açúcar no mercado interno e externo continua em crescimento.
Quais países poderiam competir entre si para atender à demanda adicional de 28 milhões de toneladas de açúcar que deverá ser gerada até 2020? Em quais países deverá se materializar a oferta necessária para atender à demanda adicional de etanol no mundo projetada em 75 bilhões de litros até 2020, volume suficiente para atender apenas às metas de mescla na gasolina?
Com esse quadro, a demanda estará puxando a oferta, o que é uma novidade, pois, nas últimas duas décadas e meia, ocorreu o contrário: os produtores brasileiros sempre pressionaram o mercado com oferta excedente, sempre a postos para atender ao crescimento da demanda. É uma novidade positiva. Para o produtor, traz a perspectiva de que os mercados vão se manter pressionados por preço.
Hoje, o preço do açúcar precisa atingir um nível alto o suficiente para cobrir o custo direto e a remuneração do capital investido. A Datagro estima esse custo em cerca de 26 cents de dolar/lb FOB. Sem esse preço, não haverá expansão da moagem, embora possa continuar havendo alguns investimentos em aumento da flexibilidade industrial.
Quanto mais tempo demorar para que essa sinalização de preço ocorra, mais intenso será o choque quando a falta de capacidade ocorrer, e, de novo, poderemos criar as condições para um novo efeito manada e a volta de ciclos intensos de alta e de baixa.
Do ponto de vista físico, a retomada do crescimento na área agrícola vai advir da incorporação de um considerável estoque de tecnologia e estoque genético disponível. O CTC estima que o potencial de produtividade agroindutrial seja algo próximo de 28 mil litros por hectare.
A retomada do crescimento da capacidade de moagem passa por uma recuperação da confiança em relação à possibilidade de serem auferidas margens positivas na produção e na comercialização de etanol.
Para isso, é preciso que o governo dê garantias de que não vai mudar a regra do jogo no meio do caminho, com mudanças de tributação sobre os combustíveis, ou o risco de imposição de tarifas de exportação. Passa também por uma recuperação da viabilidade econômica da cogeração.
Os novos projetos de usinas, hoje, se sustentam no binômio etanol-energia elétrica. Sem a sustentação combinada desses dois elementos, um novo projeto não se mantém.
A cogeração tem sofrido a competição da energia eólica, que passou a participar e a ganhar os leilões de oferta de energia, baseados em premissas de fator de carga elevado e de confiabilidade duvidosa, além do que não se trata de energia firme. Fora do Brasil, esses projetos são planejados com fatores de carga entre 20-22%.
No Brasil, eles superam 40%, chegando, em alguns casos, a até mais de 45%. A solução é realizar leilões de energia térmica de biomassa de forma separada e independente da energia eólica. A solução para que o setor sucroenergético volte a crescer depende muito mais da ação do governo do que de uma mudança nos humores do mercado.
Os fundamentos do setor estão preservados. As demandas continuam em expansão para açúcar e etanol, pelo menos o anidro, de mercado interno e externo. O clima adverso não vai durar para sempre, e a possibilidade de recuperar margem por captura de produtividade represada é considerável. Tomara que o governo reconheça, e logo, que não pode deixar morrer a sua galinha dos ovos de ouro.