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Walter Maccheroni Junior e Fernando Cullen Sampaio

Assessor de Tecnologia Industrial e Gestor de Inovação da Usina São Martinho, respectivamente

OpAA69

A transformação digital do setor sucroenergético
O setor sucroenergético tem, tradicionalmente, desenvolvido, em maior volume, inovações definidas como incrementais ou evolutivas. Por ser um setor que produz majoritariamente commodities, o foco da inovação tem sido o ganho da eficiência operacional e, concomitante, a redução de custo de produção da cana-de-açúcar e de seus principais produtos, o açúcar, o etanol e a energia elétrica. Assim, os processos envolvidos na produção da matéria-prima e na sua transformação industrial vêm sendo, historicamente, modificados gradativamente.
 
Foi assim com a mecanização das operações de plantio e colheita, tão bem como a automação das operações industriais, até que chegassem à maturidade que vemos hoje. Atualmente, uma série de tendências têm influenciado o agronegócio brasileiro, baseadas em conceitos de ESG (Environment, Social and Governance), Economia Circular e Transformação Digital, sendo este último conceito intimamente relacionado com tecnologia e inovação.
 
A Transformação Digital possui diversas definições e, para efeito prático, neste artigo, utilizaremos “o uso de tecnologias digitais para a otimização de processos”. No setor sucroenergético, todos os processos agrícolas e industriais estão passando por essa transformação, além dos processos administrativos, comerciais, RH e TI, não se limitando a eles. As tecnologias digitais mencionadas incluem o monitoramento remoto de máquinas agrícolas e equipamentos industriais por meio de sensores de IoT (Internet of Things), a transmissão dos dados obtidos em tempo real por tecnologias de conectividade (4G, 5G, Sigfox, Lora, dentre outras) para os centros de controle das usinas, o armazenamento e a organização desses dados em bancos (Data Lake, Big Data) e a exploração desses dados, por meio da disciplina de ciência de dados, para o desenvolvimento de ferramentas digitais que aumentem a eficiência dos processos. 
 
Hoje, os dados obtidos pelos sensores são analisados com metodologias de Advanced Analytics, com o objetivo de se descobrir correlações e associações entre esses dados, por exemplo, a correlação entre temperatura e rendimentos industriais ou precipitação pluviométrica e produtividade agrícola. 

Uma vez descoberta as correlações, algoritmos matemáticos são desenvolvidos para produzir uma Inteligência Artificial (IA), isto é, regras computacionais que consigam controlar os processos de forma automática, otimizando seus rendimentos. Dessa forma, os sensores enviam os dados para o centro de controle, os algoritmos interpretam esses dados e retornam com comandos que otimizam os processos. 

Outra tendência digital é a Análise Preditiva, metodologia baseada na Advanced Analytics e que tem a função de predizer acontecimentos. Com isso, é possível desenvolver algoritmos preditivos, isto é, uma IA que identifica automaticamente um evento futuro. Assim, por meio do monitoramento das condições operacionais de uma turbina ou colhedora de cana, é possível predizer a sua falha com antecedência, evitando que ela, de fato, aconteça. 

Outra tecnologia associada à Transformação Digital é o Machine Learning, capacidade dos algoritmos de IA de “aprenderem” com as oscilações dos processos e de se adaptarem em tempo real, levando a uma otimização dos resultados. A São Martinho vem desenvolvendo uma jornada de Transformação Digital dos seus processos agroindustriais. Nos últimos 20 anos, a empresa concentrou esforços na automação das operações agrícolas, adotando tecnologias de agricultura de precisão, como pilotos automáticos guiados por GPS e computadores de bordo para controle e gerenciamento dessas operações. Entretanto a falta de conectividade no campo impôs um grande desafio aos processos agrícolas para que evoluíssem para uma etapa de digitalização.
 
Em 2015, iniciamos uma parceria com o CPqD (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações) para desenvolver uma tecnologia de conectividade para o campo. Hoje, os mais de 300 mil hectares de canaviais colhidos pelas quatro usinas da empresa possuem cobertura de internet 4G. Os dados de telemetria gerados pelos mais de dois mil veículos da empresa são enviados pela rede 4G para a COA (Centro de Operações Agrícolas), localizado em cada usina. Com essa conectividade, é possível monitorar desde a rotação do motor dos veículos até sua posição geográfica. No COA, os analistas agrícolas coordenam todas as operações agrícolas, desde o preparo do solo, plantio da cana, operações de adubação, combate a pragas, doenças e plantas daninhas, colheita, transporte e manutenção das máquinas, além do combate a incêndios e monitoramento do clima.
 
Assim, a conectividade permitiu uma gestão à vista das operações, tendo os dados em tempo real, auxiliando na otimização das operações. Já é possível observar, por meio da conectividade e de ferramentas digitais, uma redução considerável do consumo de diesel pelos veículos e uma melhor integração logística entre as diversas frotas da empresa. 

O sistema digitalizado de combate a incêndio, baseado em câmeras com alta resolução e IA, identifica automaticamente focos de incêndio, aciona as brigadas de combate e já provocou uma redução no tempo de reação e nos níveis de danos provocados pelo fogo. As operações de controle de pragas, doenças e plantas daninhas também vêm sendo digitalizadas com o uso de armadilhas automáticas, drones e ferramentas de IA para a identificação e o mapeamento do problema e posterior controle com o uso dos insumos químicos e/ou biológicos. 

Nos processos industriais, a São Martinho vem inovando desde a sua fundação. Na década de 1970, com instalação de caldeiras com queima em suspensão (4 CBC de 150t/h cada), cogeração (com venda de EE) e produção de biogás (digestão da vinhaça), utilizando a queima para secagem de levedura; já na década de 1980, a eliminação da lavagem da cana em 1988, a produção de RNA (Omtek) no início dos anos 1990 na Usina Iracema, só para citar alguns fatos inovadores (e corajosos) relevantes. 

Quanto à Transformação Digital, diferente dos processos agrícolas, a conectividade para as indústrias do setor é uma realidade há décadas. Assim, no início dos anos 2000, a São Martinho foi pioneira na criação da COI (Centro de Operações Industriais), estrutura responsável pela centralização do controle dos processos industriais. Hoje, a empresa tem um plano estratégico de automação industrial baseada nos conceitos da Indústria 4.0. Os processos de produção de açúcar, etanol e energia elétrica estão recebendo novas tecnologias de sensoriamento, que incluem NIR (Infravermelho Próximo), sensores avançados e virtuais, além da evolução incremental de sensores tradicionais. 

Os dados gerados por esses sensores, juntamente com as informações de produção e qualidade, são integrados e estruturados em KPIs (Key Performance Indicator). Processos críticos para a operação já foram digitalizados em todas unidades, tais como a gestão da rotina e a gestão do desempenho industrial (PGDI). 

Um dos primeiros projetos alinhados com o conceito da Indústria 4.0 veio com a digitalização das plantas industriais. Hoje, todas as quatro unidades da empresa possuem o seu próprio Gêmeo Digital, que executa simulações tanto off-line, para fins de planejamento e análises de cenários, como de forma on-line. 

O objetivo do Gêmeo Digital on-line é ser um gerador de rota, via balanços de massa e energia, em tempo real. Hoje, consolidamos todos os gêmeos digitais e sistemas de gestão da rotina e desempenho das unidades, numa grande torre de controle corporativa (GDI), permitindo a centralização dos indicadores e de processo de gestão de desempenho da companhia e a interação, em tempo real, da equipe técnica corporativa com as equipes da operação das unidades.
 
Nesta safra, iniciamos uma jornada para tornar nossos processos industriais autônomos; para tanto, já iniciamos a implantação de sistemas de controles avançados e alguns processos, com resultados promissores em termos de rendimentos, eficiências, produtividade e estabilidade. 

O objetivo é que, por meio de algoritmos inteligentes e adaptativos, tornem o próprio processo capaz de identificar desvios e oscilações do processo e retornem com ações preditivas e otimizadas. Isso já começou a ser realidade em uma de nossas unidades do grupo São Martinho. 

E seguimos em frente, com muitas iniciativas, novos projetos, sempre buscando o que há de melhor em tecnologia, inovação, engenharia, capacitação das pessoas, segurança, qualidade e com muito foco nos pilares da sustentabilidade: meio ambiente, social e governança.

COA (Centro de Operações Agrícolas) da Usina São Martinho, a maior processadora de cana-de-açúcar do mundo