Quando criada, há aproximadamente 4.000 anos, a irrigação era feita nos cultivos através da transposição das águas dos rios, o que hoje conhecemos como irrigação por sulcos. No entanto, quando os antigos agricultores migraram para as regiões mais úmidas, a agricultura e a irrigação seguiram caminhos diferentes. Trazida pelos portugueses em 1533, a cana-de-açúcar teve o seu maior desenvolvimento no estado de São Paulo, estado que até hoje ocupa o primeiro lugar no ranking nacional dessa cultura. Localiza-se principalmente nas mesorregiões de Ribeirão Preto e Piracicaba, que são caracterizadas por solos com alta fertilidade, retenção de água e boa distribuição pluviométrica.
Com a crescente demanda por etanol e açúcar, o setor foi obrigado a desbravar novas regiões como o Oeste Paulista, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, onde há mudanças no cenário, pois essas regiões, além de apresentarem solos com menor retenção de água, ainda possuem climas mais agressivos, caracterizados por chuvas mais concentradas. Com isso, observou-se que a produtividade agrícola dos canaviais obteve uma queda expressiva, saindo das 82,0 toneladas/ha para 70,0 toneladas/ha em questão de anos.
Deste modo, o setor chegou a um pensamento lógico: “Se eu preciso de uma determinada quantidade de cana-de-açúcar para atender à minha indústria e o cálculo de produção é produtividade vezes a área colhida (TCH x ha), podemos concluir que o melhor método para aumentar a minha produção é adquirir mais terras”. E foi assim que a cultura de cana-de-açúcar passou a ser uma cultura extensionista.
Mas essa solução foi temporária, pois, com a valorização das terras, aumento dos custos de produção e as anomalias climáticas, não foi possível garantir a estabilidade da produção anual, deixando, por muitas vezes, a indústria ociosa.
Se analisarmos os principais fatores que levam à produtividade, observamos que 50% é de responsabilidade do clima, em que o volume e a distribuição das chuvas são as variáveis de maior impacto.
Contudo, não estou falando das anomalias climáticas, mas sim de uma estação chuvosa normal, em que, dos 12 meses do ano, chove 6 meses e nos outros 6 meses temos estiagem. E como o canavial é cultivado, no mínimo, por 12 meses, concluímos que pelo menos 46% do ciclo do canavial é desenvolvido sob estiagem. E, caso resolvamos incluir as anomalias, esse número pode ficar ainda pior.
Para mitigar a má distribuição “normal” das chuvas, o setor viu a necessidade de retornar a um passado antigo e iniciou a adoção de sistemas de irrigação em grande escala.
Há no mercado vários sistemas de irrigação, cada um com suas características, sendo essenciais para cada tipo de situação. Mas gostaria de destacar a irrigação por gotejamento, uma vez que é considerada a irrigação mais nova (criada em 1965) e a mais eficiente no conceito de utilização da água para produção.
A irrigação por gotejamento aplica água diretamente na região radicular, em alta frequência e baixa intensidade de aplicação, através de emissores conhecidos como gotejadores, visando suprir a deficiência hídrica da planta. Com esse sistema, forma-se uma zona úmida dentro do solo conhecida como bulbo úmido, e, à medida que há a sobreposição desses bulbos úmidos, há a formação da faixa úmida ao longo da linha de gotejadores – daí o nome irrigação localizada. E, pelo fato de os tubos gotejadores estarem enterrados (SDI), os efeitos de perda como evaporação da água, efeito guarda-chuva e deriva da água pela força do vento são praticamente nulos.
Devido a essas características, as usinas e produtores de cana-de-açúcar que adotam esse sistema de irrigação por gotejamento começaram a observar vários benefícios, com redução dos custos de produção, ganhos ambientais (CBios) e a verticalização da produção.
A verticalização da produção, ou melhor, o incremento de produção na mesma unidade de área (hectare), leva os produtores a reduzirem suas áreas plantadas e, mesmo assim, manterem sua produção. Vamos a alguns cálculos para exemplificar. Se você necessita produzir, por exemplo, 100.000 toneladas e tem uma produtividade de 80 toneladas/ha, terá de possuir (adquirir ou arrendar) 1.250 ha. No entanto, se adotar a irrigação e aumentar a produtividade para 150 toneladas/ha, serão necessários apenas 667 hectares. E, apenas lembrando, não é só a área, mas também o custo para se produzir que importa.
Continuando com os mesmos cálculos, sem a necessidade de arrendamento (estimado em R$ 2.431,97/ha para 2024), o custo de produção de cana-de-açúcar é de aproximadamente R$ 13.000,00 por hectare por ano. Ou seja, ao reduzir a área plantada, sem perder produção, no caso simulado, economizamos mais de R$ 8 milhões por ano para produzirmos as mesmas 100.000 toneladas.
Como um exemplo prático, no estado do Mato Grosso, um produtor adquiriu 450 hectares de irrigação por gotejamento, com o intuito de aumentar sua produtividade, cumprir seu contrato com a usina e sobrar mais área para produzir grãos, sua principal cultura.
Além disso, o sistema de gotejamento evoluiu para outras finalidades, não somente para fornecer água e nutrientes (fertirrigação) às plantas, mas também como uma ferramenta ambiental de produção e redução de custos. Novas técnicas para aplicação de vinhaça estão sendo utilizadas, e, entre elas, destaco o uso da vinhaça como fertilizante, aplicada através do sistema de irrigação por gotejamento.
Pelo fato de os tubos gotejadores estarem enterrados a uma profundidade aproximada de 0,30 m, quando há aplicação de vinhaça, esse produto também é aplicado em profundidade, evitando assim contato com seres humanos, disseminação de odor desagradável e proliferação de moscas, como a mosca-do-estábulo (Stomoxys calcitrans), atendendo a todas as exigências dos órgãos ambientais fiscalizadores.
Em um recente trabalho, compararam-se as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) no sistema de irrigação por gotejamento e no sistema de sequeiro. Nesse estudo, provou-se que, com o uso do gotejamento, foi possível reduzir em 52% as emissões de CO2 para a atmosfera, onde se nota que as principais reduções impactantes estão na mudança no uso da terra (MUT), óleo diesel e corretivos.
Devido à sua alta uniformidade de aplicação, vários trabalhos sobre a aplicação de produtos químicos e biológicos para as mais variadas necessidades da cultura vêm sendo testados para aplicação via gotejamento. Além dos ótimos resultados agronômicos, pelo fato de os gotejadores estarem em subsuperfície, não há contato dos produtos químicos com a biota benéfica, como, por exemplo, polinizadores ou inimigos naturais das principais pragas. Recentemente, o Ibama emitiu parecer técnico sobre a aplicação do Tiametoxam através da pulverização aérea (Parecer Técnico Final – SEI Ibama Nº 17732614), devido ao risco de agressão aos polinizadores, algo que não ocorre quando o meio de aplicação está enterrado.