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Op-AA-21
O histórico lançamento do Volkswagen Gol Total Flex, em março de 2003, foi o marco para a introdução da tecnologia Flex-Fuel no país. É inegável que esse fato representou um novo ciclo de desenvolvimento da engenharia automobilística nacional e, principalmente, um novo período de crescimento no uso do etanol. A tecnologia flexível veio para ficar.
Atualmente, de cada 100 veículos leves comercializados no país, 88 utilizam a tecnologia. Os demais são versões a gasolina (6,9%) e a diesel (4,4%). Dentre o segmento de veículos a gasolina existem alguns modelos produzidos no país que acabarão por adotar o conceito flex em curto prazo, e temos os veículos importados, que operam com motor a gasolina.
São diversas as razões para a popularidade dos veículos flex: diferentemente dos veículos dedicados a um único combustível, oferecem um leque de opções e vantagens ao consumidor: escolha para o combustível mais barato, para o tipo de dirigibilidade e para o menor impacto ambiental. A sua popularidade facilita a revenda no mercado de carros usados e, consequentemente, resulta na sua maior valorização.
Além do Brasil, existem veículos flex em outros países. Atualmente, circulam no mundo, aproximadamente, 17 milhões de veículos desse tipo, sendo cerca de 8 milhões nos EUA, 8 milhões no Brasil, 600 mil no Canadá, 300 mil na Suécia e mais alguns milhares espalhados em diversos países - França, Reino Unido, Alemanha, Tailândia, etc.
Entretanto, somente no Brasil esses veículos operam com 100% de etanol (E100). Nos demais países, o limite de uso do combustível renovável é de 85% (E85), devido ao clima frio e inexistência de sistema auxiliar de partida a frio. Todavia essa limitação pode ter os seus dias contados com um novo sistema de partida a frio, lançado neste ano pela Volkswagen no Brasil com o Polo E-Flex.
Trata-se de um sistema de partida a frio denominado Flex Start, que possibilita a partida do motor em temperaturas ambientes de até menos 5 °C. Obviamente, esse sistema terá que ser adaptado para temperaturas ainda mais baixas nos países de clima mais frio, porém o avanço tecnológico atingido é importante para demonstrar a viabilidade da ideia.
Além de dispensar o tanquinho com gasolina, que é injetada no motor para dar a partida quando a temperatura ambiente é menor que 18 °C, o novo sistema permite reduzir as emissões de poluentes em até 40% e favorece uma melhor dirigibilidade. O veículo flex vem sendo aprimorado desde o seu lançamento no país. Diversos modelos já apresentam o volume do tanque aumentado, ampliando a autonomia em cerca de 10% e reduzindo a periodicidade de reabastecimento.
Também houve ganho na economia de consumo. Enquanto a primeira geração de veículos flex apresenta, em relação aos veículos a gasolina, uma diferença no consumo de 30% a 35%, a geração atual traz alguns ganhos, pois essa diferença caiu para 25% a 30%. Isso se deve, em parte, à mudança na visão de algumas montadoras que perceberam a preferência do consumidor pelo etanol e passaram a otimizar os propulsores dos veículos para esse combustível.
Enquanto a primeira geração de veículos flex foi desenvolvida para ser um veículo a gasolina que também opera com etanol e misturas desses combustíveis, a geração atual apresenta um número cada vez maior de veículos desenvolvidos para uso preferencial com etanol e que também operam com gasolina. Evidentemente, otimizar um motor para dois combustíveis que apresentam diferenças físicas e químicas não é tarefa simples e envolve custos, de modo que alguns compromissos no projeto do motor acabam sendo adotados, limitando uma otimização maior para a operação com etanol.
No exterior, também se observam avanços com a tecnologia flex-fuel, que poderão vir a ser adotados no Brasil. A montadora sueca SAAB desenvolveu uma versão de motor flex equipado com um sistema de sobrealimentação de ar do motor variável e “inteligente”. Dependendo do teor de etanol em uso, há um aumento na pressão de operação do turbo e, dessa maneira, ocorre um aumento virtual na taxa de compressão do motor, possibilitando aumento expressivo na performance.
Nos EUA, o motor flex vem sendo desenvolvido para operar em versões de veículos híbridos, que operam com motor de combustão interna e motor elétrico. O protótipo do Ford Escape, recentemente apresentado para o Departamento de Energia dos EUA, consiste em um motor flex de 4 cilindros, que é assistido por um pacote de baterias de 10 kW à base de íons de lítio.
Com as baterias carregadas e uso exclusivo com eletricidade, o veículo tem uma autonomia de 48 quilômetros. Quando a carga das baterias atinge 30% de sua capacidade, o motor flex entra automaticamente em operação. O fabricante alega que o veículo apresenta um consumo de 37,4 km/l no uso urbano e 21,3 km/l no uso em estrada.
Neste tipo de veículo é comum a quilometragem atingida em áreas urbanas ser maior do que nas estradas, pois no uso urbano o veículo opera principalmente movido a eletricidade. Quanto à emissão de poluentes, o fabricante alega que, se o combustível for a gasolina, ocorre uma redução de 60% em relação a um veículo convencional operando com esse combustível e, se o combustível for o E85, a redução chega a ser de 90%.
Como o teste de consumo e emissões é realizado em laboratório, segundo um procedimento padrão, na prática, esses valores podem variar. Em março de 2009, a tecnologia flex chegou também aos veículos de duas rodas. A Honda, maior fabricante mundial desse tipo de veículo, apresentou na sua fábrica de Manaus a primeira versão comercial do mundo de uma motocicleta flex.
Trata-se da CG Titan Mix, equipada com motor de 150 cilindradas e diversas inovações em relação ao modelo anterior a gasolina, como injeção eletrônica e catalisador, o que resulta em consumo reduzido e emissão significativamente inferior aos limites de emissão que entraram em vigor em 2009 e que são os mesmos em vigor na União Europeia.
Apesar do pouco tempo no mercado, a versão flex já é um sucesso, como atestado pela própria fabricante. No lançamento, o plano de produção da CG Titan Mix previa 50% da produção na versão a gasolina e 50% na versão flex. Passados três meses, foi necessário readequar o plano para 65% flex e 35% gasolina. De acordo com o fabricante, a adoção da injeção eletrônica reduziu o consumo e melhorou o desempenho e a dirigibilidade.
Com gasolina, a moto é capaz de rodar cerca de 600 km (37 km/l) com um tanque, enquanto com E100 esse valor atinge cerca de 450 km (28 km/l). Apesar de custar R$ 300,00 a mais que a moto a gasolina, a economia proporcionada pelo uso do etanol representa atualmente um retorno médio desse valor em 2 meses para motoboys.
Diferentemente do que ocorreu na década de 1980, quando tanto a Honda como a Yamaha lançaram versões dedicadas de motos para etanol, a nova moto não vem equipada com um sistema de partida auxiliar a frio. Para o presente caso, o fabricante recomenda a mistura de 2 litros de gasolina no tanque do veículo em dias mais frios.
Trata-se de um produto pioneiro que deve abrir o mercado para novos lançamentos similares. A tecnologia não é exclusiva da Honda. Tradicionais fabricantes de autocomponentes, como a Delphi, Magneti Marelli e Bosch, já desenvolveram a tecnologia e procuram montadoras interessadas no produto. As motos flex produzidas no Brasil poderão também ser exportadas para outros países, particularmente onde o transporte de duas rodas é popular, como na Ásia, África, América Latina e Caribe, representando uma forma complementar à mistura de etanol na gasolina, para o desenvolvimento de novos mercados de etanol ou expansão de mercados existentes.
Como se pode notar, a tecnologia Flex-Fuel avançou significativamente em aplicações automotivas, e esse tema foi, inclusive, objeto de um painel no Ethanol Summit de 2009. Novas aplicações para essa tecnologia, como a aviação civil, vem sendo avaliadas, e talvez venhamos a discutir, em breve, o tema novamente.