Sócio da Troster & Associados
Op-AA-39
O agronegócio brasileiro experimenta um momento de esperas: pelo que vai ocorrer no resto do mundo, pela definição da política de preços da Petrobras, pela evolução da inflação, pelos preços das commodities, pelo que vai acontecer na Argentina, pelos próximos passos do Banco Central e pelo preço do dólar. A direção da cotação da moeda norte-americana determina os preços de insumos e produtos do campo e, consequentemente, orienta as decisões de investimento. Todavia a incerteza é alta. Se diferentes patamares do câmbio preocupam o setor, a incerteza paralisa.
O anúncio do QE (Quantitative Easing), a política de juros baixos e a compra de ativos pelo Banco Central dos Estados Unidos (FED) fizeram com que a cotação do dólar disparasse; houve até quem projetasse a taxa a R$ 2,70 no fim deste ano. O estresse foi considerável, causado pelas incertezas sobre a trajetória do câmbio e seus impactos na inflação e na atividade econômica. Felizmente, o pior cenário não se materializou. O FED comunicou que as alterações no QE seriam graduais, desvalorizando o dólar no mundo inteiro. No Brasil, a ação foi reforçada com um programa de estabilização do câmbio.
A cotação da moeda norte-americana despencou e a volatilidade e os temores diminuíram. Ganhou-se um tempo com menos pressão. Mas é apenas isso, alguns meses para fazer ajustes. A fragilidade cambial permanece e não interessa a ninguém; um dólar incerto e volátil é ruim para todos. Urge fortalecer o ponto mais fraco com o exterior, que é o mercado de divisas. A estratégia do Banco Central do Brasil de estabilizar as cotações com reservas altas e usando o mercado futuro funciona apenas num quadro de volatilidade moderada, como o ocorrido em meados do ano passado. Num cenário mais turbulento, como o de janeiro de 1999 ou setembro de 2008, é inoperante.
É também onerosa a diferença entre a taxa interna e a internacional para carregar as reservas, e, mesmo assim, o real é uma das moedas com cotações mais voláteis entre os emergentes. É possível aprimorar a política de estabilização da taxa de câmbio, reduzindo custos e riscos. A cotação do câmbio no Brasil depende de três conjuntos de fatores:
a. o ambiente externo;
b. o lado real da economia brasileira; e
c. a estrutura do mercado de divisas, em especial, a gestão da liquidez internacional.
Sobre o primeiro, nada pode ser feito além de se constatar que há nuvens no horizonte anunciando tempos mais difíceis num futuro pouco distante. Nas últimas semanas, o banco central norte-americano, o FMI, agências de classificação de risco e instituições financeiras publicaram relatórios manifestando preocupação com sua dinâmica. Se, por um lado, a piora de imagem foi maior que a dos indicadores macroeconômicos, a performance da economia brasileira merece reparos: crescimento baixo, juros altos, inflação elevada, câmbio volátil e projeções pouco otimistas para o País.
O segundo conjunto é o mais importante: sua dinâmica depende de reformas, ganhos de produtividade, gastos e receitas do governo e decisões do setor privado. Há muito a ser feito, é fundamental que assim seja. Agravando o quadro, o desempenho macroeconômico está aquém do potencial, e há contingências. A mais grave de todas é a fiscal. A dívida bruta está beirando os 60% do PIB; é o limite considerado como ponto de inflexão, acima do qual os efeitos dos gastos públicos na atividade econômica são cada vez mais danosos e pioram a percepção de risco do País. Mas pouco ou nada ocorrerá nesse front num ano de eleições. Todavia é no terceiro conjunto, na estrutura do mercado de divisas, que há distorções que podem ser corrigidas.
A primeira é a política de reservas. Na última década, o governo trocou o endividamento externo pelo interno. A dívida externa líquida do setor público consolidado caiu de positivos 15% do PIB para negativos 15%. Politicamente, rendeu frutos e até permitiu que o Brasil emprestasse recursos ao FMI. Todavia, financeiramente, é caro, muito caro. Trocou-se uma dívida que custa 1% ao ano (externa) por outra (interna) de 10% anuais. A diferença (15% + 15% = 30%) tem que ser paga ou com mais impostos ou com menos gastos em outros setores, ou, ainda, com um endividamento maior. É o equivalente a 2,4% do PIB por ano de recursos pagos a investidores por conta da estratégia adotada.
Outra desvantagem financeira é que, para fechar o caixa, busca-se atrair investimentos em carteira ao País, mais voláteis e incertos do que empréstimos externos que têm data certa para vencer. Isso obriga a autoridade monetária a ter um volume de reservas maior do que o que teria, financiando-se com bônus.
É conveniente desmontar essa estratégia, uma vez que o cenário é de que a diferença de juros com o exterior permaneça a mesma ou, ainda, se amplie um pouco, e a volatilidade dos fluxos externos aumente. Uma segunda distorção é o processo de formação da taxa de câmbio no Brasil. Ela é definida pela interação de dois mercados: o futuro, fluido e eficiente, e o de negociações à vista, anacrônico e burocrático. Como o primeiro tem, comparativamente, menos restrições e volumes maiores, é o determinante na fixação do preço do dólar.
Isso faz com que a cotação do câmbio seja determinada, predominantemente, por fatores financeiros, que são mais voláteis e imprevisíveis. A solução é ampliar o mercado à vista, eliminando restrições, desburocratizando e, por que não?, permitindo contas em divisas − dólares, euros e yuans. Além da economia fiscal e fluxos maiores de recursos para o Brasil, observar-se-ia uma estabilidade maior nos preços de moedas estrangeiras. O programa de leilões de câmbio, anunciado pelo Banco Central do Brasil, foi um avanço na direção de tornar mais transparente a atuação da política cambial. Entretanto se, ao invés de volume de vendas, a meta fosse a variação máxima da taxa por dia (por exemplo, 0,5%), com atuação simultânea nos dois mercados (à vista e futuro), haveria uma estabilização maior da moeda nacional em razão da coordenação de expectativas e de um custo menor. A incerteza sobre as variações da taxa cambial é mais danosa para a economia do que um patamar um pouco mais alto ou mais baixo.
O Brasil apresenta bons indicadores de solvência, reconhecido por analistas e empresas de classificação de risco (ratings); entretanto a gestão da liquidez é anacrônica: é do período em que o grau de abertura da economia era baixo, e o mercado financeiro, menor. O cenário externo mostra um mundo em recuperação com dois conjuntos de países. Uns que anteciparam crises e se preparam para o pior - a China é um exemplo -, e outros que tiveram um ajuste doloroso e estão se recuperando - a Irlanda ilustra o ponto - e é o caso da maioria das nações.
O bom é que o pior já passou, e, no ano que vem, o mundo vai crescer, o que gera um otimismo que acaba contagiando a todos. Mas apresenta também alguns riscos com o que pode acontecer com a Ucrânia, problemas no sistema bancário chinês e problemas de clima. Uma nova estratégia para o mercado cambial é conveniente, é bom para o Brasil.