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José Alberto Paiva Gouveia

Presidente do Sincopetro - SP

Op-AA-08

Que saudades dos tempos de outrora...

Antes mesmo de vigorar a medida do Governo para diminuir o percentual de álcool anidro na gasolina, de 25% para 20% - que ocorreria a partir do dia 1º de março último – o mercado começou a se alvoroçar com o fantasma do desabastecimento. Ainda nem havia terminado fevereiro e as pessoas, principalmente aquelas que compraram carros bicombustíveis, já se imaginavam rodando de posto em posto, à procura do combustível.

Mas isso não aconteceu. A mistura de álcool anidro baixou – colaborando decisivamente para elevar o preço da gasolina – mas o álcool hidratado, apesar de ter seu preço em patamares antes nunca imaginados, não faltou nas bombas de posto algum do país. Assim, aqueles que ainda optaram por abastecer com álcool – e não foram muitos, pois se registrou uma expressiva queda na procura pelo produto, o que nos leva a crer que o consumidor de carro flex migrou para a gasolina, quando percebeu o quanto mais vantajoso era encher o tanque com esse combustível – encontraram o produto. Caro, porém disponível.

Porém, imaginar um mercado desabastecido não é improcedente. Quem viveu a época da falta de álcool em plenos anos 80, 90, quando as montadoras de veículos estavam com suas produções a todo vapor e a população já havia incorporado o uso de um combustível limpo e renovável, sabe que isso é passível de acontecer. Basta que haja falta de planejamento estratégico ou que os usineiros prefiram a exportação de açúcar, à produção de álcool para abastecer o mercado nacional e pronto, está feita a manobra para enlouquecer os clientes de bicombustíveis.

É das lembranças daquele período - em que o Governo criou o Pro-álcool como alternativa para o uso da gasolina, em virtude dos altos preços do petróleo no mercado internacional - que vem a sugestão do desabastecimento. Naquele tempo, quem comprou carro a álcool ficou com o mico preto na mão, porque não tinha alternativa.

A falta de pulso do Governo – algo parecido com uma situação recente, na qual se estabeleceu um teto de R$ 1,05 e nada aconteceu – já naquela ocasião permitiu que os produtores virassem as costas para o consumidor brasileiro e negociassem sua cana lá fora, demonstrando absoluta autonomia. Estoque estratégico? Cotas para o mercado interno? Quais cotas, quais nada! O negócio era ganhar o máximo que se podia, mesmo que para isso fosse necessário deixar para trás um rastro de desabastecimento.

A situação do usineiro sempre nos pareceu bem confortável. Quando os preços eram tabelados, ele optava pelo mercado externo, com a venda de açúcar; quando o mercado passou a ser liberado, ele ainda tinha a oportunidade de escolher o que quer fazer: exportar ou elevar o preço de seu produto a quanto quisesse. É o que vem acontecendo. Do início do ano passado para cá, o álcool subiu muitas vezes.

Custar 70% do preço da gasolina já é uma história que virou “história”. Há localidades no país, como a região Sul, por exemplo, em que se encontra álcool a quase R$ 3,00 o litro para o consumidor. Na capital paulista, o preço está por volta de R$ 1,90. Quantas saudades dos tempos em que a referência que se tinha do álcool era somente a de um produto nacional originado da cana-de-açúcar, plantação que se vê em larga escala no país, que chegava às bombas dos postos de combustíveis em torno de R$ 0,80 o litro.

Hoje o álcool virou uma moeda forte de troca, cujo valor a ser negociado está intimamente ligado ao humor do produtor. E somente a ele. Fenômenos da natureza como chuva, estiagem ou ainda a entressafra não são parâmetros para modular o preço do produto. Todos podem ser utilizados como justificativa. E já que falamos em entressafra, acredito, essa deveria ser a palavra-chave para que o produtor tivesse (já) preparado um estoque que abastecesse o mercado nessa fase e colaborasse para não deixar que o produto sofresse grandes oscilações em seu valor.

Mas isto não aconteceu e a entressafra é que acabou sendo a grande vilã, pois é nesse período que o álcool chega às maiores altas, porque a demanda continua crescente e a oferta não acompanha seu ritmo. Porém, essa situação é conhecida pelos produtores. Então, por que não se antecipar às conseqüências e tratar a causa? Por que não se faz um planejamento?

Ao contrário disso, o consumidor é sujeitado a se preocupar com o período: “Opa, lá vem a entressafra. Melhor preparar o bolso”. Há algo de errado nisso. Essa tarefa não é do consumidor. Tampouco do revendedor, mas do produtor, do fabricante do produto. Para resolver esse impasse é preciso fiscalização. Um órgão governamental que se preocupe com a questão do álcool, da usina ao posto de gasolina, ou seja, que regule o preço, a qualidade, além de garantir o abastecimento do mercado na entressafra, com valores condizentes com a realidade.

Não posso imaginar quanto tempo ainda falta para que se tome uma atitude em relação ao mercado de álcool. Entendo que isso deva ser feito o mais urgentemente possível. Por enquanto, não se sabe o que será do consumidor com carro a álcool, agora que passou a ilusão do flex. Quanto a nós, revendedores, continuaremos tentando administrar a indignação da sociedade, que acredita ser o dono de posto o responsável pelos altos preços dos combustíveis.

Isso já ocorria com a gasolina, agora se dá também em relação ao álcool. Ninguém se lembra que existe uma cadeia de comercialização e que todo o efeito dela se faz em cascata e o posto de serviços é o último elo desta corrente. E mais, ninguém se lembra que acima dessa cadeia mercantil existe um Governo, que tem poderes para frear esta situação. No entanto, parece-me, ele se encontra um tanto perdido sobre o que fazer para mudar a condição do segmento de álcool no país. Isso me faz lamuriar: “que saudades dos tempos de outrora...”