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Zulcy de Souza

Pesquisador e Consultor do CERPCH na UF de Itajubá

Op-AA-12

As grandes centrais hidrelétricas, no contexto futuro da energia no Brasil

No início de 2001, assumi, em Brasília, a Superintendência de Fiscalização da recém criada ANA, Agência Nacional de Águas. Como anteriormente tinha prestado consultoria a ANEEL, Agência Nacional de Energia Elétrica, era de meu conhecimento que, desde o último quadrimestre de 2000, órgãos do governo vinham sendo alertados sobre a situação precária do volume de água armazenada, em grande número dos reservatórios, com destaque para os dos rios das bacias do Paraná e do São Francisco, e que providências deveriam ser tomadas para que fosse minimizada eventual crise energética em 2001.

Estas providências governamentais seriam, entre outras, campanhas para economia de energia nos horários de maior consumo por todos os consumidores; utilização, nestes horários, de eventual energia própria instalada, e estímulo para que este tipo de geração fosse implementado; bem como procurar reservar, ao máximo possível, a água nos reservatórios de montante das cascatas hidrenergéticas.

Infelizmente, tais providências somente começaram a ser tomadas em meados de março de 2001, com a crise já instalada. Nesta oportunidade, o Diretor Presidente na ANA, convidou-me para assessorá-lo nesta área, já que ele fazia parte da recém criada Comissão, pelo Presidente da República, para tratar da crise. Assim, tive a oportunidade de participar de muitas reuniões e tomar conhecimento do caos que o setor vivia, e sem medo de errar, vive até hoje, já que ele é dominado por inúmeras entidades e órgãos, que se entrelaçam em suas competências legais, burocratizando e impedindo que atos e ações, por mais simples e urgentes que sejam, possam ser implementados.


Com a crise, veio à tona tudo que de certo ou errado deveria ter sido feito e muitos planos para que ela fosse debelada e tivesse baixo risco de voltar a ocorrer no futuro. Nas muitas reuniões realizadas, foram gerados planos para o setor, dos quais apresento aqui o previsto, numa tabela resumo, para a área hidroenergética, no que se refere aos aproveitamentos maiores que 300 (MW), isto é, Grandes Centrais ou Usinas Hidrelétricas.

Plano que deveria ser implementado para que, no ano previsto na tabela, a energia hidrelétrica estivesse disponível. Para tanto, os investimentos previstos até o final de 2003, somente na geração, totalizavam, R$ 10.741.000,00, sendo que R$ 7.385.500,00 do setor privado e R$3.355.500,00 governamentais. Estes dados servem para fazer uma análise do que realmente foi executado, o que falta e como são inconsistentes as previsões, já que, por exemplo, na tabela não constam os dois aproveitamentos no Rio Madeira, AHE Jirau, com 3.900 MW e AHE Sto. Antônio, com 3.580 MW, atual menina dos olhos do Presidente da República. Por outro lado, a grande maioria dos aproveitamentos de grande porte estão situados na região norte, que contém em torno de 43% do potencial hídrico do Brasil e que, até agora, se encontra em operação ou construção pouco mais de 4%.

Tal potencial disponível, da ordem de 113.600 MW, está em rios de planície, isto é, de baixa queda, com grandes problemas ambientais, sejam na implantação das centrais em si, sejam nas linhas de transmissão, os quais podem ser equacionados, desde que todos aqueles que tenham poder de decisão, que são muitos, desarmem seus impulsos, sentem ao redor de uma mesa e acordem soluções que mitiguem os impactos, particularmente os ambientais.

No meu entender, para que tal ocorra, são indispensáveis as seguintes ações:


Nas áreas governamentais, federais e estaduais, estabelecer, de modo claro, sem múltiplas interpretações, quem tem competência para decidir, em princípio, não mais de um órgão por setor. Por exemplo, em âmbito federal, no que se refere à energia hidráulica, a ANEEL, o uso da água em si, a ANA, e meio ambiente, o IBAMA.

No que se refere aos estudos para implantação, particularmente nos aproveitamentos de baixa queda, além do tradicional, estudar outras possibilidades menos impactantes, mesmo com perdas energéticas, maiores custos de implantação e de retorno do capital investido, como: aproveitar o desnível do rio de interesse, desde as suas nascentes, até a foz do rio em cascata; e o que o torna navegável, fator de suma importância para a região, já que estará disponível uma rota que pode ser utilizada para o desenvolvimento das comunidades ribeirinhas, sob todos os aspectos. Estudar a alternativa do posicionamento dos grupos geradores em túnel e o sistema vertente sobre o mesmo, reduzir substancialmente a área alagada, utilizando diques laterais, conforme o esquema a seguir mostra.

Tais ações, uma vez implementadas, de comum acordo entre as partes envolvidas, creio eu, poderiam mitigar substancialmente os impactos ambientais, seja na ictiofauna com menores desníveis a serem vencidos e área alagada, seja na fauna, com aumento da fertilidade do solo, com a elevação do lençol freático na parte externa dos diques, evidentemente, com redução da regularização para geração energética.

Com exemplo, até onde eu tive conhecimento, tais ações não foram consideradas nos estudos, já em nível de Projeto Básico, nas centrais do rio Madeira, o que está ocasionando grandes debates sobre a oportunidade ou não da implantação, particularmente por problemas ambientais e áreas alagadas. Estas centrais serão as pioneiras na maioria das Centrais a serem implantadas no Brasil, já que sob aspecto técnico, econômico e ambiental, estarão sitiadas em rios de planície, logo, baixas quedas, o que implica grandes vazões turbinadas e, na maioria dos casos, número elevado de grupos geradores.

No caso das duas centrais no rio Madeira, cada uma com 44 grupos geradores bulbo, com diâmetro externo dos rotores de 7,5 m, com potência elétrica por grupo, em Girau, 74,7 MW e em Santo Antônio de 73,5 MW, ultrapassando a maior potência deste tipo de grupo gerador já construído e instalado, o que ocorreu na central de Tadami, no Japão, com 65 MW de potência. Sob o aspecto de queda, neste tipo de grupo gerador já se encontra em operação um com queda de 74,5 m, e outro com diâmetro do rotor de 8,4 m.

Tendo por base as considerações aqui feitas, o contexto futuro, não só das GCH, como grande número de PCH e aproveitamentos entre 30 e 300 MW, utilizará grupos geradores bulbos, devendo a engenharia nacional, particularmente a de projeto, adequar, caso a caso, arranjos que mitiguem impactos ambientais, harmonizem desejos dos investidores e contribuam para o desenvolvimento, sob todos os aspectos, das populações que irão receber as benesses de uma energia limpa e confiável.