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Mário Prestes Monzoni Neto

Coordenador Geral do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV

Op-AA-09

A incorporação de elementos socioambientais no modo de operar das empresas

A indústria brasileira de açúcar e álcool está diante de uma grande oportunidade: tornar-se a principal fornecedora de tecnologia e combustíveis renováveis, em larga escala, para os países que assumiram compromissos de redução das emissões de gases de efeito estufa, no âmbito do Protocolo de Quioto, ou via mercados voluntários.

Mas, o simples fato de produzir combustíveis renováveis não significa que os produtores brasileiros receberam um passaporte verde. Ele só será emitido se a indústria incorporar sustentabilidade em todas as suas dimensões. Há vários motivadores para que isso aconteça, desde os arcabouços regulatórios dos mercados de créditos de carbono e os acordos internacionais de comércio, até a pressão de consumidores e financiadores nacionais ou internacionais.

O Artigo 12 do Protocolo de Quioto é claro: o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo tem duas funções básicas. Uma delas é ajudar os países que têm metas de redução de emissões (os chamados países do Anexo-I), a atingi-las e, portanto, qualquer redução decorrente de projetos de MDL deve ser real, mensurável e de longo prazo.

A segunda função é promover o desenvolvimento sustentável nos países que não estão no Anexo I – nações em desenvolvimento sem metas para reduzir emissões. Assim, demonstrar o comprometimento com o desenvolvimento sustentável é etapa obrigatória no encaminhamento dos projetos candidatos ao MDL. Em outras palavras, não atender ao princípio da sustentabilidade é condição suficiente para tornar um projeto inelegível ao MDL, seja no Brasil, ou em outros países. O Protocolo de Quioto foi feliz ao introduzir este critério de elegibilidade. É preciso lembrar que o MDL não passa de uma maneira mais barata de promover a redução de emissões – ou a remoção de carbono atmosférico – pelos países desenvolvidos.

Se tal objetivo é alcançado por meio de projetos em países em desenvolvimento, nada mais correto do que adicionar à redução – ou remoção – um conceito que não leve aos mesmos resultados do modelo que o mundo industrializado seguiu: um modelo de desenvolvimento insustentável. Os desafios não diminuem, mesmo que o fornecimento de combustíveis renováveis a países com metas de redução ocorra à margem dos mecanismos de flexibilização, previstos no Protocolo de Quioto, e de sua exigência de comprometimento com a sustentabilidade. Claro, países produtores, como o Brasil, podem simplesmente exportar tais combustíveis.

Mas, correm o risco de sofrerem retaliações, como apontou o diretor da Organização das Nações Unidas para a Conferência do Comércio e do Desenvolvimento (Unctad), Supachai Panitchpakdi. Segundo ele, é crescente os embargos estabelecidos pelos países ricos, com base em justificativas sanitárias e ambientais, o que mostra que as nações em desenvolvimento precisam combater as barreiras comerciais com inovação, abrindo espaço para práticas sustentáveis.

Os embargos citados por Panitch-pakdi (revista Adiante, maio de 2006), vêm também de grandes empresas compradoras de produtos agrícolas, pressionadas por seus consumidores finais e por organizações da sociedade civil, principalmente as grandes redes de ONGs ambientalistas e de direitos humanos.

Há poucas semanas, o jornal O Estado de S. Paulo noticiou a repercussão de uma campanha do Greenpeace contra compradores de produtos derivados de soja brasileira de origem amazônica. Segundo o jornal, “as cadeias de fast-food KFC e McDonald’s, e os supermercados Tesco, Sainsbury’s, Asda e Morrisons e a fabricante Unilever ficaram com medo de que o exigente consumidor europeu deixasse de comprar seus produtos por causa do passivo ambiental e pressionaram fornecedores para garantir a legalidade do grão.”

Como se não bastasse, instituições financeiras públicas e privadas, nacionais e internacionais, começam a incorporar critérios socioambientais em suas políticas de operações crédito e investimento. O Protocolo Verde – uma carta de princípios dos bancos públicos nacionais – está sendo rediscutido. Os Princípios do Equador, compromisso voluntário dos bancos privados, em relação a critérios socioambientais, acabam de passar por revisão.

A nova versão diminui o espaço para práticas pouco sustentáveis em project finance. Os fundos de investimento socialmente responsáveis e os índices de sustentabilidade dos mercados acionários encarecem o custo de capital para empresas que não adotam as melhores práticas. Em diversos países, o poder público – seja na esfera municipal, estadual ou federal – vem introduzindo indicadores sociais e ambientais em seus processos de compra.

As licitações sustentáveis são utilizadas na Coréia do Sul, nos Estados Unidos e em vários países europeus. No Brasil, algumas iniciativas já foram realizadas e o governo do Estado de São Paulo é um dos mais ativos nessa área. Tudo isso aponta para uma pressão cada vez maior de consumidores, da sociedade civil organizada, de governos e compradores pela incorporação de elementos sociais e ambientais no modo de operar das empresas.

Este movimento não deixa de fora os produtores de combustíveis renováveis, por mais que eles sejam desejáveis hoje em dia. Aos poucos, as boas práticas de responsabilidade empresarial passam a ser condições necessárias para o acesso aos mercados e à obtenção da licença para operar no longo prazo. Subsídios ambientais e sociais terão vida curta. E não bastará produzir bens de natureza renovável. O desafio é mais complexo.