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Antônio Carlos Christiano

Presidente da Sermatec Zanini

Op-AA-33

Um pacto pelo etanol

Elogiado como o país que melhor soube encontrar alternativas para os combustíveis fósseis, o Brasil relega hoje o etanol, seu maior patrimônio bioenergético, à sua própria sorte.

Ainda sofrendo as consequências da crise do crédito iniciada no segundo semestre de 2008, o Brasil já começa a sentir os duros efeitos da crise da zona do euro, capaz de jogar as projeções de crescimento do PIB cada vez mais para baixo e cuja duração e impactos ainda não é possível estimar.

O governo federal lançou mão de medidas de incentivo ao consumo, mas elas já não conseguem surtir o mesmo efeito positivo como conseguiram na crise de 2008. Uma das saídas prováveis está no maior incentivo ao investimento, capaz de movimentar toda a cadeia industrial, gerar empregos, aumentar e melhor distribuir renda e, então, possibilitar o aumento do consumo.

Porém investir não pode mais ser somente um ato de coragem. Tem que ser um exercício pleno de planejamento e gestão, orientado por regras claras, estabelecidas para durarem 20-30 anos, aperfeiçoadas continuamente, mas nunca radicalmente eliminadas, substituídas ou alteradas.

O segmento sucroenergético, atravessando um dos piores momentos de toda a sua longa história, precisa muito deste Planejamento Estratégico de 30 anos, de maneira a poder se recuperar e mostrar sua pujante contribuição para o crescimento do País, mas, neste momento, não há mais tempo para esperá-lo.

É preciso lançar um verdadeiro pacto pelo etanol, de caráter de extrema urgência, congraçando os governos federal e estaduais, todo o setor sucroenergético e toda a indústria de base a ele relacionada. O pacto pelo etanol tem que ser alicerçado e construído sobre compromissos multilaterais, focados no maior crescimento do País, no fortalecimento das indústrias, na geração de empregos e na garantia do abastecimento.

As bases do pacto pelo etanol devem passar pelo entendimento fundamental de que:

a. Investimentos precisam gerar lucros e ter flexibilidade, para maximizá-los na produção de açúcar, etanol e eletricidade.

b. O governo federal precisa que o etanol hidratado e o etanol anidro sejam entregues nas datas e nas quantidades compromissadas e que a energia elétrica também seja assim despachada para o sistema.

c. O nível de emprego seja mantido, ou elevado, em toda a cadeia produtiva.

d. Os compromissos sejam honrados como condição fundamental para se beneficiar das medidas advindas do pacto.

e. O conceito de modicidade de preços precisa necessariamente ser substituído, neste momento, pelo de razoabilidade de preços, com propósitos maiores de crescimento do PIB, de geração de empregos, de aumento da renda, de segurança no abastecimento de etanol em valor e em quantidades compromissadas.

O pacto pelo etanol precisa de medidas imediatas, e, dentre as possíveis, sugerem-se:

1. Postergar a aplicação de impostos para toda a cadeia produtiva:

• todo investimento em ampliação da capacidade e em toda a melhoria da eficiência e da segurança operacional teriam seus impostos suspensos durante a fase de implantação desses projetos;

• os impostos acumulados seriam pagos após 12 meses da data compromissada para o início de sua operação, em 48 parcelas, ou seja, o imposto seria pago com o resultado do fluxo de caixa do investimento e não com recursos tomados como dívida para financiar os projetos;

• esse benefício seria estendido a toda a cadeia produtiva, permitindo, por exemplo, que a indústria de base adquirisse matérias-primas e equipamentos comerciais sem onerar o seu próprio fluxo de caixa;

• para os governos, haveria um atraso no fluxo de impostos, mas não uma renúncia fiscal.

2. Fazer valer esse programa de postergação de tributos também para os investimentos necessários para as redes de conexão entre as centrais térmicas das usinas e os sistemas elétricos que compõem o grid.

3. Estender o benefício da redução da tarifa de transmissão de energia elétrica (TUST) e da de distribuição (TUSD), independentemente da quantidade de MW despachados, desde que a biomassa bagaço de cana-de-açúcar seja o combustível.

4. Estabelecer o preço razoável para se pagar pelo MW despachado pelas térmicas movidas através da biomassa cana-de-açúcar. Por exemplo: R$ 140,00/MW. Os leilões seriam eliminados, e a compra se daria por adesão ao sistema, abrindo as portas ao pleno investimento. Cumpre ressaltar que uma térmica movida por bagaço de cana é um produto 100% nacional, inclusive sua tecnologia, indiscutivelmente a melhor do mundo, podendo ser essa afirmativa estendida para toda a produção de açúcar e de etanol.

5. Definir o preço razoável para se pagar pelo etanol hidratado e anidro na usina, estabelecendo uma regra de ajuste, de maneira que ele sempre possa chegar aos postos de gasolina representando, no máximo, 70% do valor da gasolina.

6. Ampliar de 3% para 10% o Reintegra, programa que devolve ao fabricante parte do valor dos itens exportados, especificamente para a indústria de bens de capital, em função de esse segmento movimentar uma expressiva quantidade de impostos nas indústrias brasileiras e de ser um dos mais prejudicados em sua competitividade internacional por programas semelhantes dos governos asiáticos, e por dificuldades oriundas da taxa de câmbio.
 
Esse benefício seria concedido através de certificados de créditos que permitissem qualquer tipo de compensação de impostos e tributos: INSS (empresa e empregado), PIS/Cofins, CSLL/IR, etc.

Como todo pacto, este também envolveria compromissos multilaterais, não cabendo somente aos governos estaduais e federal fazer concessões.

Os beneficiários dos programas de incentivo também precisam participar com a assunção de compromissos sérios, de tal maneira que deixar de cumpri-los implicaria seríssimas e imediatas sanções.  Assim:

1. Não despachar energia e/ou não entregar etanol nas quantidades acordadas implicaria:

a. Vencimento à vista de todo o saldo de impostos postergado pelo regime especial;

b. Voltar o preço da energia despachada para, por exemplo, R$ 110/MW.

2. O mesmo se aplicaria na hipótese de os beneficiários não recolherem os impostos que fizeram parte do regime especial de postergação.

3. Para a indústria de base, duas sanções reguladoras:

a. Manter o nível de emprego à época do estabelecimento do programa;

b. Somente fazer uso dos certificados de crédito do programa Reintegra se se obedecer à condição acima e contra apresentação de todas as certidões negativas de débito.

O objetivo é fazer com que os próprios beneficiários dos programas de incentivo se autofiscalizem, tão significativas serão as vantagens de se manter adimplentes com os
compromissos assumidos.

O pacto pelo etanol perduraria por 3 a 5 anos, até que um consistente planejamento estratégico estabelecesse as bases para o seu desenvolvimento nos próximos 20 a 30 anos.

Esse planejamento estratégico, além de consolidar o uso dos biocombustíveis e da energia da biomassa no Brasil, ampliaria o pleno uso da cana-de-açúcar como matéria-prima para biodiesel, óleos essenciais, bioplásticos, etc., incentivando investimentos feitos com a segurança de regras claras, transparentes e duradouras.

Estabeleceria bases para a exportação da tecnologia da cana, criando empresas transnacionais, com usinas filiais ou associadas em todos os países onde a cana pudesse prosperar, trazendo riqueza adicional para o Brasil.

Capacitaria as indústrias de base brasileiras para atender a outros setores pujantes da economia nacional, além de prover-lhes melhores condições de internacionalização.Esse é o Brasil Maior que tanto almejamos e para o qual a cana-de-açúcar pode prestar contribuição de relevante importância. Esse é um sonho possível, se soubermos aglutinar forças, pensar grande, ceder e conceder e, principalmente, trabalhar muito para o bem deste país.