Presidente da Votorantim Novos Negócios
Op-AA-04
Cultivamos a cana-de-açúcar como fonte de alimento desde, praticamente, a descoberta do Brasil. A partir da década de 70, utilizamos a cana-de-açúcar também como fonte de energia alternativa e renovável para mover nossos carros. Está claro, o modelo brasileiro é a prova disso, que a cana tem um grande potencial para se tornar uma das principais fontes de energia alternativas renováveis para o mundo.
Muito se tem falado sobre o potencial do álcool como combustível renovável. É real que nunca se investiu tanto para a reestruturação do modelo energético do setor de transporte. Os motivos variam de país para país, mas gravitam em torno dos já conhecidos: geração de renda agrícola, protocolo de Kyoto e a redução da dependência do petróleo.
Os investimentos em tecnologia, principalmente nos EUA, para tornar, por exemplo, a biomassa do milho competitiva para a produção de etanol são enormes. O Departamento de Energia americano acredita que com novas tecnologias, em um prazo de 10 anos, o custo do álcool produzido a partir de milho será competitivo com o barril de petróleo a US$ 25.
A reestruturação do modelo energético do setor de transporte conta ainda com outras alternativas em desenvolvimento, como as células a hidrogênio e os veículos híbridos. Além disso, grande parte dessas pesquisas não tem como objetivo somente a produção de álcool combustível ou a mudança do modelo energético de transporte. As centenas de milhões de dólares em desenvolvimento tecnológico estão sendo usadas também para pesquisar o potencial dos vegetais como “usinas produtoras” de monômeros e outros insumos para a indústria química.
Isto coloca o Brasil em uma posição privilegiada. Temos o melhor vegetal para a produção de álcool, sem mencionar o açúcar. Possuímos clima apropriado, grandes extensões de terra e água abundante para aumentar nossa produção e suprir uma boa parcela de um aumento de demanda mundial de álcool. Conquistamos, ao longo das últimas décadas, um conhecimento tecnológico e de processos para a produção e utilização de álcool que poucos países possuem.
Desenvolvemos novas variedades de cana que têm aumentado a produtividade de nossos canaviais de maneira consistente. Com a recente aprovação da lei da biosegurança, estarão disponíveis, no médio prazo, algumas espécies de cana, muito mais produtivas que as atuais. Além de açúcar e álcool, a cana é também o melhor vegetal para a produção de monômeros e outros insumos para a indústria química.
Dentro de 15 a 20 anos, esse mercado tornar-se-á tão importante quanto o potencial do mercado de álcool combustível. Porém, essas vantagens poderão não ser suficientes para que esse potencial de criação de riqueza seja realizado. Enumero abaixo os principais fatores que poderão limitar a conquista desse potencial:
Infra-estrutura: Vários são os desafios, entre eles destaco:
a. ampliação e a melhoria do sistema de malha ferroviária, bem como o do material rodante;
b. estações de bombeamento e tancagem intermediárias;
c. construção de alcooldutos;
d. facilidades portuárias, especialmente naqueles portos de maior calado, incluindo tancagem, e
e. navios adequados para o transporte transoceânico;
P & D: Um dos grandes desafios é a falta de uma política governamental clara que incentive empresas a investir em P&D. Além disso, a falta de tradição de pagamento de royalties e os problemas enfrentados em fazer valer as patentes são os fatores que mais desestimulam as empresas de P&D. Sem pesquisa nossa vantagem competitiva não se sustentará;
Comercialização: Não podemos menosprezar o grande desafio que é estabelecer a confiança dos potenciais compradores em relação a um abastecimento estável e de longo prazo. Será necessário discutirmos contratos de longo prazo que, além de assegurarem o abastecimento, minimizem a volatilidade de preços existentes;
Dependência de um só Produtor: Para a real comoditização do mercado de álcool combustível é fundamental que outros países venham a produzi-lo. Caso contrário,os potenciais compradores não serão estimulados a investir para desenvolver seus mercados internos. Não há comprador que se sinta confortável em ter um único fornecedor. Especialmente, se a matéria prima está inserida na sua matriz energética;
Competição com outras Tecnologias: Estão em desenvolvimento outras tecnologias que potencialmente podem competir com o álcool combustível. Algumas delas com boas perspectivas no médio prazo e apoiadas por importantes empresas e governos que são resistentes à introdução do álcool na sua matriz energética do setor de transporte;
Conjunturais: Os problemas já são nossos conhecidos de longa data, porém, vale a pena mencioná-los: alta taxa de juros, escassez de financiamento adequado de longo prazo e elevada carga fiscal e trabalhista.
Portanto, a tarefa de transformar o álcool numa commodity global e a cana numa importante fonte alternativa para usos, que vão muito além de alimento e combustível, é enorme. O futuro para essa indústria de mais de 400 anos é tão complexo e tão desafiador que muito ainda terá que ser feito pelo governo e pela iniciativa privada, para que se consiga realizar o grande potencial de criação de riqueza que nela ainda existe.