Como todos sabemos, o Brasil se destaca em sustentabilidade ambiental, devido aos seus recursos naturais e programas de estímulo ao uso destes. Por independência, o Brasil chegou ao século XXI com uma economia baseada em uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, fortalecida pelos seus recursos hídricos na geração de eletricidade e pelo seu etanol na mobilidade urbana.
Este modelo de sustentabilidade, baseado em sistemas econômicos de valorização regional, permitiu ao Brasil aproveitar seus vastos recursos naturais e sua forte aptidão para atividades agrícolas, garantindo segurança alimentar e energética. Explorar o seu próprio potencial é o que se espera dos países que buscam moldar uma economia sustentável, identificando suas maiores virtudes e desenvolvendo cadeias produtivas locais.
Atualmente, os biocombustíveis, em especial o etanol, são os maiores exemplos da alavancagem da sustentabilidade ambiental no Brasil. Tecnologias industriais baseadas na biomassa vegetal verdadeiramente retiram carbono da atmosfera, efetivamente habilitando a emissão zero líquida. Mas o futuro reserva grandes oportunidades para o Brasil e já estamos vivendo a formação dos cenários para darmos novos passos para este futuro.
As biorrefinarias têm o potencial de reeditar a indústria petroquímica, mas de forma renovável e sustentável. Tecnicamente, os produtos hoje originados da indústria petroquímica podem também ser obtidos a partir da biomassa vegetal, tornando o processo renovável, com baixa emissão de GEE (Gases do Efeito Estufa) e afastando nossa dependência dos fósseis.
Para isso, foi necessário o fomento no desenvolvimento de tecnologias e programas de popularização dos produtos da biomassa, o que a Bioeconomia Brasileira já vem fazendo há alguns anos, com destaque ao trabalho da ABBI (Associação Brasileira de Bioinovação), que vem participando ativamente na criação dos arcabouços legais e programas de estímulos para a bioinovação na indústria brasileira. Ainda, o financiamento do desenvolvimento das cadeias produtivas destas biomoléculas pode representar o estímulo que falta para que as empresas nacionais se sintam atraídas pelas oportunidades agora existentes.
Mas foi com o avanço da biotecnologia nas últimas décadas que pudemos observar mudanças profundas nos conceitos técnicos de operações com biomassa e extração de seus produtos, de tal forma que hoje nós conseguimos operar células como reatores bioquímicos, usando a biologia sintética para modificá-las para realizar transformações moleculares que normalmente a natureza não faria, e associamos aos aprimoramentos de bioprocessos, para desenhar unidades produtivas em larga escala e com viabilidade comercial.
Uma vez que o desafio tecnológico tem sido transposto, depositamos agora nossos esforços na competividade econômica dos bioprocessos, fomentando testes em ambientes industriais relevantes e elevando a maturidade tecnológica (TRL - Technology Readness Level) para patamares comerciais, considerando que o petróleo continuará sendo o balizador nos estudos de viabilização das oportunidades (baixo custo da exploração, volatilidade do seu preço e o fato de que as refinarias já têm um longo histórico de sucesso).
Olhando para a biomassa brasileira, figuramos com uma grande vantagem competitiva, já que nossas condições climáticas, geográficas e econômicas posicionam nossa biomassa como uma das mais baratas do planeta.
A partir dela, conseguimos obter açúcares e lignina de baixo custo, com flexibilidade de aplicação para a substituição de inúmeros compostos fósseis por versões biorrenováveis. Hoje, já são inúmeras biomoléculas em expansão de participação no mercado, como o PHB em substituição ao polipropileno em plásticos; o butanodieno, butanodiol e propanodiol, biomoléculas com aplicações na produção de borrachas de estireno-butadieno, gomas, selantes, anticongelantes, solventes, PBS e PBT; ácidos lático e succínico, usados nas indústrias farmacêutica e alimentícia, plástico e química; dentre muitos outros.
Em especial, destaco a nanocelulose, a menor e mais forte unidade estrutural da biomassa, podendo ser aplicada em indústrias automotivas, defesa e blindagem, invólucros eletrônicos, embalagens ultrarresistentes e têxtil. É um biomaterial mais forte que metais, nanotubos de carbono, grafeno e fibras de vidro, em uma base de peso igual. A proposta de valor da nanocelulose de biomassa não é apenas sobre a sustentabilidade de produtos com a substituição de moléculas fósseis por biomoléculas, mas, principalmente, sobre a capacidade de aprimoramento do desempenho da aplicação final, que não pode ser alcançado com outros materiais.
Ainda, após décadas de desenvolvimento e aperfeiçoamento de processos tecnológicos para a obtenção de produtos diretos da biomassa, como açúcar, etanol e energia elétrica, começamos a olhar para seus resíduos como matérias-primas para novos processos, aproveitando moléculas e fontes de energia desconsideradas no passado, devido às limitações tecnológicas e de mercado da época.
Hoje temos visto o surgimento de projetos industriais reais, ousados e visionários, focados em aproveitar resíduos da indústria sucroalcooleira brasileira, como o CO2 biogênico (CO2 produzido por atividades biológicas, como a fermentação de açúcares por leveduras na produção de etanol), resíduos da moagem da cana e a vinhaça de fermentação, para a produção de novas fontes de energia, como biogás, metanol, hidrogênio, SAF (Sustainable Aviation Fuel), dentre outros.
Tudo isso graças aos recentes estímulos mundiais para a valorização econômica de produtos e processos sustentáveis, como os mandatos governamentais, obrigando a substituição de uma parcela dos seus combustíveis fósseis por combustíveis renováveis, e a criação de legislações que penalizam a importação de produtos com alta pegada de carbono, como a CBAM (Carbon Border Adjustment Mechanism), promulgada pela União Europeia para sobretaxar produtos importados com alto teor de carbono, em vigor em 2026.
Apesar das pressões mercadológicas globais da transição para uma econômica de baixo carbono, o Brasil vem buscando se posicionar na fronteira da competitividade, por meio do investimento no desenvolvimento tecnológico industrial, através de programas de fomento e subvenção para empresas (Finep, Bndes, Embrapii, Fapesp, Senai...), e do investimento em Institutos de Ciência e Tecnologia (ICTs) brasileiros, cada vez mais qualificados para atender às demandas industriais e oferecer infraestrutura de ponta para reduzir o risco da inovação e trazer para a realidade projetos ousados e visionários.