O mercado de carbono do setor de biocombustíveis nasceu dentro da Política Nacional de Biocombustíveis – RenovaBio, Lei nº 13.576, em 26 de dezembro de 2017, num cenário em que a importação de combustível era crescente, e o sistema operava no limite. Existiam muitas usinas com alavancagem alta e/ou em recuperação judicial, havia a necessidade de políticas ambientais para o cumprimento das metas do Acordo de Paris, mas claro, sem espaço para renúncia fiscal e sem recursos no BNDES com taxas abaixo daquelas praticadas pelo mercado.
O RenovaBio, então, surge de um líder visionário (Miguel Ivan Lacerda de Oliveira) dentro do Departamento de Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia, que não se absteve em decidir, e de uma equipe que não poupou esforços em se especializar e buscar parceiros. Não surgiu de um grupo de trabalho formal para ouvir opiniões e montar um relatório de boas intenções em desacordo com parte do mercado.
Desde o princípio, teve-se o cuidado com a devida fungibilidade e a intercambialidade entre os ativos da mesma categoria, independentemente do emissor dentro do mercado de Crédito de Descarbonização - CBIO. A construção de um mercado secundário aberto, transparente e que tivesse a divulgação das quantidades e os preços transacionados foi uma premissa.
Por esse motivo, optou-se pela negociação em mercado organizado cuja função principal é controlar, manter e garantir ambientes ou sistemas propícios para o encontro de ofertas e a realização de negócios com formação eficiente de preços. Funções essas que aumentam a confiança dos investidores no mercado secundário.
Pela sua característica financeira, o CBIO é um meio de troca, cujo valor intrínseco é lastreado em uma tonelada de carbono evitada, ou seja, tem lastro real. O valor é dado pela percepção do mercado de quanto isso vale em determinado momento em razão da disponibilidade – quanto mais emissão, menor seu valor –, característica de meio de troca.
A quantidade de CBIOs, portanto, é limitada pela produção de biocombustíveis certificada e pela sua aposentadoria (retirada de circulação do CBIO), outra propriedade de meio de troca. Para o distribuidor de combustíveis, o CBIO é visto como um instrumento destinado à correção de externalidades negativas que quantifica o dano ambiental gerado, reforçando a sua característica de meio de pagamento de curso não forçado e fungível.
O crédito de descarbonização pode ser negociado por qualquer investidor em um ambiente que garanta a não identificação das contrapartes, de modo a mitigar manipulações indevidas desse mercado, numa aproximação do modelo de concorrência perfeita. A participação de outros investidores ameniza o desbalanceamento do setor de distribuição de combustíveis que se concentra em apenas quatro empresas (BR Distribuidora 27%, Ipiranga 20%, Raízen 18%, Alesat 3%, representando 68% do mercado nacional).
A aquisição do CBIO por investidores que não fazem parte do setor, mas que, mesmo assim, desejam reduzir a emissão de gases geradores de efeito estufa, traz uma redução de custo ao consumidor final de combustíveis. O CBIO também induz o aumento da oferta de biocombustíveis, com destaque para o etanol hidratado, que compete, de forma direta, com a gasolina nos postos revendedores, possibilitando mais uma redução no preço da cesta de combustíveis ao consumidor.
A partir do dia 27 de abril de 2020, os empreendedores que tiveram as suas produções de biocombustíveis certificadas (desde 24 de dezembro de 2019) puderam comercializar o CBIO no mercado organizado e registrar as operações no ambiente da B3 – Brasil, Bolsa, Balcão.
No primeiro ano, foram emitidos 18,58 milhões de CBIOs, volume acima da meta compulsória dos distribuidores de combustíveis de 2020, que era de 14,89 milhões de CBIOs. Ao todo, foram negociados 14,89 milhões de CBIOs, sendo que 14,61 milhões foram aposentados até o último dia do ano passado. Dos 141 distribuidores de combustíveis com metas, 106 as cumpriram integralmente, 4 aposentaram CBIOs em quantidade inferior e 31 não aposentaram CBIOs. O preço médio das negociações no ano passado foi de R$ 44,17/CBIO.
A meta de 2021 foi definida pela Resolução CNPE 08, de 18 de agosto de 2020: 24,86 milhões de CBIOs. No primeiro dia do ano, o mercado apresentava 3,972 milhões de CBIOs não aposentados (comercializáveis), sendo 3,68 milhões em posse do emissor primário, cerca de 16% da meta do distribuidor disponível para compra.
Durante o mês de janeiro de 2021, foram emitidos 2,16 milhões de CBIOs. O estoque na posse do produtor de biocombustíveis no último dia do mês foi de 5,1 milhões de CBIOs (20,5% da meta anual). O estoque do distribuidor somado ao volume aposentado totalizou 1 milhão de CBIOs. Os preços apresentaram uma baixa volatilidade, na casa dos R$31,78/CBIO. A plena operação desse mercado está ligada à redução dos riscos de um passivo tributário para as corretoras de valores mobiliários.
Faz-se necessária a definição da alíquota e do responsável pelo recolhimento das operações de venda com lucro no secundário. A dedução das despesas na compra de CBIOs pela parte obrigada (distribuidores) é outro imbróglio tributário a ser superado por uma Medida Provisória.
O lançamento do mercado de derivativos de CBIOs é uma ação inovadora que estava em desenvolvimento com os representantes do mercado financeiro. O derivativo possibilita que as duas partes de um contrato estabeleçam a compra e a venda do CBIO a ser liquidado em data futura preestabelecida por um preço previamente combinado. O registro do contrato para entrega futura permite a redução do risco de oscilação no preço do CBIO para o distribuidor e, ainda, permite um melhor provisionamento dos custos. O produtor de biocombustíveis percebe a venda para entrega futura como uma operação de financiamento em que poderá precificar os CBIOs a uma taxa mais atrativa que o seu CAPM (Capital Asset Pricing Model).
Esse novo formato de negociação abre oportunidades para a troca de insumos ou produtos agrícolas por CBIOs a serem entregues numa data futura e por um preço predeterminado entre as partes. Ou seja, um produtor de biocombustíveis poderia comprar defensivos agrícolas para a sua lavoura utilizando CBIOs a serem entregues a um preço remunerador para ambas as partes.
Esse mesmo modelo também atenderia ao fornecedor de cana-de-açúcar que agrega mais sustentabilidade na produção de uma determinada usina de etanol. Esse fornecedor, então, passaria a ter CBIOs em uma data futura em quantidade proporcional ao seu ganho de eficiência, pagando o custo de emissão ou zero. Trata-se, em verdade, de uma solução de mercado em que o produtor de etanol dá a posse do crédito de descarbonização ao seu fornecedor de cana.
O crédito de descarbonização tem valor internacional dentro da agenda mundial de sustentabilidade, que supera as iniciativas de taxação de carbono e mercados de licença de emissões. A longevidade do mercado de CBIOs passa pela intercambialidade com outros mercados de carbono, que deve ser buscada pelos representantes governamentais e pela iniciativa privada, como, por exemplo, o Mercado de Redução e Compensação de Emissões da Aviação Internacional – Corsia, o Mercado Europeu de Créditos de Carbono, e o recente Mercado de Carbono do Setor de Energia Chinês. Além disso, a entrada de investidores pessoa física deve ser perseguida para aumentar a liquidez do mercado e reduzir a amplitude das variações de preço do CBIO.