Assessor do CGEE, Centro de Gestão e Estudos Estratégicos
Op-AA-13
Como num passe de mágica, o etanol brasileiro foi alçado quase à posição da principal e efetiva solução para os problemas das emissões de gases de efeito estufa, problemas esses cada vez mais evidentes nos estudos desenvolvidos pelos participantes do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas.
O assunto etanol e, de uma forma mais abrangente, dos biocombustíveis, foi alçado a uma importância tão expressiva no contexto do cenário político e administrativo brasileiro, que foi criada, no âmbito da Casa Civil da Presidência da República, uma Comissão, com o objetivo de definir as posições e ações brasileiras neste tema.
Entretanto, em detrimento do papel que o país pode vir a assumir no cenário internacional, com respeito a tornar possível e, principalmente, em curto prazo, uma solução pragmática para o grave problema das mudanças do clima, existe uma questão para a qual é necessária uma atenção das autoridades governamentais e empresariais brasileiras.
A importância dessa questão assume, a cada dia, contornos mais definidos, sendo a principal conseqüência dela o risco de que o mercado futuro para os biocombustíveis brasileiros seja drasticamente reduzido, por culpa de um tema, que tem povoado os discursos oficiais e empresariais, de maneira muito mais retórica do que conseqüente.
Falamos da questão da sustentabilidade da produção dos biocombustíveis no Brasil, que em recente reunião, promovida pela Comunidade Européia em Bruxelas, que contou com a presença do Presidente Luis Inácio Lula da Silva e outras altas autoridades brasileiras, teve como repercussão, na mídia internacional, aspectos polêmicos, a exemplo da matéria publicada na imprensa espanhola, que se referiu ao etanol brasileiro como uma commodity, que possivelmente venha a ser produzida de forma ambientalmente “suja”.
Antes de discutirmos sobre a sustentabilidade dos biocombustíveis no país é necessário assumir uma definição clara do que vem a significar este conceito, de forma a podermos avançar numa consideração sobre sua aplicação ou não à produção dos biocombustíveis no Brasil. Ademais de representar um conceito cunhado pela Comissão Bruntland, em 1989, e a vontade de uma prática ainda a ser desenhada, com a devida e necessária precisão para sua implementação, o desenvolvimento em bases sustentáveis deve ser concebido com uma definição mais pragmática, fazendo com que o processo de tomada de decisões seja integrado, não apenas aos valores econômicos e técnicos, como tem sido a prática, mas também aos sociais, ambientais, culturais, políticos e institucionais.
O início da década de 70 presenciou o surgimento de um conjunto de procedimentos, cujo objetivo precípuo foi o de fazer com que o processo de tomada de decisões sobre ações de desenvolvimento se fizesse de forma mais racional. Análise custo-benefício não era mais suficiente para informar decisões sobre empreendimentos, para os quais os avanços do conhecimento deixavam evidente que sua implementação levava a conseqüências e, sobretudo, impactos complexos e incertos.
É neste contexto que surge uma família de instrumentos de avaliação, cujas principais expressões foram a avaliação social, a tecnológica e a de impactos ambientais. Passadas, hoje, mais de três décadas desde o início do uso da avaliação de impactos ambientais, diferentes análises têm demonstrado que este instrumento é reativo. Ou seja, que é incapaz de evitar os impactos provenientes destas ações de desenvolvimento; apenas os minimiza.
Como razão para esta natureza reativa, a principal, que tem sido identificada, diz respeito ao momento em que a avaliação é realizada: em escala do projeto. Ao ser aplicada neste momento do processo de planejamento, ela é incapaz de viabilizar o aspecto considerado como o fundamental para a racionalização do processo de tomada de decisão: a consideração de diferentes alternativas, de maneira a se optar por aquela que se mostre como a mais adequada.
Avaliação estratégica tem sido atualmente apontada como uma solução para as deficiências do estudo de impacto ambiental e, principalmente, como o instrumento que permitirá que a sustentabilidade do desenvolvimento seja viabilizada. Na prática, significa a aplicação dos procedimentos de avaliação, não mais na etapa de projetos, mas sim nos estágios iniciais do processo de planejamento, ou seja, na definição das políticas, dos planos e dos programas.
Como neste momento os investimentos ainda não têm a configuração de detalhe, a prática do pensar e, sobretudo, avaliar e negociar diferentes possibilidades e alternativas, é um evento viável. Ademais, ao permitir a consideração de alternativas, a avaliação estratégica permite que diferentes valores – e.g., ambiental, econômico, social, político, institucional – sejam incluídos e considerados, de forma integrada, na tomada de decisão, mediante a ponderação e negociação de ganhos e perdas, que sejam tornadas transparentes e explícitas.
Na prática, a avaliação estratégica significa planejar, de forma que ações que venham a ser implementadas no futuro, sejam feitas de maneira mais sustentável. Voltando à questão inicial sobre a sustentabilidade da produção dos biocombustíveis no país, o que precisa ser comprovado é que as decisões estão sendo informadas por mecanismos, que permitam demonstrar que o discurso sobre sustentabilidade não é mera retórica, mas sim uma prática consubstanciada por mecanismos de planejamento e de avaliação. Para concluir, é importante ressaltar o papel que a avaliação estratégica desempenha para recolocar nas agendas política e de decisão uma questão fundamental: a capacidade e o papel do estado na organização e implementação do planejamento.