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Luiz Pinguelli Rosa

Coordenador do Programa de Planejamento Energético da UF-RJ

Op-AA-15

A questão da geração elétrica e a energia da cana-de-açúcar

Vários fatores pressionam na direção da substituição progressiva de combustíveis fósseis no mundo.

1. A previsão de escassez futura do petróleo, cujas reservas são finitas e cuja produção deverá decrescer, dentro de poucas décadas;
2. A volatilidade do seu preço por barril, que veio de US$ 10 em 1999, para US$ 20 em 2000, US$ 70 em 2006 e atingiu cerca de US$ 100, em 2007;
3. A insegurança global com as guerras locais e o terrorismo, em um mundo que se pensava seguro após a Guerra Fria;
4. Os conflitos em áreas petrolíferas, como o Oriente Médio, e
5. A mudança do clima da Terra devido, principalmente, às emissões de dióxido de carbono - CO2, na queima de carvão, derivados de petróleo e gás natural.

No Brasil, há cerca de um ano, a Petrobras informou que várias termelétricas não tinham contratos de compra de gás e a ANEEL retirou-as do plano de operação, subtraindo mais de 3.000 MW. Isso revelou um problema, que voltou à tona com a questão do gás natural, em novembro de 2007. Nessa ocasião, a COPPE/UFRJ enviou um relatório ao ministro de Minas e Energia, alertando para o agravamento da situação da geração elétrica.

A antecipação da operação das termelétricas sinalizou as incertezas no setor. Houve atrasos nas obras, especialmente de hidrelétricas. Com a operação das termelétricas, inclusive a diesel, muito caro, a tarifa logo subirá para os consumidores cativos da rede, que já pagam muito pela energia elétrica, com exceção da tarifa social destinada à população de baixa renda. Ademais, o uso de combustíveis fósseis agrava as emissões de gases do efeito estufa.

O Proinfa, implementado pela Eletrobrás em 2003/2004, viabilizou a construção de 3.300 MW de usinas eólicas, de pequenas usinas hidrelétricas e de biomassa, especialmente bagaço de cana. Hoje, o governo volta-se para o aproveitamento do bagaço de cana, visando a expansão da geração elétrica, esperando-se que, no leilão previsto para abril de 2008, o total de geração com bagaço passe dos atuais 1.700 MW, para 3.300 MW. Mas, o potencial do bagaço é muito maior.

Para construir cenários para o uso do potencial do bagaço de cana-de-açúcar, na geração elétrica para a rede, deve-se avaliar a produção e o uso do álcool combustível no mundo, nos próximos anos, bem como a participação brasileira. O programa do álcool veio da política do governo Geisel, para enfrentar os choques do petróleo de 1973 e 1979.

Após o segundo choque, foram construídas destilarias autônomas e passou-se a usar álcool hidratado puro em carros, cujos motores eram fabricados com modificações. O álcool recebeu incentivo, reduziram-se os impostos de carros a álcool e seu preço era menor que o da gasolina, embora o custo dele fosse maior. O preço da gasolina ao consumidor era elevado, para dar subsídios cruzados ao diesel e ao GLP.

Na segunda metade da década de 80, o preço do petróleo caiu e houve um anti-choque. As políticas de apoio a alternativas de energia foram abandonadas, inclusive a do álcool. Isto resultou na falta do álcool, na virada de 1989 para 1990. A resposta dos consumidores à falta de álcool e à falta de política energética foi sair dos carros a álcool, cujas vendas caíram, e voltar aos carros à gasolina.

A produção de carros a álcool, que chegara ao máximo de 76%, em 1986 (ou cerca de 90% dos carros com motores de ciclo Otto), caiu a 0,06%, em 1997. A produção de álcool hidratado ficou estagnada de 1994/95, até 1997/98, quando despencou até 2001/02. Em contraponto, a do álcool anidro aumentou, pois é usado como aditivo à gasolina, cujo consumo subiu.

Devido aos carros flex-fuel, que permitem o uso de gasolina e álcool hidratado em qualquer proporção, este voltou a subir, após 2001. Somando o anidro e o hidratado, o total de álcool ultrapassou 15 bilhões (15 B) de litros em 1998, caindo depois até 10 B de litros em 2001 e voltou a subir. Foi de 16 B de litros em 2006. Portanto, houve uma retomada da indústria do álcool.

O rendimento da produção de cana subiu de 45,8 t/ha em 1975, para 74 t/ha em 2006, enquanto a produção cresceu de cerca de 89 milhões de toneladas (89 Mt), para 458 Mt nesse período, ocupando cerca de 6 milhões de hectares (6 Mha). A soja ocupa 23 Mha e o milho 8,7 Mha. 55% da cana destina-se ao álcool e 45% ao açúcar. Logo, é possível expandir a produção de álcool.

No quadro internacional, os EUA ultrapassaram o Brasil no consumo de álcool automotivo, com 17 B de litros, dos quais importam 3 B de litros, sendo 1,7 B de álcool brasileiro. Mas, o percentual do álcool nos EUA é baixíssimo, pois seu consumo de gasolina é da ordem de 10 milhões de barris/dia. A expectativa é aumentar este percentual para 20%. Consome-se 1 GJ de combustível fóssil, para produzir 1,3 GJ de álcool de milho, usado nos EUA, enquanto esta relação é de 1 para 8 GJ de álcool de cana, que dispõe de bagaço em excesso para a destilação e autoprodução elétrica.

A captura de CO2 do ar no crescimento da cana iguala sua emissão na combustão do álcool, diferente do milho. Não é razoável que o Brasil supra todo esse mercado, mas pode atender significativa parte dele. Segundo o IBGE, temos 152 milhões de ha (152 Mha) de área agricultável, da qual são utilizados 62 Mha e há 177 Mha de pastagens. Excluídos os 440 Mha de florestas nativas, dispõem-se de 90 Mha para expandir a agricultura, sem desmata-mento. Obviamente, apenas uma parte destas áreas é adequada à cana e é econômica e socialmente viável para a agricultura, voltada aos biocombustíveis.