Pesquisadora do Laboratório de Interação Molecular Planta-Praga da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia
Op-AA-17
Colaboração: Leonardo Lima Pepino de Macedo e Fernando Fonseca
A cana-de-açúcar é uma commodity de enorme importância mundial, pois além de ser utilizada para a fabricação de açúcar, é utilizada para a produção de etanol, aguardente e alimento para o gado. O Brasil é o país que apresenta maior produção mundial, com uma estimativa para a safra 2007/2008 de 473 milhões de toneladas.
Para auxiliar a produção, toneladas de pesticidas são utilizados na agricultura, visando prevenir ou combater o ataque de plantas daninhas e insetos-praga. A utilização desses compostos, que apresentam alto custo financeiro, é ainda extremamente necessária, devido às drásticas perdas ocorridas durante o cultivo. Dependendo da sua persistência e volatilidade, alguns pesticidas dispersam-se globalmente, de forma que grandes quantidades de seus metabólitos são detectadas, contaminando solos, águas superficiais e subterrâneas, atmosfera, além de se acumularem nas cadeias alimentares.
Existem mais de 200 pragas que causam redução na produtividade das lavouras de cana-de-açúcar, em todo o mundo. Destas, 38 já foram observadas no Brasil, incluindo a cigarrinha-das-folhas (Mahanarva posticata), cigarrinha-das-raízes (Mahanarva fimbriolata), a broca-da-cana (Diatrea saccharalis), broca-gigante (Teichin licus), nematóides (Meloidogyne incognita), entre outras.
A broca-gigante é o principal inseto-praga que afeta as lavouras das regiões Norte e Nordeste do Brasil, chegando a contribuir com cerca de 10-20% das perdas. Recentemente, foram, também, encontradas áreas isoladas com essa lagarta na região Sudeste, indicando que essa praga pode se disseminar para regiões, onde anteriormente não era encontrada.
O uso de produtos químicos é ineficiente no seu controle, devido à larva encontrar-se protegida no interior da cana. Os métodos atuais de controle incluem, principalmente, a catação manual de larvas e adultos, sendo metodologias rudimentares e de efeito paliativo, tornando-se necessário o desenvolvimento de novas abordagens para o controle desta praga.
A Embrapa fez um levantamento junto ao setor produtivo de cana-de-açúcar na região nordeste e a resistência à broca gigante foi apontada como uma das principais características a serem incorporadas nesta cultura, via engenharia genética. O desenvolvimento de cultivares mais resistentes, através de cruzamentos entre espécies de cana, vem contribuindo para melhores características agronômicas da cultura. Mas, no aspecto resistência aos insetos-praga, o emprego do melhoramento clássico não tem sido promissor.
A utilização de ferramentas biotecnológicas, aplicada à transformação genética de plantas, utilizadas desde a década de 80, surgiu como estratégia promissora para a geração de cultivares mais produtivas e resistentes aos insetos-praga, contribuindo fortemente para a redução dos custos de produção. Plantas geneticamente modificadas - GM, têm sido amplamente adotadas como uma estratégia eficiente de controle de insetos-praga, em países como EUA, Canadá, China e Índia, possibilitando a redução de cerca de 50 a 80% no uso de inseticidas.
As estratégias empregadas incluem, principalmente, o uso de toxinas de Bacillus thuringiensis (Cry, VIP, Cyt), de inibidores de proteinases e de proteínas do tipo-lectinas, que têm como alvo o epetélio intestinal e as enzimas digestivas do inseto. Com relação à obtenção de plantas de cana-de-açúcar GM, resistentes à broca gigante, acreditamos que o uso de toxinas Cry é o que apresenta maior potencial de uso. Essas toxinas associam-se especificamente a receptores nas células intestinais do inseto, causando lise osmótica e, consequentemente, sua morte.
Atualmente, técnicas modernas de evolução molecular in vitro têm permitido a geração de toxinas Cry mais específicas e eficazes no controle de insetos. Outra estratégia bastante promissora é o uso de plantas GM, capazes de gerar silenciamento de proteínas essenciais para o desenvolvimento do inseto alvo, por meio da mecanismo do RNA interferente (RNAi).
O RNA interferente na agricultura vem se mostrando uma ferramenta eficaz no auxílio ao controle de vírus, bactérias e nematóides. Seu mecanismo de ação baseia-se, principalmente, na introdução de um RNA dupla fita em um organismo alvo, que então inicia um processo de silenciamento gênico pós-transcricional, através da degradação de RNAs mensageiros homólogos, causando uma diminuição na síntese da proteína correspondente, dificultando a sobrevivência ou até mesmo levando a praga à morte.
A especificidade do RNAi para fins inseticidas é uma consideração importante para o uso desta tecnologia em aplicações práticas, já que os efeitos sobre insetos não-alvo podem ser minimizados. Dentre outras vantagens, esta técnica permite o uso de apenas fragmentos de seqüências, tendo em vista que a tradução de uma proteína não é necessária, o que minimiza as preocupações com biossegurança e alergenicidade.
Ambas as estratégias, evolução molecular in vitro e RNAi, vêm sendo pesquisadas e aplicadas no Brasil, em um projeto da Embrapa, associado a diferentes instituições brasileiras de pesquisa, visando à geração de eventos elite de cana-de-açúcar GM, resistentes a insetos-praga. Com a disponibilização do transcriptoma da broca gigante da cana, também em processo na Embrapa, será possível o avanço das pesquisas, utilizando a estratégia de silenciamento gênico, uma vez que permitirá a seleção de genes alvo de maior aplicabilidade.