Consultora da Associação Brasileira das Concessionárias de Energia e Professora da FGV
Op-AA-15
Passados pouco mais de dez anos do primeiro leilão de privatização de uma empresa de energia elétrica, o setor já experimentou dois modelos de funcionamento distintos e duas graves crises de oferta. Ambos, tanto o novo modelo desenhado pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, quanto o novíssimo, colocado em funcionamento pelo atual governo, pela lei nº 10.848/2004, tinham como objetivo promover a expansão da oferta de energia com modicidade tarifária.
O novo modelo buscava atingir tais metas, através da competição entre empresas de geração e comercializa-ção, buscando no mercado a força pa-ra a redução das tarifas. Para isso, iniciou o processo de desestatização com a desverticalização das atividades, separando as atividades acima mencionadas, da distribuição e transmissão, e dos monopólios naturais, que continuaram, portanto, regulados por meio de contratos de concessão.
Como o programa de privatização foi interrompido, grande parte da geração de energia no Brasil continua concentrada na mão de empresas estatais e, assim, o modelo da competição não pode ser testado. O novíssimo modelo modificou as regras e estabeleceu os leilões de oferta de energia, buscando obter a menor tarifa possível, enquanto satisfazia a demanda das distribuidoras.
Esse modelo, também não atingiu seus objetivos por um erro de projeto: impôs preços-teto nos leilões, impedindo que fossem precificados corretamente os riscos do investidor. Que riscos seriam esses? A demora na concessão de licenças ambientais, por exemplo, ou a falta de combustível, como o gás natural.
Assim, a demanda das distribuidoras deixou de ser atendida em alguns leilões e, em outros, foi coberta com a introdução na matriz energética de usinas de baixa produtividade e com custos ambientais elevados, como as térmicas geradas a óleo. O resultado é que atravessamos novamente uma crise de oferta, que, felizmente, não chegou a exigir o racionamento no uso de energia elétrica.
Se em 2001 o período de seca obrigou o governo a limitar o consumo de energia, porque não havia energia térmica para compensar a queda da produção de energia hídrica, hoje há térmicas, mas não há combustível, já que o gás natural não é suficiente para alimentar as indústrias, os veículos e as usinas simultaneamente, exigindo que o governo priorizasse seu uso para a geração de energia elétrica.
Por ocasião do racionamento de 2001, ficou evidente a necessidade de se diversificar a matriz energética brasileira, para que o país não ficasse refém da hidrologia. Para isso, foram criados programas de incentivo ao uso de fontes alternativas de energia. Na crise atual percebe-se que a diversificação não foi suficiente, pois não atingiu o estágio necessário para dar mais segurança ao sistema. Isto porque continuamos muito dependentes de duas fontes de energia: a hídrica e a térmica a gás natural.
A diversificação não é só uma exigência da segurança do sistema, mas também da necessidade de incluir fontes mais limpas de energia em nossa matriz. O Brasil tem o privilégio de contar com uma das fontes mais limpas, que é a hídrica, mas exigências ambientais de cunho diferente daquelas que buscam reduzir a emissão de carbono vêm dificultando a expansão desta fonte. De toda forma, fontes alternativas devem ser incorporadas crescentemente à nossa matriz.
Evidentemente, essa não é uma tarefa fácil. Os resultados pouco auspiciosos do Proinfa - Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica, comprovam a dificuldade. Um dos maiores entraves vem do fato de o governo não permitir uma precificação adequada para os empreendimentos que usam fontes alternativas, como biomassa ou eólica.
No Brasil, a bioeletricidade, cogerada a partir da biomassa da cana (bagaço e palha), representa um enorme potencial de energia limpa, renovável e eficiente. Atualmente, com o potencial de bioeletricidade já identificado, poderá se superar uma oferta de 10.000 MW, até 2015. Mas, para que isso ocorra, é necessário que se ultrapassem questões restritivas importantes, como sua correta precificação (para evitar frustrações em leilões futuros) e a eliminação dos gargalos de conexão.
Alguns países europeus já têm alta participação de energias alternativas na sua matriz como, por exemplo, a Suécia, com cerca de 40% de sua demanda satisfeita por fontes renová-veis. Há também países como o Reino Unido, com apenas 1,3%, mas com objetivo de aumentar essa participação para 15%, até 2020. Na média, as fontes renováveis respondem, hoje, por 8,5% do consumo total dos 27 países da União Européia, com previsão de chegar a 20%, em doze anos.
Além de entraves regulatórios, que podem impedir um crescimento das fontes alternativas no Brasil, há uma questão fundamental, que é permitir a precificação correta da energia. Os governos parecem confundir o conceito de modicidade tarifária com tarifa subsidiada. Isso nunca funciona porque, com exceção das empresas estatais, dificilmente o investidor se arriscará em um empreendimento sem retorno sobre o capital investido.
O sistema de formação de preços no setor elétrico é muito complexo, mas a complexidade não é apenas o problema, o grave é que este sistema de preços não cumpre sua função de sinalizar nem o desequilíbrio no mercado de energia ou a tendência de médio prazo. Na verdade, os preços de energia tendem a subir ao longo do tempo.
Na geração hídrica, os melhores aproveitamentos já foram cons-truídos e já fazem parte da matriz energética, enquanto na geração térmica há dependência do preço do petróleo e da taxa de câmbio, já que com a redução da oferta de gás, o óleo deverá ser usado com mais freqüência. As exigências de energia limpa demandarão fontes alternativas, que são também caras. Além disso, não há previsão no médio prazo de que ocorrerá uma folga na oferta de energia. A sociedade precisa estar consciente que a minimização da emissão de carbono tem como contrapartida a elevação dos preços de geração e esse fenômeno deveria ser explicado à população, com clareza.