Diretor Comercial do Itaú BBA
Op-AA-19
O setor sucroalcooleiro brasileiro, como todos os demais, entrou nesta crise, ainda de proporções difíceis de serem dimensionadas. Antes de setembro, tratava-se de uma crise endógena de um setor sabidamente cíclico, motivada por taxas de crescimento e investimento de proporções chinesas que ocorreram nos últimos anos e que teve como consequência indesejável um aumento enorme nos níveis de alavancagem financeira do setor, quase que como um todo.
Para se ter uma idéia da violência com que isto ocorreu, vamos abaixo discutir alguns índices. No quesito Vendas Líquidas/Endividamento Líquido, considera-se normal empresas do setor que devam até 65% das vendas líquidas anuais. Já num nível mais arriscado, estão aquelas que devem entre 65% a 100% de suas vendas anuais.
Acima disto, a coisa já se torna insuportável. Numa amostragem da carteira da instituição onde trabalho, 25% está no nível normal, 50% no arriscado e 25% no dito insuportável. Outro índice muito importante na relação Endividamento Líquido/EBTIDA: consideramos até 2,5x normal, até 5x arriscado e acima disto, insuportável.
O EBTIDA é o popularmente conhecido como geração operacional de caixa, e dá uma ideia da capacidade das empresas de gerar caixa em sua atividade a fim antes de servir a dívida, pagar impostos, repor a depreciação e pagar dividendos. O número aceitável de 2,5x leva em conta a questão do setor ser cíclico, com grande volatilidade de resultados.
Outros setores de resultado mais previsíveis, como utilities, toleram, de forma saudável, índices de até 4x. Importante também levar em conta, ao definir o que é saudável neste índice, o elevado nível de taxa real de juros praticados no Brasil, que costumam punir, de forma cruel, altos níveis de alavancagem financeira.
A combinação entre a substancial elevação do endividamento – fruto de investimentos e aquisições, a queda na geração de caixa – decorrente da redução dos preços do açúcar e do álcool – e o brutal aumento dos custos levaram este índice a níveis preocupantes. A média do setor neste ano safra 08/09 está em torno de 6,5 vezes, o que não é nada saudável. Em alguns casos, pasmem, este índice ultrapassa a marca de 10 vezes!
Para a próxima safra, esperamos substancial melhora da margem EBTDA, pela recuperação esperada dos preços, se os bons fundamentos imperarem e também pela redução de importantes itens da escala vertical de custos das empresas como aço, mão-de-obra, fertilizantes, etc, bem como medidas de racionalização que estão sendo postas em prática. Ouço empresários falando em reduções, que representam até incríveis 30% do EBTIDA esperado para a próxima safra. A pergunta que fica é: por que não foi feito antes?
Outro índice interessante a ser observado é Dívida Financeira Líquida/Tonelada de cana moída. Levando-se em conta que, na média de anos bons e ruins, boas empresas do setor conseguem gerar de caixa R$ 20,00 por tonelada de cana moída, dever até R$ 50,00/ton é uma situação saudável, entre isto e R$ 100,00/ton já passa de aceitável para uma situação apertada e acima disso a situação já passa a ser complexa.
Claro que fatores como custo ponderado da dívida, perfil de amortização e capacidade de geração de caixa dos investimentos feitos são fundamentais para uma análise mais apurada. Um exemplo do que falei acima é o de uma usina que vai moer na próxima safra 10MM de toneladas, com uma dívida de R$ 1 bilhão, a um custo ponderado de 13,5% a.a. - resultado de um mix de capital de giro de curto prazo ao custo de 20% a.a., BNDES por volta de 11,25% a.a. e pré-pagamento de exportação de variação cambial mais 8%, na proporção de 25%, 50% e 25% para cada uma das modalidades - resultando numa despesa financeira anual de R$ 135MM.
Supondo-se que esta usina gere R$ 17,50/ton moída no próximo ano, a safra 09/10, se tudo der certo, pagará os encargos e sobrarão apenas R$ 40 MM para reposição obrigatória de depreciação, amortização de principal e impostos. Dividendos, nem pensar. Foi nesta situação que a crise econômica mundial pegou o setor. Ou seja, crise de liquidez jamais vista, com o setor altamente alavancado financeiramente e com baixa capacidade de geração de caixa. O mundo acabou? A resposta é não.
Felizmente, aquele ditado de que Deus além de brasileiro é usineiro parece que vai se fazer valer de novo. O setor, talvez, seja um dos únicos que nesta crise esteja construindo bons fundamentos, que vão permitir uma travessia do Cabo Horn dura, porém sem naufrágio para a maioria das empresas. O fundamento mais importante, seguramente, é o açúcar, que aponta para déficits elevados, com números entre 5 a 6 MM de tons no próximo ano safra e para uma relação estoque/consumo no final deste ano das mais baixas já vistas, em torno de 23%.
Lembrando que o açúcar é um produto básico, fonte de energia das mais baratas que o mundo pode produzir, excluindo da comparação o barro comido por nossos semelhantes haitianos. É inelástica a renda, onde pequenos desequilíbrios de oferta/demanda causam movimentos muito bruscos de preço, o que vale para o bem e para o mal.
O álcool, por sua vez, apesar de estar com a espada do preço baixo do petróleo na cabeça, vai ter, do lado da demanda, uma expansão da frota flex em mais de 2 milhões de veículos, o que assegurará um crescimento de consumo de mais de 3MM de litros. Sem falar em outro produto muito nobre que é a cogeração de biomassa, infelizmente ainda presente em poucas unidades e que não mereceu do governo o devido valor.
Este produto adiciona na geração de caixa das usinas preciosos 4 a 6 Reais por ton, muito importantes, principalmente nos anos de vacas magras. Estes fundamentos citados acima, com certeza, vão melhorar a vida do setor, mas será que esperar externalidades acontecerem ou fazer ações de redução de custos bastam? A meu ver não e, na linha do fazer do limão uma limonada e que, é na dificuldade que o ser humano evolui pelo aprendizado de importantes lições, gostaria de colocar algumas questões a serem refletidas.
A primeira questão é do lado da gestão. O que mais vimos nestes anos foram saltos bastante significativos de tamanho do tipo dobrar, triplicar e que não foram acompanhados das devidas adaptações de gestão, porque havemos de concordar que tocar uma usina de 2 MM de tons é diferente de tocar duas de 5MM de tons.
É mais ou menos a diferença entre guiar um táxi e um F1. Um erro de direção num táxi guiando na cidade ocasiona um paralama ou capô amassado. Um erro na condução de um F1 pode levá-lo a bater na Tamburello, como, infelizmente, aconteceu com nosso saudoso campeão em 1994. Quanto maior o negócio, maior a exigência de gestão no seu sentido mais amplo.
No que envolve a parte financeira, é preciso: controles, orçamentos, custos, gestão riscos de moeda, de preços, gestão com fonte adequada de recursos, no que tange a preço e prazo, procurando evitar descasamentos; operar com nível mínimo de caixa; tomar recursos quando o mercado está líquido e disponível; suprir os parceiros financeiros com informações de qualidade, no menor prazo possível e com a maior transparência, que é o combustível da confiança.
Ou seja, quanto maior a empresa, menor é o espaço para improvisações e amadorismos. Uma segunda questão que gostaria de abordar é com relação às oportunidades estratégicas. Têm um cliente muito amigo e que considero um dos empresários mais competentes do setor que me disse a seguinte frase: “Somos um bando de fazendeiros, exceto poucas e honrosas exceções.
Administramos nossos negócios, poderosas empresas agroindustriais, com faturamento na casa dos R$ 500MM ou até mais, como tocávamos nossas fazendas há décadas atrás”. Exageros à parte, nosso querido amigo fala isso no sentido da arraigada visão de dono, onde empresas familiares têm dificuldade em visualizar para o futuro a transformação de suas empresas em sociedades anônimas, não mais de donos, mas de acionistas e sócios, extremamente preocupada em criar valor para os próprios acionistas, colaboradores e para a sociedade.
Então, ideias que propiciam crescimento não orgânico, envolvendo fusões, integração de ativos, alianças estratégicas, buscando ganho de escala, ganho de eficiência, sinergias, etc, que podem fazer extremo sentido, são simplesmente abortadas sem sequer serem discutidas e avaliadas. Sabemos das dificuldades ocasionadas pelas diferenças de culturas e valores, mas não podemos deixar de perseguir o caminho de um setor mais consolidado e, consequentemente, mais forte, com os benefícios que isto pode produzir.
Temos certeza que estes movimentos estão apenas no início e com a conclusão das primeiras operações, se elas se transformarem em caso de sucesso, outros grupos mais conservadores e céticos irão, no mínimo, refletir mais sobre as questões estratégicas e o longo prazo. Com isto, o sonho de um setor mais forte e robusto, que não transfira renda de forma estúpida para outros elos da cadeia, inclusive o meu que é o financeiro, vai ficar mais perto da realidade.
Concluindo, apesar de tudo que falei, prefiro dar crédito a uma usina muito bem gerida com 3MM de tons de capacidade do que para uma de 20MM de tons de capacidade mal tocada. Crescer com qualidade é fundamental, conseguir fazê-lo com o menor ônus possível é o grande segredo, combinação de boa gestão da operação como um todo, com estratégia primorosa, é a combinação infalível.