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Paulo Sérgio do Vale

Unibanco

Op-AA-01

O ouro que vem da cana

O sistema financeiro tem tido um importante papel no desenvolvimento da indústria sucroalcooleira. Devido à sua característica de setor capital intensivo, e que concentra os custos em seis meses e distribui as vendas em doze meses, as usinas recorrem a capital de terceiros para financiar sua atividade. Os bancos, por sua vez, para conceder crédito, analisam vários fatores como os fundamentos do setor, escala de produção, produtividade agro-industrial, quantidade de cana própria (incluso parcerias), logística, situação econômico-financeira, diversificação de produtos e outras fontes de receita.

Neste contexto, dependendo da situação de cada usina, o montante de recursos de linhas de crédito varia, bem como os prazos, que podem chegar até dez anos, como no caso da cogeração de energia, o que mostra que a indústria está passando por uma nova etapa na relação com o sistema financeiro. Nos meus 15 anos de trabalho no setor, presenciei várias crises: desde a falta de álcool em 1989 e a previsão de que o hidratado iria provocar o sucateamento do carro a álcool, até a última, na safra 98/99, provocada pela super produção de cana e a desregulamentação do setor.

Apesar dos problemas, a pujança do segmento é admirável, pois o crescimento da produção de cana no período tem sido acima dos 5% ao ano, grande parte em função do desenvolvimento genético da cana de açúcar. A procura de novos mercados após a saída da tutela do governo fez com que o setor aprendesse a comercializar. Exemplo disto é o aumento na exportação de açúcar - no início dos anos 90 exportávamos dois milhões de toneladas e hoje já chegamos a 13 milhões.

A melhora da gestão do negócio e o entendimento entre os parceiros, tornaram o mercado mais profissional e as relações mais transparentes, deixando de lado velhos ranços e vaidades. Alguns pontos, no entanto, podem melhorar. O gerenciamento de risco é um deles, já que ainda hoje uma simples variação do dólar ou uma má fixação de preço pode levar todo o ganho conseguido na safra.

Por ser um setor gerenciado por famílias, na sua maioria na terceira geração, os atritos são grandes e o processo sucessório deve ser levado muito a sério, inclusive com melhores práticas de governança corporativa em beneficio do gerenciamento do negócio. A contratação de um corpo gerencial profissional e qualificado traria mais conforto ao sistema.

O momento atual de preços baixos é pontual, e ao mesmo tempo importante para que façamos uma reflexão. Os altos preços praticados nas últimas safras e a perspectiva de exportação do álcool para o Japão trouxeram uma onda de construções de novas usinas e aumento da capacidade de produção. Inevitavelmente, aumentou-se a produção para mais de 350 milhões de toneladas de cana e os agentes do mercado mais bem preparados se aproveitaram dos baixos preços.

Os preços do álcool caíram mais de 40% nos últimos dois meses e a relação preço do álcool x gasolina ficou abaixo dos 50%. Olhando de fora não se entende o motivo desta queda tão rápida, pois os estoques de passagem ficaram com o equivalente a um mês. Sendo assim, por que os preços caíram tanto em plena entressafra? O setor até tentou se organizar para segurá-lo através da estocagem forçada, mas ninguém quis ficar com o mico.

Os altos estoques queimam nas mãos de quem os possui e vendas de grandes volumes são feitas a qualquer preço, mostrando que o aumento desorganizado da produção foi um erro. Apesar disto, as vendas do carro flex-fuel tem tido uma grande aceitação e, se o preço do petróleo permanecer acima de US$30 por barril, o consumo do álcool deve crescer nos próximos meses. Portanto, o setor precisa planejar a produção de acordo com a demanda esperada.

Temos que mudar conceitos e paradigmas, começando a pensar no álcool como fonte de energia e não como uma commodity agrícola. A necessidade de termos um combustível limpo e renovável é importante para o mundo, em função do aquecimento da terra e suas terríveis conseqüências para o clima. A despeito do governo dos Estados Unidos não ter assinado o protocolo de Kyoto, os investimentos feitos no ethanol, como aditivo à gasolina, estão em progresso e num futuro muito próximo países como Austrália, Tailândia e Comunidade Européia deverão utilizar este sistema. Os americanos já estão produzindo atualmente mais de dez bilhões de litros de ethanol e devem ultrapassar o Brasil como maior produtor.

Enfim, o álcool terá seu espaço garantido no mercado mundial. Entretanto, é preciso a união do setor e do governo, num esforço que transmita aos países importadores a segurança do fornecimento independente de eventuais problemas de oferta no mercado local. As perspectivas de médio e longo prazo são boas e o setor não pode deixar escapar esta oportunidade de ouro.

Temos que ficar de olho no curto prazo, já que o desorganizado aumento da produção de cana com a instalação de novas usinas e o aumento do canavial gera desconforto no mercado e pressão nos preços. Irão sobreviver aqueles que estiverem mais bem preparados, tanto do ponto de vista econômico-financeiro como gerencial, e os demais players deste mercado estarão fadados a serem incorporados pelos melhores. Assim, a consolidação do mercado deve acontecer.