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Daniel Scherer de Moura

Professor de Fisiologia Vegetal da Unifesp

Op-AA-17

Resistência a insetos

Centenas de milhares de anos de convivência entre plantas e insetos, sem dúvida, levaram a que ambas as espécies adaptassem suas defesas e estratégias de ataque, buscando máxima eficiência. A atividade agrícola representa uma interferência positiva nessa batalha em favor das plantas. Através da melhoria das condições de crescimento e desenvolvimento (práticas agrícolas, melhoramento genético e insumos), são oferecidas condições ótimas, para que as plantas obtenham eficiência máxima de produção.

Porém, esse favorecimento às plantas não nos é possibilitado impunemente. Os insetos, no outro lado dessa batalha milenar, apesar de desfavorecidos pela tecnologia, retomam a liderança de tempos em tempos. Isso nos lembra que nossa interferência positiva não deve ter descanso, se quisermos manter o favoritismo das plantas em relação aos insetos.

É nesse sentido que a biotecnologia vem atuando. Com as demandas crescentes, para aumento de produtividade e redução de perdas, o melhoramento genético busca auxílio, não somente em materiais exóticos de cana-de-açúcar, mas, principalmente, em outras espécies vegetais e ainda em organismos distantes, como as bactérias.

Com relação à resistência a insetos, uma opção para a principal praga da cana-de açúcar, Diatraea saccharalis, é a utilização de proteínas antinutricionais. Essas proteínas interferem na digestão do alimento ingerido pela lagarta e provocam um retardo no desenvolvimento das mesmas, reduzindo os danos produzidos pelo inseto.

A biotecnologia, por intermédio da transgenia, pode introduzir genes que codificam proteínas antinutricionais, em variedades elite de cana-de-açúcar, fazendo com que as mesmas produzam essas proteínas nas folhas. Ao serem ingeridas pelos insetos-praga, essas proteínas atuam reduzindo o desenvolvimento e a fertilidade dos insetos.

Esse mecanismo de resistência, por não provocar a morte do inseto, apresenta uma maior estabilidade no campo, sendo mais difícil o aparecimento de insensibilidade do inseto-praga à proteína antinutritiva (quebra de resistência). Existe uma grande variedade de proteínas antinutritivas conhecidas e, no caso da broca da cana, existe uma grande variedade de inibidores de proteases, que atuam de forma antinutritiva, através da inibição da atividade de proteínas digestivas (proteases) dos insetos.

Inúmeras são as espécies vegetais que podem ser utilizadas como fontes de inibidores. A batata, por exemplo, possui mais de 10 inibidores diferentes. A soja, o tomate, o pimentão, o fumo e até mesmo o arroz e a cana-de-açúcar são outros exemplos. Os inibidores já foram introduzidos em várias espécies de importância econômica e comprovaram ser capazes de interferir no desenvolvimento de inúmeros insetos-praga.

Mas, por que até hoje essas variedades não deixaram os laboratórios acadêmicos e passaram a ser cultivadas? Uma das principais razões tem sua origem no que está escrito no parágrafo inicial. As centenas de milhares de anos de convivência fizeram com que alguns insetos, especialmente aqueles com uma dieta diversificada (muitos deles importantes pragas agrícolas), desenvolvessem uma capacidade de adaptação a essas proteínas antinutritivas encontradas naturalmente nas plantas de sua dieta.

Essa adaptação pode ser baseada em um aumento das proteínas digestivas ou ainda na diversificação das mesmas. Em muitos casos, a adaptação ocorre na mesma geração, ou seja, não há necessidade de reprodução, porque os insetos já apresentam essa capacidade nos seus genes. Uma outra dificuldade na utilização dessas proteínas antinutritivas diz respeito à falta de um controle da produção das mesmas nas plantas transgênicas.

A situação ideal é que as proteínas sejam produzidas e acumuladas quando - e somente quando - a planta está sofrendo o ataque do inseto alvo. Dessa forma, não há desperdício de energia, produzindo e acumulando desnecessariamente a proteína de defesa. Esse controle é feito através de transgenes regulados por promotores, induzidos pelo ataque dos insetos. Esses promotores são pedaços de DNA e também são objetos de estudo.

O que está sendo feito para não perdermos esse arsenal de defesas naturais em potencial? Já se sabe que o processo adaptativo dos insetos não funciona para todas as classes de inibidores, portanto a busca de novos inibidores em plantas é uma das estratégias. A geração de plantas transgênicas com mais de um transgene para produção de mais de um inibidor também é uma possibilidade. Uma das estratégias mais interessantes é aquela baseada no entendimento dos mecanismos de adaptação.

Sabendo-se qual o mecanismo de adaptação utilizado pelos insetos para sobreviverem à presença de proteínas antinutritivas em sua dieta, uma estratégia de desarme dessa reação pode ser montada, permitindo que as proteínas antinutritivas atuem de forma eficaz. Como fazer esse desarme? Novamente através da transgenia, podemos modificar a dieta do inseto, fazendo com que o mesmo ingira, juntamente com as folhas que estão sendo atacadas, uma outra molécula, que irá interferir no mecanismo de adaptação.

Essa molécula, chamada de RNA de interferência, irá justamente interferir na produção das proteínas responsáveis pelo mecanismo de adaptação. Há no Brasil excelentes grupos de pesquisa, dedicando-se à implementação de estratégias de controle de insetos, através do uso de inibidores de proteinases. Os estudos incluem a descoberta e caracterização de novos inibidores, teste de inibidores conhecidos em plantas transgênicas, estudos dos mecanismos de adaptação e teste de novas estratégias, para a utilização dos mesmos. O investimento na geração de conhecimento dos diferentes sistemas de interação planta-inseto é, não só essencial para a geração de produtos de interesse comercial, mas também o primeiro passo dado nessa direção.